Escrito por Hamilton Octavio de Souza
Sexta, 05 de fevereiro de 2016
Fonte: Correio da Cidadania
É preciso ter bem claro que a
fragilização do governo Dilma Rousseff e de lideranças do PT atinge duramente
todo o campo da esquerda brasileira, desde os que ainda defendem políticas de
alianças com o empresariado, com setores conservadores e com as velhas
oligarquias regionais, até os que se encontram na luta contra a direita, contra
o neoliberalismo e na oposição ao lulismo desde os anos 1990 e mais
recentemente. Todos, sem exceção, estamos pagando muito caro por desvios,
erros, rendições e concessões políticas e éticas dos governos petistas e das
forças de esquerda que lhes deram sustentação desde a campanha eleitoral de
2002.
O preço está sendo o alijamento
da esquerda da vida institucional e do debate nacional nas universidades, na
mídia, nos centros de formação política e até mesmo nos movimentos sociais
populares e no seio das classes trabalhadoras, inclusive no operariado. Não
seremos totalmente banidos, mas estamos com enorme dificuldade de encontrar
espaços receptivos e de defender propostas de transformação social sem ter de
ficar na explicação defensiva do desastrado caminho adotado pelo PT, que nada
tem a ver com o projeto original do partido concebido nas lutas contra a
ditadura e no potencial revolucionário dos trabalhadores nos anos 1970 e 1980.
Estamos enfrentando um período de
forte bombardeio ideológico contra as esquerdas, um verdadeiro massacre na
imprensa burguesa, que é agravado pelo desalento refratário da juventude, a
falta de perspectiva na participação militante, o apagamento intelectual dos
mais antigos e solidários lutadores – enfim, estamos acuados e isolados para
levantar e fazer avançar com força as verdadeiras bandeiras da esquerda na luta
histórica contra a barbárie do capitalismo. O discurso da esquerda tem caído no
vazio, enfrenta resistências de toda ordem, é visto com desconfiança e não
consegue transpor a muralha passional que a direita construiu em torno do
lulismo e do petismo.
Evidentemente não são os
simpatizantes e militantes das ideias de esquerda os únicos a pagarem pelo
desastre da aventura lulista: a maioria do povo, especialmente os trabalhadores
e os mais pobres sofrem cada vez mais com o peso do programa neoliberal
radicalizado e o avanço das velhas forças conservadoras e de direita; todos
sentimos a ausência de aliados democratas, de vozes e de organizações políticas
e sociais comprometidas com as lutas por um mundo justo e igualitário. Temos
muita dificuldade em encontrar as bases e os caminhos para retomar o fio da
meada e definir rumos minimamente consensuais.
A agonia do lulismo, conduzida
por suas maiores lideranças desde os atalhos e as opções feitas em 2002,
transfere efetivamente para as hordas de bárbaros os louros da vitória final e
a consagração da conquista absoluta, que até o momento foram contidos porque
nominalmente o governo federal carrega junto com a marca petista um amplo leque
de alianças e interesses variados. Mesmo sem a menor condição de impor
políticas e rumos próprios, o PT mantém o cetro simbólico do poder, que tende a
derreter não apenas pela ausência de respaldo social, mas também pelos vários
ordenamentos jurídicos que permitem aos advogados da legalidade
liberal-burguesa contestar a legitimidade do governo.
Assalto final
Independente de se chegar à
fórmula do afastamento presidencial, via Congresso Nacional e eventualmente em
algum tribunal, nada impedirá o assalto final das forças do atraso, se não
agora muito provavelmente em 2018. Não há no horizonte do poder público, neste
momento, nada que expresse ou sinalize algum avanço político, econômico e
social. Ao contrário, as forças que estão à espreita significam apenas e tão
somente maior retrocesso político e maior aprofundamento no modelo neoliberal,
que não tem o menor pudor de extrair sangue numa nação raquítica e esgotada
pela rapinagem. Por acaso o sistema dominante fixou algum limite de sacrifício
para os trabalhadores?
