Durante o terceiro encontro
ecossocialista internacional, que teve lugar em setembro em Bilbao, Eric
Toussaint apresentou dez propostas sobre o empoderamento popular para não
repetir a capitulação que conhecemos na Grécia em 2015.
ESCRITO POR ERIC TOUSSAINT
TERÇA, 06 DE DEZEMBRO, 2016
FOTE: ESQUERDA.NET
Segundo
ponto. Comprometer-se a apelar e valorizar a mobilização popular.
Tanto a nível do país, como a nível europeu. Também isso faltou no ano passado
na Grécia. Evidentemente, os movimentos europeus sociais não estiveram à altura
nas mobilizações que existiram, que tiveram lugar, mas que foram insuficientes
na solidariedade com o povo grego. Mas é também verdade também que dentro do
marco da orientação estratégica do Syriza, não cabia apelar à mobilização
popular a nível europeu, nem sequer apelar à mobilização popular na Grécia. E
quando apelaram à mobilização através do Referendo de 5 de julho do 2015, foi
para LOGO não respeitar a vontade popular de 61,5% dos gregos, que se negaram a
obedecer às exigências dos credores.
Terceiro
ponto. Comprometer-se a organizar uma auditoria da dívida com participação
cidadã.
Eu diria, uma auditoria que tem que ser simultânea à suspensão do pagamento da
dívida. Há situações diferentes nos 28 países que conformam a União Europeia.
Há países europeus onde a suspensão dos pagamentos é uma medida de absoluta
necessidade prioritária, como é o caso da Grécia, como seria o caso de Portugal
e Chipre. No Estado Espanhol teríamos que ver. Em outros países pode começar-se
somente pela auditoria e depois chegar à suspensão dos pagamentos. Estas
medidas devem ser implementadas tendo em conta a situação concreta de cada
país.
Quarta
medida. Impor controlo de movimentos de capitais. E
ter em mente o que isto quer dizer. Isto é, ir na contramão da ideia de que se
vai impedir os cidadãos de transferir umas centenas de euros aos seus sócios
fora do país. Naturalmente, transações financeiras internacionais até um
verdadeiro nível estariam permitidas. Mas seria implementar um controlo sobre
os movimentos de capital, acima de um certo montante de transferências.
Quinta
medida. Socializar o setor financeiro e o setor energético. Para
mim, socializar o setor financeiro não é somente desenvolver um polo público
bancário. É decretar o monopólio público sobre o setor financeiro incluindo
bancos e seguros. Uma socialização do setor financeiro sob o controlo cidadão.
Isto é, transformar o setor financeiro em serviço público. No âmbito da
transição ecológica a socialização do setor energético é certamente também uma
medida de primeira prioridade. Não pode existir uma transição ecológica sem monopólio
público sobre o setor energético, tanto a nível da produção, como da
distribuição.
Proposta
número seis. Criação de uma moeda complementar, não convertível. Quer
seja no caso da saída do euro ou da manutenção na zona euro, é necessária a
criação de uma moeda complementar não convertível. Isto é, uma moeda que sirva
em circuito curto aos intercâmbios dentro do país. Por exemplo, para pagar
aumentos de pensões, aumentos de salários a funcionários públicos, para
pagamentos de impostos, para pagamentos de serviços públicos... Pode
utilizar-se uma moeda complementar que permita aliviar e sair de maneira
parcial da ditadura do euro e do Banco Central Europeu. Claro, também não
podemos evitar o debate da saída da zona euro. Acho que em vários países, a saída
da zona euro é também uma opção que há que defender como partidos e sindicatos
de classe. Vários países da zona euro não podem empreender realmente uma rutura
com a austeridade e empreender uma transição ecossocialista sem sair da zona
euro. Em caso da saída da zona euro, há, a meu ver, que empreender uma reforma
monetária redistributiva. O que quer dizer isto? Quer dizer decretar, por
exemplo, que até 200.000 euros líquidos, o câmbio no caso de voltar à peseta
seria de 1 euro por 100 pesetas. Mas acima de 200.000 (pode ser acima de
100.000) o câmbio para ter 100 pesetas seria de 1,5 euros. Noutro nível
superior, teria que entregar 2 euros. Chegando aos níveis mais altos de
500.000, entregar 10 euros para ter 100 pesetas. A isso chama-se reforma
monetária redistributiva. Que diminui o circulante e redistribui o património
líquido das famílias. Evidentemente, eliminando uma parte do património líquido
do 1% mais rico. Sabendo que, não sei exatamente os dados do País Basco ou do
Estado Espanhol, mas quase 50% da população nem sequer tem poupanças. Cerca de
30% da população, os de baixo, têm dívidas, não têm património líquido. Podem
ter património em termos de habitação (hipotecada ou não), mas essa grande
parte da população não tem património positivo.
