Senador da Republica pelo Amazonas na década de 70, Evandro das Neves
Carreira conseguiu colocar no cenário politico nacional e Internacional, a necessidade
da preservação da floresta Amazônica, para ele, “É estúpida temeridade, crassa incompetência e crime de lesa-humanidade,
pretender-se implantar na Amazónia projetos económicos que impliquem na
derrubada da floresta nativa, a destruir ecossistemas que guardam segredos
biológicos ainda não desvendados e fabricam complexas cadeias de
hidrocarbonetos, de substâncias orgânicas capazes de saciar a fome do mundo.”
Considero Evandro Carreira,
um dos maiores Ecossocialistas contemporâneo, suas obras como o “Recado
Amazônico”, trazem profundas reflexões sobre a importância desse imenso e ao
mesmo tempo, frágil ecossistema amazônico para a humanidade, dai a necessidade
de não medirmos esforços para evitar que grupos econômicos poderosos
financeiramente, nacionais e transnacionais, que, a pretexto de impulsionar o
desenvolvimento do país, venham dilapidar a floresta Amazônica, com grandes
projetos hidrelétricos, mineradores e agropecuários, cujo a consequência, será o comprometimento do futuro da humanidade na terra!
Prefaciado pelo Dr. Ghillean
T. Prance, levo ao conhecimento dos nossos leitores, o livro “AMAZÓNIA — USINA
DE ALIMENTOS PARA O TERCEIRO MILÉNIO” de Evandro Carreira, onde ele faz uma
ligeira abordagem das verdadeiras vocações da Amazônia, boa leitura!
Elson de Melo –
Sindicalista
AMAZÓNIA — USINA DE
ALIMENTOS PARA O TERCEIRO MILÉNIO
REFÁCIO
Pelo
Doutor Ghillean T. Prance — Ph.D., FLS Vice-Presidente da Divisão de Ciências e
Diretor do Instituto de Economia Botânica do Jardim Botânico de Nova Iorque —-
EEUU
Pouquíssimos
visionários têm percebido o real valor da floresta tropical da Amazônia e
sugerido que as florestas devem se constituir em si mesmas como unidades
produtivas, ao invés de serem devastadas e substituídas por pequenos núcleos de
produção agrícola. Um desses iluminados profetas em relação ao futuro da
Amazónia é Evandro Carreira. É natural que as observações que ele coloca neste
trabalho partam de alguém nascido e criado na Região Amazônica, com toda uma
vida de experiência na região e que ame suas vastas florestas e grandes rios.
O futuro
da Região Amazônica deve combinar conservação e utilização. Os
desenvolvimentistas devem se aliar aos preservacionistas e estabelecer uma
maneira racional de uso da Região Amazônica. A Amazónia não pode se constituir
em um campo de lazer para os naturalistas dos países do hemisfério norte,
destinado a conduzir suas pesquisas esotéricas e nem pode se transformar em uma
massa erodida e devastada de capoeira ou pasto bovino abandonado, nem muito
menos ser região de proliferação de fazendas. O valor desse documento de
Evandro Carreira é que ele procura combinar a preservação do ecossistema da
floresta com maneiras de tornar a região produtiva. O futuro certamente repousa
muito mais na floresta do que na agricultura.
Num só
hectare de floresta tropical, nas proximidades de Manaus, há 350 árvores de
15cm de diâmetro ou mais e 179 bioespécies. Isso significa uma enorme
diversidade biológica para muitos usos e grande produtividade biológica em
termos de biomassa e energia. Se essa área fosse transformada em pastagem para
gado, não seria suficiente para o sustento de um só animal, que exige mais de
um hectare para viver na Amazónia, Poderia isso se constituir em um uso
racional de terra aproveitável? Penso que não!
Outro
hectare da floresta Amazônica no território índio de Chacabo, na Bolívia, foi
estudado pelo cientista Brian M. Boom. Ele descobriu que os índios usavam 82
por cento das espécies vegetais daquele hectare ou 95 por cento de cada árvore.
Evandro Carreira está correto quando afirma que a tecnologia indígena é uma das
indicações que deveríamos seguir para uma utilização mais racional da floresta
tropical da Amazônia.
Espero que
o convincente apelo em fa¬vor da floresta tropical Amazônica que se segue, seja
amplamente lido e ouvido. Se outros passos forem dados no sentido da
erradicação da floresta, levarão ao desastre. No entanto, sem a eliminação da
floresta, a Amazónia pode ser uma região altamente produtiva, capaz de dar
sustento a sua população e ingressar de maneira positiva na economia do País.
