quarta-feira, 17 de julho de 2019

Glorificação da Ignorância

Marcos Bagno um dos mais importantes linguistas do Brasil

A Lucta Social - O contundente discurso de Marcos Bagno um dos mais importantes linguistas do Brasil no encerramento do Congresso Nacional da Abralin (Associação Brasileira de Linguística), é um discurso que ecoa hoje e para toda a posteridade, é um desabafo, um clamor sem lamentar, mas de encorajar todas e todos lutadoras e lutadoras sociais e o povo oprimido a lutar contra a tirania, a irracionalidade absoluta, a bestialidade desenfreada, movida e guiada pelo governo elitista, preconceituoso, insano que tem no seu DNA a marca da destruição, não só das conquistas sociais do povo, mas de toda a rede de proteção social, econômica e política da população brasileira.  Leia o discurso na integra.

Marcos Bagno
"Maceió, 8 de maio de 2019:
 
“Fui solicitado a falar neste momento em defesa da ciência brasileira. E de fato, nós, que trabalhamos com a pesquisa, com a produção de conhecimento e com a educação, nos vemos agora numa situação que eu só consigo designar como apocalíptica.

Em 2016, forças políticas e econômicas derrubaram o governo democraticamente eleito da presidenta Dilma Rousseff por meio de uma farsa grotesca que foi de fato um golpe de Estado e abriram o caminho para que se instalasse no poder essa bestialidade desenfreada, movida por uma irracionalidade absoluta guiada por um único objetivo: destruir.

Destruir o ar que respiramos, destruir a água que bebemos, destruir o chão que pisamos, destruir tudo e absolutamente tudo, a começar pela destruição de milhares de vidas humanas. É um projeto de terra arrasada. O Brasil é um dos países mais desiguais e injustos do planeta, nossos indicadores sociais são apavorantes, mas essa quadrilha que assaltou o poder não está satisfeita: é preciso assassinar mais jovens negros, é preciso exterminar o pouco que ainda resta de populações indígenas, não basta uma mulher assassinada a cada hora e meia, não é suficiente ser o campeão de assassinatos de lésbicas, gays e transexuais, nem ser o país mais perigoso para os defensores do meio ambiente.

É uma pulsão de morte que move cada ato desse desgoverno, é uma perversidade sádica, é o elogio da insanidade, do obscurantismo, é a glorificação da ignorância e a consequente criminalização de todas e de todos que promovam minimamente a liberdade de pensamento, o debate sadio das ideias, o avanço social e cultural por meio do conhecimento, da arte, da cultura, da ciência.

Aqueles grupos sociais que são chamados tradicionalmente de “grupos de risco” ou de “camadas vulneráveis da população” agora abarcam nada menos que a imensa maioria do nosso povo. Se você não é homem branco de classe média ou alta e heterossexual, você está na mira daqueles que odeiam tudo o que não é igual a eles.

Se você é nordestina ou nordestino, também é alvo desse ódio porque o chefe supremo do descalabro declarou: “não sou o presidente deles”. Essa é uma declaração que estimula, autoriza e incentiva nada menos do que uma guerra civil. Mas é sob o signo da guerra que se move esse desgoverno. Desde o dia primeiro de janeiro deste ano, todo e qualquer crime de ódio cometido neste país traz a autorização implícita de alguém que disputou as eleições usando como símbolo de campanha a mão que imita uma arma. E é nas mãos dessa milícia de mercenários que nós estamos agora.

Por isso é que eu peço a cada uma e a cada um de nós que deixemos de lado pelo menos nesta hora as diferenças de toda ordem e coloquemos à frente delas uma necessidade que é a própria essência da nossa humanidade: a sobrevivência. Não estamos sendo ameaçadas apenas por uma violência simbólica, que também existe e é aterrorizadora, mas por uma violência física mesmo, por uma ameaça aos nossos corpos, às nossas vidas. E nós, pesquisadoras e pesquisadores, professoras e professores, estamos agora na linha de frente dos ataques, cada uma e cada um de nós tem um alvo pintado nas costas.

Vamos então, formalistas e funcionalistas, foneticistas e fonologistas, semanticistas e especialistas em pragmática, sintaticistas e morfologistas, sociolinguistas e analistas do discurso, historiadoras e historiadores da linguística, especialistas em língua de sinais, em línguas indígenas, em ensino de segundas línguas, em tradução, lexicologistas, filólogas e filólogos, psicolinguistas, filósofas e filósofos da linguagem, vamos todas e todos reconhecer que o momento é grave, é crítico, é ameaçador e que é a nossa vida profissional e pessoal que está em jogo, e o jogo é desigual e desonesto. A demolição está em curso e se não fizemos nada as paredes e os tetos vão desabar sobre nossas cabeças.

