*Por Edson Índio
O governo Bolsonaro editou a Medida Provisória 873 que impede
qualquer forma de custeio da atividade sindical no país. Trata-se de flagrante
agressão a Constituição de 1988, que em seu artigo 8º, IV, é categórica: “a
assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria
profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo
da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição
prevista em lei”.
Se no mérito a MP afronta a Constituição, na forma é ainda mais
inconstitucional, pois não há urgência ou qualquer outro requisito que
justifique a edição de uma medida provisória para tratar de tal matéria. Diante
disso, é preciso derrubar imediatamente a vigência dessa medida que tenta
acabar com a liberdade e a autonomia sindical, ferindo de morte a já combalida
democracia brasileira.
Ainda que o condomínio que facilitou a chegada da extrema direita
à presidência da república já tenha aplicado sucessivos golpes nas garantias
constitucionais, a MP de Bolsonaro surpreendeu a muitos. Nem a ditadura civil
militar de 1964 que interviu nos sindicatos, assassinou lideranças e amordaçou
as entidades ousou impedir totalmente o funcionamento da atividade sindical no
país.
O que explica tamanha ousadia do governo neste momento em que sua
principal preocupação é desmontar a previdência?
Para muitos, a MP só confirma o ódio à organização dos
trabalhadores e a obsessão de Bolsonaro em acabar com o ativismo no Brasil.
Levanto três hipóteses para entender a audácia inconstitucional do governo ao
editar essa MP neste momento.
A primeira seria a tentativa de tirar o movimento sindical da
pauta de defesa da aposentadoria e da previdência pública e nos obrigar a
“defender dinheiro para o sindicato”, como cinicamente a direita fez durante a
tramitação da reforma trabalhista, quando dizia que éramos contrários à deforma
de Temer por defender o imposto sindical.
Seria uma medida calculada do governo, diante das dificuldades que
encontra para aprovar a PEC do fim da aposentadoria, para colocar os sindicatos
na defensiva e jogar a população contra o movimento?
Suponho que a turma do capitão não suporta que os sindicatos
dialoguem com milhões de pessoas que acabaram de votar em Bolsonaro, mas não
aceitam perder o direito à aposentadoria depois de anos de trabalho e
contribuição. E esse diálogo já está se dando, com bastante sucesso pro combate
ao desmonte da seguridade social.
Por isso, não podemos perder o foco do diálogo com a população
trabalhadora, com os pequenos e médios empresários, com as prefeituras e todos
os setores que dependem da previdência e da seguridade social para sustentar a
economia local.
Tampouco podemos, mais uma vez, nos deixar pautar pela extrema
direita. Parte da vitória de Bolsonaro se deve ao fato de que montaram um
esquema internacional para pautar o debate e a eleição, no Brasil e diversos
outros países, e a maioria dos setores populares se concentrou na pauta dos
costumes da extrema direita, quando nossa pauta deveria ter sido a
economia e os direitos sociais e trabalhistas na eleição geral de 2018.
Ao contrário, devemos redobrar o diálogo com toda a sociedade,
denunciando que a PEC impacta não apenas as condições de vida da população, mas
a própria economia brasileira, causando permanente instabilidade, já que retira
a previdência social da Constituição para, constantemente, mudar as regras e
impedir o acesso à aposentadoria e à proteção social.
A desconstitucionalização da previdência é a medida mais grave e
nociva da PEC de Bolsonaro, pois possibilita ao governo até amenizar agora na
mudança das regras para aprovar a PEC e, na sequência, propor um texto ainda
mais restritivo por meio de lei complementar.
Devemos, também, explicar pacientemente o significado do regime de
capitalização que entrega a previdência pública para os abutres do capital
financeiro turbinarem o rentismo, a especulação e a financeirização da
economia.
Outra hipótese, que não é contraditória com a primeira, seria um
mecanismo de chantagear o movimento sindical, ao fechar todas as fontes de custeio
sindical existentes para implodir a capacidade financeira e atingir a
resistência, forçar o movimento a diminuir o combate à deforma e até fazer com
que alguns aceitem o regime de capitalização proposto por Paulo Guedes,
incluindo na nova regra alguma participação dos sindicatos na gestão de fundos
previdenciários.
A sugestão de que há setores do governo interessados em arrastar
parcela do movimento sindical para essa aventura rentista foi publicada pela
jornalista Maria Cristina Fernandes, do jornal Valor. Como a maioria do
sindicalismo brasileiro teria muita resistência ao modelo canadense, a MP 873
poderia funcionar como forte instrumento de pressão, uma verdadeira chantagem
para fazer os sindicatos assumirem o regime de capitalização a fim de garantir
alguma fonte de custeio sindical.
A terceira hipótese, que também não seria contraditória com as
duas primeiras, seria a disposição do governo por um novo AI-5, cassando na
prática o direito de organização da classe trabalhadora e fechando de vez o
regime. Essa hipótese reforçaria a necessidade imediata de conformação de uma
ampla frente de resistência democrática, incorporando inclusive setores
liberais que não abandonaram o compromisso com a democracia e as garantias
constitucionais.
Em qualquer das hipóteses, a derrota do governo e do rentismo
passa pela unidade das organizações populares e democráticas, na defesa
intransigente do direito constitucional a previdência pública, solidária e por
repartição, em diálogo com a população e os pequenos e médios produtores. Se a
eleição dividiu o povo, o direito a aposentadoria pode unir a população e
barrar o fim da principal política de distribuição de renda, de ativação da
economia local, fundamental para impedir que o destino de milhões de pessoas
seja a indigência, na velhice, na doença, no acidente de trabalho, na deficiência
ou na desassistência social.
*Edson Carneiro Índio, é Secretário Geral da Intersindical