ESCRITO
POR TATIANA ROQUE
TERÇA,
06 DE DEZEMBRO DE 2016
FONTE:
CORREIO DA CIDADANIA
Foi intenso o debate, nos
últimos dias, sobre a pauta anticorrupção possível para a esquerda. A defesa
das garantias constitucionais é uma agenda tradicional do campo e medidas de
combate à corrupção que as suspendam serão sempre encaradas com desconfiança.
Por outro lado, é incômodo que a esquerda permaneça na defensiva nesse tema,
levantando a bandeira da lei que – convenhamos – é uma pauta recuada.
Precisamos de um discurso
ofensivo que consiga tratar a corrupção como parte de um problema político
maior, que não diz respeito somente ao sistema político, mas à questão dos
privilégios. Corrupção é um sintoma da concentração de poder e combater os
mecanismos que a tornam possível parece uma das próprias razões de existir da
esquerda.
Um discurso político contra a
corrupção – não justiceiro, mas também não apenas garantista – depende de nossa
capacidade para focar no combate à concentração de poder e aos privilégios.
Estamos em pleno retrocesso na
pauta fundamental dos transportes públicos, com revogação de bilhete único no
RJ e aumento das passagens em SP. Quem são os donos das empresas de ônibus, do
metrô e dos trens urbanos? Que dispositivos permitem uma tal concentração de
poder? Por que eles não foram enfrentados pelos últimos governos (parte deles
de esquerda)?
Surgem ataques de todos os
lados contra os funcionários públicos, não só dos governos, mas também de
grande parte da opinião pública. Que privilégios existem realmente que
enfraquecem qualquer defesa em bloco do funcionalismo público? Que distorções
salariais e regalias no executivo, no legislativo e no judiciário acabam dando
munição para retiradas de direitos universais duramente conquistados? Por que
esses privilégios também não foram enfrentados nos últimos anos?
Direito, quando não é de
todos, é privilégio. Não enxergar isso levou grande parte da esquerda (nesse
caso, a que estava fora do governo) a cometer equívocos graves, como ter sido
contra as cotas nas universidades. A fixação no universalismo torna as pautas
da esquerda abstratas e pouco convincentes para uma opinião pública sensível ao
tema dos privilégios, tema do qual a corrupção é apenas uma das faces,
justamente aquela que vem sendo encampada pela direita.
Para recuperar sua
credibilidade com a sociedade, a esquerda precisa de um discurso qualificado de
combate à corrupção. Sem cair nos arroubos da direita, mas também sem ficar
apenas na defensiva. Para isso, precisa encarar o tema dos privilégios e da
concentração de poder, que não tem sido abordado de modo convincente. Depois de
tantos anos de governo, deveríamos ter muito mais a exibir nessa direção. Não
surpreende, portanto, que a bandeira tenho sido perdida para a direita.
Tatiana Roque é professora da
UFRJ e presidente da Adufrj-SSind (Sindicato dos Docentes da UFRJ).
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