A cada hora recebemos a informação de que a universidade X só vai poder funcionar até setembro, de que a universidade Y não tem como se manter funcionando depois de agosto, de que a universidade Z vai ter de parar antes de julho. É a asfixia da educação, é o bombardeio da ciência, é a rejeição pura e simples da civilização, nada menos do que isso. Eu não tenho notícia de ter existido jamais ao longo da história um governo que tenha feito da educação a sua inimiga primordial. Mesmo os governos que não se empenharam em favor da educação eram hipócritas e demagógicos e, pelo menos no discurso, faziam o louvor da educação. Mas o desgoverno atual é tão bisonho, tacanho, tosco e burro que não é capaz nem sequer de cinismo. É a brutalidade em seu estado mais insano.

Nós temos de aproveitar cada ato público, cada fala pública, cada manifestação pública para deixar muito claro que não vamos permitir, que vamos resistir de todas as formas que podemos e sabemos, que vamos principalmente nos unir pela preservação da vida, que está acima de todas as diferenças.

Me solicitaram que falasse em defesa da ciência. Mas quero repetir: sem vida não existe ciência. E o que nós temos não é nada que se compare a um governo de direita nem de extrema direita. O que se instalou no Brasil este ano foi uma proto-ditadura de lunáticos, uma república de assassinos. E é contra ela que temos de lutar hoje, amanhã e até que ela desmorone, não por si mesma, mas pela nossa luta.”

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Acordo comercial com União Européia fragiliza a economia e a soberania da região

Por: Edson Carneiro índio
Manaus, 8 de julho de 2018
 
O acordo comercial firmado entre Mercosul e União Européia agrava, pelo pouco do que foi divulgado, o quadro de desindustrialização já muito avançado da economia brasileira

Segundo o que foi apontado por diversos analistas, o acordo aprofunda nossa condição subalterna de exportador de produtos primários e importador de produtos de alto valor agregado e maior conteúdo tecnológico. 

Essa relação desfavorável impacta na qualidade dos empregos, nos níveis de produtividade da economia, nas possibilidades de desenvolvimento e na soberania do país. É necessário enfrentar as restrições que o acordo com a UE pode trazer à desejável reindustrialização do Brasil, à maior preservação da nossa biodiversidade e ao desenvolvimento soberano dos países do Mercosul. 

Acordos comerciais estabelecem normas e regras sobre diversos temas, como ambientais, trabalhistas, sindicais etc. A despeito de não conhecermos os seus termos, caberá aos trabalhadores e ao movimento sindical do Brasil e da região capacidade de debate e articulação conjunta.

Um aspecto a ser adiantado é o fato de que os instrumentos de regulação do trabalho de que o Brasil dispunha estão sendo desmontados ou atacados. Às diversas tentativas de asfixia aos sindicatos somam-se o fim Ministério do Trabalho e Emprego, o esvaziamento da Justiça do Trabalho, a perseguição ao Ministério Público do Trabalho, o desmonte da fiscalização e as mudanças legislativas e jurídicas para um marco legal precário que avilta a dignidade humana e a Constituição de 1988. Esse aspecto não deve ser desconsiderado num acordo que envolve diferentes regulações.

Isso sem desconsiderar a gravidade de um acordo comercial em meio a anemia industrial brasileira, ao predomínio do rentismo sobre a agenda do país e depois de tantas medidas adotadas para reduzir o valor da força de trabalho no Brasil.

Edson Carneiro Índio é Secretário Geral da Intersindical e membro da Frente Povo Sem Medo

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Lançado na Europa mapa do envenenamento de alimentos no Brasil


Por Ivanir Ferreira – Editorias: Ciências Ambientais – URL


Um ousado trabalho de geografia que mapeou o nível de envenenamento dos alimentos produzidos no Brasil foi lançado em maio, em Berlim, na Alemanha, país que contraditoriamente sedia as maiores empresas agroquímicas do mundo.