Como é dito a seguir, presentemente pouco se sabe a respeito da região. Vamos
dar tempo para se proceder as pesquisas que nos dirão como melhor usar a
região. A descoberta da maneira mais prudente de seu uso, não nos trará nenhum
benefício depois que a floresta for devastada e o clima mudado. Façamos com que
essa pesquisa seja feita pela combinação de esforços daqueles que se preocupam
com o aspecto económico da região e daqueles que se preocupam com a preservação
de sua diversidade biótica. Continue no bom trabalho, Evandro Carreira.
AMAZÓNIA —
USINA DE ALIMENTOS PARA O TERCEIRO MILÉNIO
Evandro Carreira¨
A moeda
internacional do Terceiro Milênio será proteína e não dólar ou petróleo.
O país que
possuir alimentos com abundância para agredir no mercado internacional e suprir
a humanidade cada dia mais numerosa e carente, deterá a hegemonia do mundo.
A Amazónia
é uma gigantesca e opulenta usina proteica natural, construída pela Consciência
Cósmica durante milhões de anos, e desde que compreendida, potencializada ou
estimulada em larga escala de produção, nos seus princípios originais de acordo
com os ditames da natureza, será capaz de alimentar a humanidade até a
consumação dos séculos.
Este
axioma deverá constituir alento às perspectivas do planeta, além de fato
altamente promissor para os interesses da economia nacional.
Por outro
lado, é estúpida temeridade, crassa incompetência e crime de lesa-humanidade,
pretender-se implantar na Amazónia projetos económicos que impliquem na
derrubada da floresta nativa, a destruir ecossistemas que guardam segredos
biológicos ainda não desvendados e fabricam complexas cadeias de
hidrocarbonetos, de substâncias orgânicas capazes de saciar a fome do mundo.
Dilapidar
a floresta amazônica é ato pecaminoso e suicida desta civilização antropofágica
imediatista, estimulada pela megatecnologia consumista, concentradora da poder
e riqueza em mãos de poucos, em detrimento da maioria esmagadora dos habitantes
da terra, sufocados, famintos e desesperançados.
HIDROESFINGE
A
Amazónia, de fato, ainda se reveste de mistério — enigma que se pode denominar
de hidroesfinge — tal a magnitude de sua complexa tessitura biológica,, de
cujos labirintos e escaninhos emergem fenómenos sui generis, que concluem por
uma biogeocenose ainda não delineada pela ciência.
Três
quartos das espécies vegetais e animais que compõem o universo amazônico ainda
não foram inventariados nem classificados. Suas ecônomas são totalmente
ignoradas e — o mais aterrador — há um desconhecimento absoluto sobre o
evidente inter-relacionamento dos seres vivos na mesologia amazônica. Não se
conhece nada, absolutamente nada, da zoofitossociologia hiléica, o que, trocado
em miúdos, quer dizer: ninguém sabe quem é quem, quem depende de quem, quem ama
ou odeia quem no contexto da natureza amazônica. São miríades de seres
diferentes, fervilhando em cada um dos milhares de ecossistemas, completamente
desconhecidos do homem civilizado, este que se arvora em dono absoluto da
Amazónia e se acha com direitos de modificá-la, sem ouvir a ciência, mas os
interesses de um capitalismo canibalesco, inconsequente e egocêntrico, que já
devastou e destruiu quase todas as grandes florestas do planeta, como soíam ser
a europeia; a norte-africana; a norte-americana; as do sudeste asiático; a
atlântica brasileira, hoje deserto nordestino, depois do extermínio do
pau-brasil e do jacarandá; a floresta araucária do Sudeste brasileiro; e,
presentemente, a floresta amazônica, submetida a acelerado e brutal processo de
devastação, patrocinado pelo Governo Federal e executado por empresas nacionais
e multinacionais. O desmatamento já atingiu cerca de dez por cento da área
global da Hiléia, sendo pontos mais críticos o sul, leste e nordeste do Pará,
norte de Goiás e Mato Grosso, leste de Kon-dônia e zonas intermitentes do Acre.
Verifica-se,
ainda na Amazónia, o criminoso aniquilamento das matas de terra firme do norte
de Almeirim (PA) e oeste do Amapá, pelo famigerado Projeto Jari, do
multimilionário norte americano Daniel Keith Ludwig.
A biota
amazônica está profundamente ligada ao processo de fotossíntese, de mutualismos
e de simbioses como o fenómeno micorrizo — bactérias, liquens, amebas, fungos,
algas, extrametabólitos (ecônomas) etc., que atuam isolados ou em colónias nas
raízes das plantas, assim como na fisiologia dos solos, numa perfeita e
constante interação, analisando e sintetizando elementos para a manutenção da
soberba e inigualável sinfonia biológica que é a usina fotossintética
amazônica.