A
medida sete. Evidentemente, reformar radicalmente a fiscalidade.
Eliminar o IVA sobre os produtos de consumo básicos, alimentícios por exemplo,
serviços de luz e água, outros serviços de primeira necessidade. No entanto, um
aumento do IVA sobre produtos de luxo e produtos que contaminam etc. Mas, fora
dos produtos e serviços de base, faz falta um aumento da fiscalidade sobre o
rendimento das empresas privadas e sobre os lucros e rendimentos acima de um
certo nível. Isto é, fiscalidade progressiva sobre os rendimentos e sobre o
património.
Oitava
medida. Desprivatização. Recomprar empresas privatizadas com o
euro simbólico. Assim, a esse nível, usar o euro poderia ser muito simpático,
pagar um euro simbólico aos que se aproveitaram das privatizações. E fortalecer
e estender os serviços públicos sob controlo cidadão.
Medida
nove. Reduzir o tempo de trabalho mantendo, protegendo o salário.
Revogar as leis antissociais e adotar leis para solucionar a situação da dívida
hipotecária. Poder-se-ia realizar perfeitamente via leis, evitando julgamentos
(porque há múltiplos julgamentos sobre dívida hipotecária nos quais as famílias
enfrentam os bancos). Um Parlamento pode decretar via lei, por exemplo, a
anulação mediante lei, das dívidas hipotecárias de menos de 150.000 euros, por
exemplo. Isso permitiria não ir a julgamento.
Medida
dez. Abrir um verdadeiro processo constituinte. Não
se trata de mudanças constitucionais dentro do âmbito do Congresso ou das
Cortes atuais [Toussaint refere-se à realidade do Estado Espanhol][i].
Tratar-se-ia de dissolver o Parlamento e convocar a eleição direta de uma
Assembleia Constituinte. Claro, convocá-lo tendo em conta a questão das
nacionalidades etc. mas abrir um verdadeiro processo constituinte, seja nas
nacionalidades ou a nível do estado como tal. E procurar como encaixar isto
noutros processos constituintes a nível europeu.
Estas são, para mim, dez
medidas básicas a submeter a debate. Mas ponho essas medidas a um nível alto.
Porque acho que sem medidas radicais anunciadas desde o início, não haverá
rutura nem sequer com as políticas de austeridade. Não há margem de manobra
para romper com as políticas de austeridade sem tomar medidas radicais contra o
grande capital. Os que pensam que se pode evitar isto, são “vendedores de banha
da cobra” de fórmulas que não têm realmente forma concreta de realização. A
nível europeu, a arquitetura é tal, e o nível de crise do capitalismo é de tal
ordem, que não há mais espaço real para políticas neokeynesianas produtivistas.
Para mim, o ecossocialismo não é o discurso de domingo. É o discurso diário, do
qual têm que sair as propostas imediatas que há que concretizar. E complementar
a luta contra a austeridade e empreender o caminho e a transição ecossocialista
é uma necessidade absoluta e imediata.
- Eric Toussaint é Presidente do Comitê pela Anulação da Dívida Externa dos Países de Terceiro Mundo
Artigo publicado em
http://www.cadtm.org/Sobre-empoderamiento-popular-Diez (link is external)
Tradução de Mariana Carneiro
para o Esquerda.net
[i] Este texto corresponde à
intervenção de Eric Toussaint em Bilbao no dia 25 de setembro 2016 durante o
terceiro encontro ecossocialista internacional http://alterecosoc.org/ (link is
external)