Quem estava presente no lançamento do atlas Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia ficou perplexo com a informação sobre o elevado índice de resíduos agrotóxicos permitidos em alimentos, na água potável, e que, potencialmente, contamina o solo, provoca doenças e mata pessoas. A obra, que já foi publicada no Brasil, é de autoria da geógrafa Larissa Mies Bombardi, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

O Brasil é campeão mundial no uso de pesticidas na agricultura, alternando a posição dependendo da ocasião apenas com os Estados Unidos. O feijão, a base da alimentação brasileira, tem um nível permitido de resíduo de malationa (inseticida) que é 400 vezes maior do que aquele permitido pela União Europeia; na água potável brasileira permite-se 5 mil vezes mais resíduo de glifosato (herbicida); na soja, 200 vezes mais resíduos de glifosato, de acordo com o estudo, que é rico em imagens, gráficos e infográficos. “E como se não bastasse o Brasil liderar este perverso ranking, tramita no Congresso nacional leis que flexibilizam as atuais regras para registro, produção, comercialização e utilização de agrotóxicos”, relata Larissa.

A pesquisadora explica que o lançamento do atlas na Europa se deu pelo fato de a Alemanha sediar a Bayer/Monsanto e a Basf, indústrias agroquímicas que respondem por cerca de 34% do mercado mundial de agrotóxicos. A Monsanto, recentemente incorporada ao grupo Bayer, é a líder mundial de vendas do glifosato, cujos subprodutos têm sido associados a inúmeras doenças, incluindo o câncer e o Alzheimer.

“Queríamos promover discussão sobre a contradição de sediarem indústrias que controlam toda a cadeia alimentar agrícola – das sementes, agrotóxicos e fertilizantes – e serem rigorosos quanto ao uso de mais de um terço dos pesticidas que são permitidos no Brasil. Eles são corresponsáveis pelos problemas gerados à população porque vendem e exportam substâncias sabidamente perigosas, porém, proibidas em seu território”, diz.

Intoxicação e suicídios

Segundo a geógrafa, as perdas não se limitam à contaminação de alimentos e dos cursos d’água. O atlas traz informações de que, depois de extensa exposição aos agrotóxicos, ocorrem também casos de mortes e suicídios associados ao contato ou à ingestão dessas substâncias.

Entre 2007 e 2014, o Ministério da Saúde teve cerca de 25 mil ocorrências de intoxicações por agrotóxicos. O atlas mapeia as regiões mais afetadas: dos Estados brasileiros, durante o período da pesquisa, o Paraná ficou em primeiro lugar, com mais de 3.700 casos de intoxicação. São Paulo e Minas Gerais ficaram na segunda colocação, com 2 mil. Das 3.723 intoxicações registradas no Paraná, 1.631 casos eram de tentativas de suicídio, ou seja, 40% do total.

Em São Paulo e Minas gerais o porcentual foi o mesmo. No Ceará, houve 1.086 casos notificados, dos quais 861 correspondiam a tentativas de suicídio, cerca de 79,2%. Os mapas de faixa etária mostram que 20% da população afetada era composta de crianças e jovens com idade até 19 anos. Segundo Larissa, no Brasil, há relação direta entre o uso de agrotóxicos e o agronegócio. Em 2015, soja, milho e cana de açúcar consumiram 72% dos pesticidas comercializados no País.

O atlas Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia, em português, foi lançado no Brasil em 2017 e traz um conjunto de mais de 150 imagens entre mapas, gráficos e infográficos que abordam a realidade do uso de agrotóxicos no Brasil e os impactos diretos deste uso no País. A pesquisa que deu origem à publicação teve o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Em Berlim, o lançamento aconteceu na sede do ENSSER (European Network of Scientists for Social and Environmental Responsability), rede europeia sem fins lucrativos que reúne cientistas ativistas responsáveis ambiental e socialmente, em Glasgow, Escócia. O suporte financeiro para o lançamento do atlas na Europa foi da FFLCH e da Pró-Reitoria de Pesquisa da USP.
info 01 E book Atlas Agrotoxico - Lançado na Europa mapa do envenenamento de alimentos no Brasil
Entre 2000 e 2010, o Brasil aumentou em 200% o consumo de agrotóxicos. A soja foi a cultura que mais consumiu pesticidas
info 02 E book Atlas Agrotoxico - Lançado na Europa mapa do envenenamento de alimentos no Brasil
Mapa de intoxicação por agrotóxicos de uso agrícola (2007-2014)
info 03 E book Atlas Agrotoxico - Lançado na Europa mapa do envenenamento de alimentos no Brasil
Uso de malationa (inseticida) na cultura do feijão – Limite máximo de resíduos permitido no Brasil e nos países da comunidade europeia

Mais informações: Larissa Mies Bombardi, larissab@usp.br ou pelo telefone (11) 3091-3769. Atlas versão em portuguêsAtlas versão inglês.

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