A árvore
na Amazónia é apenas uma das peças fundamentais da usina, de par com a
floresta. Pode-se enumerar uma série de outros componentes, relacionados entre
si, a saber: rio, calor, chuva, umidade. ventos, evapotranspiração etc. Há
milhares de outras peças igualmente importantes na funcionalidade da usina,
como a fauna silvestre, incluindo aves e insetos, as culturas indígenas com
suas práticas naturalistas ultramilenares, em perfeita harmonia com o ambiente,
afora os microrganismos já mencionados.
O sol,
central cosmofísica de raios e energias, muitos deles ainda desconhecidos da
ciência contemporânea, cumpre o papel mais importante e vital como fonte
energética alimentadora da grande usina fotossintética e a função essencial de
regulador de fluxos — equilíbrio homeostático — para a perfeita harmonia e
estabilidade do ambiente em que opera a usina.
VISÃO
ECONÓMICA
Pelo que
já ficou implícito, urge que se interprete a Hiléia Amazônica dentro de uma
ótica futurista, levando em conta sua importância como elo da cadeia biológica
do planeta, fator de equilíbrio homeostático e, sobretudo, o seu magno papel
económico como usina de alimentos para suprir o mundo.
Convém
enfatizar que a árvore na Amazônia tem valor singular e absoluto, como um dos
principais componentes da usina, repudiando todo e qualquer valor econômico
imediatista que se lhe queira atribuir e exigindo a compreensão do seu
macrovalor ecológico.
O
verdadeiro desenvolvimento da Amazônia jamais será alcançado enquanto os
militares, os políticos, os planejadores, os empresários, os trabalhadores e
toda a nação brasileira não atentarem, com absoluta consciência e prioridade,
para os valores naturais da biota como parâmetros básicos dos investimentos
económicos, inserinao-os na própria estrutura cultural e histórica da nacionalidade.
Todo
conceito desenvolvimentista ou projeto económico para a Amazónia que não venha
a se ajustar às imposições ecológicas, ou que não se fundamente cientificamente
no desvendar do equilíbrio homeostático da Hiléia, será alheio à realidade e
devastador da natureza. Desgraçadamente, esse desvendar ainda não aconteceu,
malgrado os bilhões e bilhões de cruzeiros aplicados em falsos projetos de
"desenvolvimento" da Amazónia.
Efetivamente,
dentro deste enfoque biológico, ecológico e económico da Amazónia como usina
natural de alimentos, a economia deve ser, necessariamente, um capítulo da
ecologia.
O
autêntico e imediato destino económico da biota amazônica está na sua
inequívoca vocação hidrográfica, valendo todos os corolários dela decorrentes.
As próprias vocações mineralógica, zoosilvestre e hidrelétrica dependeriam de
assentamentos conforme o equilíbrio hidroecológico dos ecossistemas.
Nós.
amazônidas, precisamos romper o casulo copista, precisamos denunciar todo o
comportamento macaqueador que o espírito colonialista nos impingiu nestes quase
cinco séculos de escravidão, de devastação e de extermínio do índio, único
intérprete legítimo da soberba sinfonia amazônica.
Os mais
legítimos corolários da grande vocação hidrográfica da Amazónia estão naquilo
que ela pode prodigalizar espontaneamente, sem ser necessário agredi-la em sua
integridade original, mas apenas estimular ou potencializar seus imensos
recursos naturais, mediante uso adequado e preciso de uma tecnologia avançada,
conforme se expõe a seguir.
VOCAÇÃO
HIDROVIÁRIA
A Amazónia
não é um continente litosférico, porém um enorme arquipélago — uma polinésia
fluvial — que dita, obviamente, uma política de transporte exclusivamente
hidroviária, admitindo, para ligar talvegues e pontos estratégicos, com
transporte rápido, um aeroviarismo e um ferroviarismo adequados às
circunstâncias ecológicas; jamais, em hipótese alguma, o rodoviarismo nefando.
Abrir
estradas na Amazónia é crime contra a natureza e contra a humanidade, porquanto
destrói a hidroesfinge ainda indecifrada, solapando as bases da usina
fotossintética e aniquila as culturas indígenas — únicas capazes de fornecer o
fio de Ariadne que nos orientaria pelo labirinto amazônico. Facilita ainda, o
que é muito grave, a invasão da megausina pelas patas do homem e do boi — dois
vândalos a quebrar e a incendiar o mais soberbo milagre biológico do Planeta
Terra, que é a biogeocenose amazônica.
