Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
Merece registro o desdobramento do episódio
que “aprovou” a transferência da gestão do Hospital das Clínicas (HC) da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) para a Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares (EBSERH), o qual aprofundou ainda mais o fosso criado, nos últimos
dois anos, entre a administração central e aqueles que fazem a Universidade
(docentes, discentes e técnicos administrativos). Se antes apenas o viaduto da
BR separava a reitoria do campus, agora um precipício foi criado.
Após o ato que culminou na fatídica reunião
do Conselho Universitário (Consuni), dia 02/12/2013, quando mais uma vez ficou
demonstrado quão retrógrados são o Estatuto e o Regimento da UFPE, os quais concentram
na mão do reitor um poder quase ditatorial, sem consagrar espaços de
representação substantiva para contestação por parte de discentes e técnicos
administrativos. A composição do Consuni, hoje, está completamente divorciada
da pluralidade que existe na Universidade, onde a democracia participativa é exigência vital para o funcionamento
pleno dessa instituição. Lembremos que o reitor que antecedeu o atual, em suas
propostas de campanha, prometeu a realização de uma estatuinte (para mudança
nos estatutos). E que apesar de eleito e reeleito (oito anos de mandato), nunca
cumpriu sua promessa. O atual reitor encaminhou um processo estatuinte, cuja
palavra final será dada pelo Consumi. Esse mesmo que está ai, e que somente
referenda as decisões do reitor.
Voltando à questão da adesão do HC a EBSERH,
registre-se que não houve discussão na UFPE. Tentativas infrutíferas foram
realizadas para que um debate fosse levado à comunidade universitária e à sociedade,
através da TV Universitária. Mas aí a censura imperou, e essa iniciativa foi
vetada, pois seria, como de fato foi, muito mais fácil aprovar a adesão a
EBSERH manipulando um Consumi subserviente.
A essa ação houve uma reação, e setores da
Universidade protestaram contra o autoritarismo de decisões antidemocráticas do
reitor, que na reunião decisiva do Consuni simulou uma contagem de votos, e deu
por encerrada a reunião. Todos puderam acompanhar esse simulacro, que foi
registrada pelo canal de TV de maior audiência no Estado.
Os estudantes tomaram a frente dos protestos
e ocuparam o gabinete do reitor, pois estava em jogo a luta histórica em defesa
da universidade pública, gratuita, autônoma e democrática. Durante três dias
permaneceram acampados, tendo como reivindicação a revogação dessa reunião imoral
e ilegal do Consumi, com abertura imediata do diálogo.
Na tentativa de criminalização do movimento
reivindicatório, o reitor diminuiu a Universidade, sua capacidade de dialogar,
de administrar conflitos, sua autonomia, seu pensamento crítico, ao recorrer à
justiça contra esse processo político. As forças de repressão foram convocadas
(na desocupação estavam presentes em torno de 15 viaturas do GOE - Grupo de Operações
Especiais da Polícia Civil e do GATI - Grupo de Ações Táticas Itinerante da
Polícia Militar de Pernambuco, além da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária
Federal, e do GTO - Grupo Tático Operacional da segurança institucional da
UFPE). Assim, abusando da força, escancarou as portas da Universidade para
outras intervenções externas. Vergonhosa atitude que ficará tristemente registrada
na história da UFPE.
Mas o que se registrou em imagens
sensacionalistas, produzidas sobre medida para desqualificar aqueles jovens
lutando por ideais, foi à atitude de alguns estudantes, uma minoria (talvez
infiltrada), que acabou fazendo o jogo daqueles que queriam desmoralizar o
movimento. E, então, entrou em cena o aparato de “propaganda política” da
administração, angariando a simpatia de docentes exaltados contra a “armação”
de depredação e vandalismo. Abaixo-assinados foram divulgados, carta aberta da
seção sindical dos docentes (conhecida “chapa branca”), posições de plenos de
departamentos, tudo repercutindo uma ação orquestrada em defesa do patrimônio material
da Universidade. Alienados e manipulados, esqueceram-se do patrimônio imaterial:
a formação cidadã daqueles jovens, agora considerados criminosos por exercerem
o legítimo direito de protestar.
O que se viu na UFPE neste triste final de
2013 foi um algoz transformado de vítima. Ah! Note-se ainda que haviam inúmeras
faixas desfraldadas no campus, as quais ironicamente pediam “Abaixo a
ditadura”. Triste e vergonhoso. Lamentavelmente, muito triste! E muito
vergonhoso para a UFPE.