As forças de esquerda que se
posicionam e se movimentam contra o lulismo e contra a esdrúxula composição do
governo Dilma Rousseff fazem um esforço incrível para ganhar cada vez mais
inserção nas classes trabalhadoras e nos setores populares, mas estão muito
longe de disputar com a direita e o conservadorismo a sucessão federal e o
comando do país. Mesmo porque as forças de esquerda sofrem terrivelmente igual
processo de desgaste que atinge o PT e o lulismo, apesar de todas as diferenças
– e são muitas – de propostas e de compromissos políticos e éticos.
O que vem depois do governo Dilma
Rousseff será, com certeza, do ponto de vista do povo trabalhador, a
continuidade das políticas neoliberais, além do acirramento da caça às bruxas,
das perseguições de toda ordem, das restrições e discriminações não apenas na
esfera da política, mas na esfera dos serviços públicos, da saúde e da
educação, da cultura e do comportamento. O programa econômico anunciado pela
oposição de direita prevê nada menos do que a privatização de quase tudo,
inclusive dos bancos públicos e das redes de ensino e de saúde. É o fim de festa
do longo domínio dos mercados desde o marco do Consenso de Washington, em 1989.
De outro lado, positivamente,
quanto mais cedo conseguirmos nos livrar do legado do lulismo e da catarse
obrigatória desse período simbolizado na Carta ao Povo Brasileiro, mais cedo
teremos condições reais de escaparmos da geleia geral dessa política de
conciliação de classes aprofundada pelas lideranças do PT; e mais cedo
poderemos rearticular todo o campo progressista e de esquerda com a
confiabilidade dos trabalhadores e do povo – condição essencial para a retomada
das lutas e coquistas necessárias a um Brasil justo e igualitário. A direita
sabe muito bem que ao jogar os holofotes sobre o lulopetismo chafurdado na lama
atinge em cheio o amplo campo da esquerda brasileira – que não se confunde nem
com o lulismo nem com o PT.
Força e credibilidade
A esquerda brasileira só
conseguirá ressurgir com força e credibilidade social, com programas de
transformação, com respaldo dos trabalhadores, quando os fantasmas do lulismo
estiverem exorcizados, quando tivermos encerrado esse período de desagregação
da nossa história política. Precisamos ter claro que em nome das forças
progressistas e das esquerdas o lulismo e o petismo cometeram as maiores
barbaridades, desde a política de alianças contrária ao programa partidário, o
apoio ao projeto neoliberal, até o uso de métodos imorais historicamente
execráveis pelas esquerdas. Precisamos ter claro que o oportunismo lulista e o
credo petista de buscar a “governabilidade” a qualquer preço fomentaram as
forças do conservadorismo e da direita dentro e fora de seu arco de alianças
espúrias.
Todo petista honesto, ao
esbravejar contra a direita e o conservadorismo, deveria primeiro se perguntar
“por que a direita e o conservadorismo aumentaram e ganharam força social
justamente no período de governos do PT?”. Ou “por que os governos do PT não
realizaram o necessário trabalho de formação e de conquista política da maioria
da população?”. Ou ainda “por que os governos do PT sempre fizeram alianças à
direita e combateram duramente as forças de esquerda e os movimentos dos
trabalhadores?”.
Com certeza, depois de uma boa
autocrítica o petista honesto só pode admitir que chegou a hora, sim, de virar
a página da história, deixar de lado o que não deu certo e partir para a
construção de algo novo junto com os trabalhadores e com o povo brasileiro.
A luta exige clareza nos
objetivos, nas alianças e nos métodos para o enfrentamento das classes
dominantes, da direita política e econômica e do conservadorismo dos valores.
Não queremos retrocesso. Ao contrário, queremos avançar na conquista de
direitos das classes trabalhadoras e do povo pobre explorado e oprimido.
Queremos uma sociedade livre, democrática, justa e igualitária. A nossa
resistência precisa ganhar as ruas e todos os espaços de luta política. É
preciso trocar a crença dogmática do lulismo por um novo instrumental de
organização social, baseado nos fatos concretos e na capacidade humana de mudar
a realidade. Que a gente consiga fazer isso o quanto antes!