A Amazónia,
como usina de alimentos para suprir o mundo, não precisa ser ocupada pelas
patas do homem, mas por cérebros capazes de estudar e compreender o seu
funcionamento, pondo-a a serviço de toda a humanidade.
A análise
das vantagens comparativas na política de transporte, em qualquer parte do
mundo, sempre deu prioridade absoluta à hidrovia.
Na
Amazónia, onde milhares de rios e paranás remontam a fabulosa extensão
aproximada de 100 mil quilómetros navegáveis, vasculhando a grande planície em
todos os quadrantes, dos quais cerca de 20 mil quilômetros oferecem,
originalmente, acesso a embarcações de calado transoceânico, a Vocação
Hidrográfica é, efetivamente, uma imposição indiscutível, mormente diante de
uma consequência ainda mais absoluta, que é a possibilidade inegável de
ampliação da rede potamográfica navegável, em múltiplas vezes, mediante
dragagem, construção de novos canais comunicantes e de pequenas e médias
barragens com eclusas.
Como
complementos do macrossistema hidroviário transamazônico, dever-se-ão adotar
sistemas perfeitamente adaptados às condições ambientais da biota amazônica,
seja, como já dito, para atender às prioridades de transporte mais veloz a
grandes distâncias, ou como meio de ligação entre talvegues adjacentes e
centros de interesse geopolítieo, económico e militar.
Â
implantação de infra-estruturas aeroviárias, dando ênfase ao balão dirigível de
alta tonelagem, será a solução mais coerente e viável, que não causará danos
aos ecossistemas, e substituirá o atual rodoviarismo transamazônico devastador
e fracassado, estabelecido mercê de uma política governamental caolha,
irrealista, imediatista e comprometida, executada por homens completamente
divorciados da realidade amazônica.
A
exeqüibilidade da utilização de dirigíveis de alta tonelagem está agora
confirmada por experiências levadas a efeito pelo Centro Tecnológico
Aeroespacial de São José dos Campos, onde já foram testados dirigíveis com
capacidade de até 50 toneladas. Essas experiências já mostraram que é possível desenvolver
dirigíveis de até 200 toneladas, e — o que é mais importante — com a utilização
de um gás não inflamável, removendo-se, assim, a principal dificuldade que
impediu a utilização dos dirigíveis no passado, que era a alta inflamabilidade
do gás hidrogénio,
A
interligação da Bacia Amazônica com as do Prata, do São Francisco e do
Parnaíba, em território brasileiro; e com a do Orenoco, através do canal
Cassiquiare, na Amazônia Venezuelana, será o meio mais conveniente e
utilitário, não só de garantir um complexo viário transcontinental de alta
funcionalidade e extrema economicidade, como também de assegurar a perene
preservação dos ecossistemas originais, facilitando o escoamento da
superprodução elaborada na mega-usina.
Quanto às
fontes energéticas para suprir o macrossistema viário transamazônico aludido e
para as outras necessidades infraestruturas da Amazónia como usina de alimentos
para o Terceiro Milénio, há um amplo leque de alternativas, graças à abundância
de recursos naturais existentes na Hiléia, sendo principais os seguintes:
HIDROGÉNIO
COMBUSTÍVEL — cientistas afirmam que a água e a luz serão
empregadas como matérias-primas para obtenção do combustível que substituirá a
gasolina. O hidrogénio, muito abundante na natureza, submetido a elevadas
pressões e baixas temperaturas, pode ser levado ao estado líquido, quando se
torna um excelente combustível, com poder explosivo quase três vezes maior que
o da gasolina. Atualmente, já é usado como combustível de foguetes espaciais. O
químico Melvin Calvin, da Universidade da Califórnia, desenvolveu estudos que
praticamente asseguram a produção industrial do hidrogénio; e este, quando
queima, volta a combinar-se com o oxigênio e o produto é novamente a água.
Elimina-se, pois, o problema da contaminação atmosférica e se obtém um bom
rendimento energético.
Melvin
Calvin estudou o processo de decomposição da água pelas plantas e verificou que
as plantas decompõem as moléculas da água em seus elementos constitutivos,
utilizando a ação da luz solar e com a presença de catalisadores químicos no
cloroplasto, corpúsculo portador de clorofila existente no interior das células
verdes. Dificuldades científicas foram superadas e agora as pesquisas pretendem
a construção de sistemas em grande escala para colher facilmente quantidades
industriais desses gases.
Pesquisadores
italianos da Montedison descobriram um processo pelo qual o hidrogênio poderá
brevemente substituir o petróleo, como combustível do ano 2000, renovável e não
poluente. O dióxido de titânio e os complexos de rutênio estão em estudos
visando à fotoeletrólise da água.
ENERGIA
SOLAR — avançadas tecno-logias de captação da
energia solar já possibilitam o seu uso racional como fonte de energia para os
mais variados fins. Recentemente o mundo assistiu ao espetáculo de um avião
movido a energia solar, o Solar Challenger, que atravessou o Canal da Man¬cha
utilizando apenas a energia captada do sol. O sol é um imenso reator à fusão e
as suas radiações sobre a Terra são as responsáveis pela formação, como causa
primeira, de todas as formas de energia de que dispõe a natureza, incluindo-se
a formação dos ventos, do calor, dos rios, da atividade biológica dos seres
vivos e pela própria formação do carvão e do petróleo.
Agora,
cientistas japoneses acabam de descobrir um meio de armazenar a energia
proveniente do sol. O Professor Zemch Yoshida, da Universidade de Kyoto,
desenvolveu uma substância sintética, capaz de absorver energia solar em
altíssimo teor, sem se tornar aquecida. Essa maravilhosa substância pode ser
produzida em grandes quantidades, a custos módicos e usada repetidas vezes. Pode
ser produzida em diferentes formas e tamanhos, sólida ou liquida, facilmente
transportável, sem perigo no seu armazenamento, ao contrário da energia
nuclear.
ÁLCOOL —
pode ser obtido a partir da cana-de-açúcar e da mandioca, que poderão
imediatamente serem cultivadas em larga escala, nas várzeas altas e baixas ao
longo da calha amazônica.
COMBUSTÍVEIS
VEGETAIS — podem ser obtidos a partir de essências
silvestres, como a copaíba, a andiroba e várias sementes oleaginosas amazônicas
e do cultivo racional da mamona, do dendê etc., também nas várzeas, cujos
projetos haverão de ser necessariamente subordinados aos ditames da ecologia.
COMBUSTÍVEIS
FÓSSEIS — podem ser obtidos a partir do gás natural,
do carvão de pedra e do petróleo, cuja existência na bacia sedimentar amazônica
(a maior do planeta) é fato comprovado, faltando apenas aprofundar as
explorações e ativar a produção, especialmente das províncias de linhito do
alto Solimões e de gás do rio Juruá.
ENERGIA
HIDRELÉTRICA — pode ser gerada a partir do aproveitamento
dos pequenos e médios potenciais hídricos localizados em todos os quadrantes da
região. Também se pode obter energia pela utilização das chamadas "pontas
dágua" e a partir da diferença térmica das águas dos rios, existente nos
chamados "encontro das águas". Estudos do Conselho de Segurança
Nacional calculam que só no encontro das águas do rio Amazonas com o rio Negro
se poderiam obter cerca de vinte milhões de quilowatts.
VOCAÇÃO
RIBEIRINHA
Os rios e
suas margens, a exemplo dos mares, sempre foram e hão de ser os maiores pólos
imagéticos a atrair o homem obediente à lição primeva e genesiaca de que o
"espírito de Deus pairava sobre as águas". E foi exatamente da água
do primeiro pântano que o homem evoluiu, de simples aminoácido ao metazoário
sublime, à estatura atual do homo sapiens, ou homo loquens.
Bastaria
um ligeiro escorço histórico para constatarmos a relação íntima entre os rios e
as grandes civilizações do nosso planeta. As margens do Nilo, na África
Setentrional, foram o berço da portentosa civilização egípcia; o Eufrates e o
Tigre, no Oriente Médio, circunscreveram a Mesopotâmia, berço da civilização
Sumeriana, razão de ser da Caldéia e da Assíria, como também da própria
Hebréia, que atingira seu ápice às margens do Jordão; o Indos e o Ganges, o
Hoang-Ho e Yang-Tse-Kyang e o Me-Kong, na Ásia; o Danúbio, o Reno, o Volga, o
Rhódano, o Tejo na Europa, sem esquecermos o Mississipi-Missouri, na América do
Norte; foram todos berços de grandes civilizações.
Somente o
Amazonas — triste ironia — o maior de todos, ainda aguarda o seu momento
histórico e místico para exibir a mais opulenta de todas as civilizações, que
só acontecerá quando seus filhos sacudirem o jugo estúpido da macaqueação
neocolonialista — da imitação de civilizações exóticas, cujos paradigmas
agridem, depredam e saqueiam os fundamentos básicos, as plataformas da legítima
civilização Amazônica, que é sobretudo aquática — impregnada de água.
Mesmo
dominado pelo unilateralismo cultural e etnocentrista, em detrimento das
culturas aborígenes, o descobridor europeu implantou uma colonização linear, ao
longo dos rios da Amazónia, cujos baluartes constituíram as cidades ribeirinhas
de hoje, entre as quais sobressaem Belém, Manaus, Rio Branco, Porto Velho,
Santarém, Parintins, Tefé, Itacoatiara, Eirunepê, Cruzeiro do Sul, Óbidos,
Manacapuru, Maués, Benjamin Constant e Marco-Tabatinga.
Os centros
urbanos que proliferam na Amazónia constituem-se em verdadeiros
"bolsões" de anticultura dentro do grande contexto da original
cultura hiléica.
A nova
perspectiva da Amazónia, como usina de alimentos para o Terceiro Milénio,
preconiza uma civilização embasada nos parâmetros naturais. E os amazônidas
deverão conscientizar-se desta destinação histórica.
VOCAÇÃO
VARZEANA
É possível
a produção de cereais e outras culturas de curto ciclo nas zonas ribeirinhas de
inundação periódica do Amazonas/Solimões e seus principais afluentes, cujas
várzeas colmatadas remontam mais de 30 milhões de hectares (cerca de 300 mil
km2), do delta do Marajó aos confins fronteiriços com o Peru e a Colômbia. O
aproveitamento pleno e potencializado das várzeas transformará a Amazónia no
autêntico "celeiro do mundo" (como vaticinou Humboldt), no setor da
produção agrícola, mediante a utilização racional de tecnologias ajustadas ao
meio ambiente.
Além da
produção agrícola alimentícia, a várzea amazônica poderá ser uma imensa base
produtora de combustíveis energéticos, a partir da mandioca e da cana-de-açúcar
para produção de álcool, assim como através do cultivo de certas plantas
oleaginosas com a mesma finalidade.
VOCAÇÃO
ICTIOLÓGICA
Peixes,
mamíferos aquáticos, anfíbios, quelônios etc. podem ser cultivados no imenso
caudal amazônico. Os milhares de rios, paranás, lagos, igarapés e igapós, que
fazem da Amazónia a maior bacia de água doce do planeta, podem ser aproveitados
para implantação de uma gigantesca cadeia de "fazendas aquáticas" em
que a piscicultura e a aquacultura em larga escala, pela grandeza dos
mananciais amazônicos, produzirão proteínas e energia para alimentar toda a Humanidade.
VOCAÇÃO
HIDRELÉTRICA
Utilizando-se
somente os pequenos e médios potenciais para instalação de usinas, com vistas
ao abastecimento da macrousina proteica, assim como das grandes cidades, bem
como todas as correntezas ou "pontas dágua" para implantação de
milhares de microusinas flutuantes nos rios, para atender às cidades menores e
aos povoados interioranos, ter-se-á resolvido o problema energético de força e
luz na Amazónia, de forma absolutamente adequada às circunstâncias mesológicas,
sem provocar grandes e devastadoras inundações, dentro da premissa de que a
natureza amazônica não deve ser agredida.
VOCAÇÃO
MINERALÓGICA
Deve ser
desenvolvida a exploração intensiva, mas cuidadosa e racional das províncias
mineralógicas, assim como dos mananciais petrolíferos e de outros
hidrocarbonetos, mediante um plano piloto que obedeça aos ditames naturais do
ambiente. A produção amazônica de minérios deverá ser voltada principalmente
para a indústria nacional. Siderúrgicas e complexos manufatureiros serão montados
nos principais centros urbanos amazônicos para absorver toda a matéria-prima
regional e fornecer produtos acabados para o mundo.
VOCAÇÃO
FITO-FARMACOLÓGICA
A
utilização de essências silvestres, mediante estudos e exploração desenvolvidos
a partir dos conhecimentos e das experiências dos índios amazônicos, cujas
culturas ultramilenares detêm informações medicinais sui generis,
muito contribuirá para o bem-estar de toda a Humanidade. As universidades
amazônicas e os centros de pesquisa científica de todo o planeta voltar-se-ão
para esta realidade, em programas integrados com os interesses mais legítimos
das nações indígenas da Amazónia.
VOCAÇÃO
GUMÍFERA E FITO-PROTÉICA
A
exploração racional dos imensos seringais nativos e outras espécies da família
euforbiácea deve ser realizada, seja como fonte alimentícia mediante
desdobramento bioquímico do látex em proteínas para nutrição humana, de acordo
com os mais avançados estudos científicos, seja como matéria-prirna para as
indústrias manufatureiras de borracha.
VOCAÇÃO
POMICULTURA SILVESTRE
Frutas,
amêndoas e polpas são abundantes na floresta tropical densa, cujas zonas de
maiores concentrações poderão sofrer manejos florestais com vistas à
potencialização e cultivo sem grandes alterações no meio natural.
VOCAÇÃO
ZOOSILVESTRE
Animais de
grande, médio e pequeno portes, incluindo pássaros selvagens, constituirão
grandes fontes de proteínas, mediante um plano científico de domesticação e
tratamento genético visando a potencializar e melhorar os portes físicos das
espécies e implantar extensos projetos de zoocultura.
VOCAÇÃO
MADEIREIRA
Deve ser
desenvolvido o aproveitamento racional, mediante um cuidadoso plano
extrativista, das chamadas madeiras nobres de terra firme e madeiras brancas de
várzea, as primeiras para carpintaria e marcenaria e as últimas para laminados
e compensados. O cedro, o mogno, o acapu, a macaúba, a jacareúba, a
maçaramduba, o louro, a ucuúba, a sumaúma, o capinuri etc., serão extraídos
seletivamente, tendo em vista o ciclo vital das árvores e aplicando-se
tecnologias e sistemas adequados de corte e remoção das toras, sem ofender a
integridade natural da floresta. Não serão permitidos grandes complexos
industriais madeireiros, mas sim pequenas e médias serrarias e laminadoras,
assim como indústrias de aproveitamento de resíduos (fábricas de aglomerados),
carpintarias e marcenarias sofisticadas e movelarias, absolutamente restritos à
produção extrativista seletiva circunstancial. Não será permitida, em hipótese
alguma, a exportação de madeiras em toras.
São estas
as mais legítimas vocações económicas da Amazónia, cuja exploração,
incontestavelmente, pode resultar em vantagens imediatas para o capitalismo não
selvagem e consequente, com possibilidades de lucros talvez maiores e mais
seguros para os investidores. Isto posto, deverá, incontinenti, ser
providenciado um inventário científico intensivo e adequado, que resultará no
aprimoramento de métodos e no conhecimento profundo da Biota Amazônica.
Por outro
lado, impõe-se prioritariamente a transformação do Distrito Industrial da Zona
Franca de Manaus em centro transformador e manufatureiro das matérias-primas
regionais, em vez de permanecer beneficiando e favorecendo produtos e
indústrias estrangeiras de "aparafusamento", num flagrante desprezo
às verdadeiras vocações e aos interesses mais autênticos da Amazónia.
VISÃO
POLÍTICA
O
entendimento da Amazónia, não só como usina natural de alimentos, mas também
como termostato do hemisfério (a floresta como fator de estabilidade térmica e
climática), impõe-se como uma mística ecológica a nortear um possível projeto
global de aproveitamento adequado e racional desta região. Urge a interpretação
do universo amazônico dentro de uma projeção futurista, considerando o
crescimento da população hominídea que não pode ser detido através de processos
artificiais, sob pena de agredir o equilíbrio fisiológico de um dos gametas e
desestabilizar o tropel da humanidade para desembarcar em outras galáxias.
Pode-se
entender que, a longo prazo, o mais legítimo e conveniente processo económico
da Amazónia não encontrará solução dentro das filosofias do capitalismo
canibalesco, nem tampouco dentro do comunismo totalitário, que são dois
sistemas sócio-econômicos dilapidadores do planeta Terra — predadores e
destruidores da natureza e concentradores de riqueza e poder, contra os anseios
e interesses mais legítimos da humanidade.
Os
conceitos fundamentais do equilíbrio ecológico e do respeito aos princípios
biológicos do nosso planeta não estão inseridos prioritariamente nas doutrinas
políticas do comunismo nem do capitalismo, implicando isto na constante e
intensiva determinação da qualidade de vida do homem e de seu ambiente de
sobrevivência.
A Amazónia
está a exigir uma outra compreensão da harmonia política, um novo sistema ou um
novo regime social, que não seja nem capitalista "explorador do homem pelo
homem" e concentrador de poder e riqueza, nem comunista totalitário e
materialista ateu (insensível à Consciência Cósmica), negador da liberdade mais
fundamental do homem, que é a persona — o direito à individualidade e à opção
do destino político, económico, cultural, religioso, enfim, de decidir por si
próprio se vive ou se morre.
A Amazónia carece de um sistema sócio-político
solidarista, comunitário-cooperativista, harmónico, em que os seres se amem,
sobretudo como se amam os animais, os pássaros e os insetos, os índios (os que
ainda não foram contactados pelo branco), e todos os integrantes da natureza,
exceto a chamada civilização.
Os índios
amam a natureza e com ela convivem em intimidade profunda, sob os fluxos
metafísicos do Grande Demiurgo.
Enquanto
não formularmos um sistema que tenha por frontispício a seguinte legenda:
"O homem é parte intrínseca da natureza"; e enquanto continuarmos a
obedecer o sistema em que a natureza é que deve servir ao homem, em seus
caprichos egocêntricos e hedonísticos, sem atentarmos concretamente à obrigação
de não depredá-la, não engajaremos a Amazónia no seu verdadeiro destino.
Poderemos
aproveitá-la, imediatamente, para abastecer o mundo, entendendo-a como a
entende o índio, que com ela convive em harmonia desde tempos imemoriais. As
culturas indígenas, hoje, desgraçadamente em acelerado processo de extinção,
esmagadas barbaramente pelo branco ou civilizado, entenderam a Amazónia ao
sabor dos milénios, e podem nos ensinar os princípios básicos de como
aproveitá-la racionalmente e sustentavelmente, claro que de forma mais
potencializada, aplicando-se, da civilização, o desenvolvimento científico e
tecnológico aproveitável, e da indígena, os conhecimentos naturistas e o
desenvolvimento espiritual.
, .
Indubitavelmente,
nesse ecletismo humanista estão os fundamentos da sociedade do futuro, para
interpretação da Amazónia como usina proteica do Terceiro Milénio, e teremos
projetadas as suas verdadeiras vocações.
CICLÓPICO
DIVÃ PSICANALÍTICO
É
impossível desarmar ou desativar toda a incomensurável e intrincada máquina,
que o homem, mercê de uma lei biológica insopitável — a lei de sobrevivência do
indivíduo —, urdiu ao sabor dos milénios de seu desenvolvimento
anátomo-psíquico.
Foi a
gana, a ânsia de sobrepujar todos os obstáculos, para garantir a sobrevivência
da espécie humana no Planeta Terra que o levou ao paroxismo, ao impasse em que
nos encontramos.
Aperfeiçoamos
e sofisticamos de tal sorte os nossos primeiros utensílios, que hoje — suprema
ironia —, eles se armam e se eriçam, ameaçando a destruição da mais soberba e
sublime das criaturas, arrumada pela consciência cósmica — O HO¬MEM.
Necessitamos
urgentemente encontrar soluções para dois angustiantes problemas, gerados pelo"STRUGGLE
FOR LIFE": o cataclismo atómico e a destruição da natureza.
Para a
solução do primeiro problema há dois encaminhamentos; um já funcionando — o
medo do extermínio recíproco —, o outro em eterna fase de discussão — o acordo
de desarmamento nuclear.
No
entanto, para a solução do problema de destruição da natureza, não há nada que
tenha funcionado, ou com possibilidades de vir a funcionar, enquanto prosseguir
a corrida desabalada, inconsequente e irracional do homem e das nações, ao
encontro de um falso mito, de uma quimera: o tão decantado e endeusado —
PROGRESSO.
O
polimento e aperfeiçoamento do instrumental primevo: a pedra de sílex, o fogo,
a roda, a agricultura, a pecuária, a linguagem, o número, a imprensa, a máquina
a vapor, a eletricidade, o avião, o rádio, a energia atómica, o transistor;
tudo bem, e muito mais deve ser aperfeiçoado e desvendado, para garantir a
segurança e perenidade da espécie humana, e se possível desembarcá-la, não
apenas na Lua, Marte, Plutão, porém levá-la a outros sistemas solares, a outras
galáxias, ao encontro do fim com o princípio do universo, mas sem perder o
sentido, o objetivo da lei biológica insopitável — a sobrevivência da espécie
humana —, não permitindo que nos percamos no nosso próprio enredo, virando o
feitiço contra o feiticeiro.
Somente a
preservação da floresta amazônica, tal como está, última página do génesis na
expressão de Euclides da Cunha, e último vestígio de toda a ancestralidade
biológica do planeta, poderá, através de uma programação turística diferente,
agasalhar periodicamente todos os homens responsáveis pelo destino de todas as
nações em todos os níveis; quando lições de ecologia seriam ministradas,
despertando e imantando a consciência de todos, para o erro terrível que
estamos cometendo, ao alimentarmos o processo de aceleração sem limites, dos
mecanismos capitalistas de afirmação da lei de sobrevivência do indivíduo,
mecanismos que representam o decantado e falso PROGRESSO, gerador da destruição
da natureza e do antropofagismo citadino.
A floresta amazônica deverá ser o ciclópico divã
psicanalítico da espécie humana, onde ela se deitará para repensar e analisar
todos os conflitos de seu destino cósmico.
Brasil
1985.
¨Evandro
Carreira, é Advogado, Amazonologo e foi Senador da República pelo Amazonas na
década de setenta.