Por CombateRacismoAmbiental, 27/12/2013 00:28
Por Djalma Nery
Neste exato instante, a cidade de Humaitá – AM, vive um intenso
conflito. Como de costume, praticamente toda a informação a respeito desta
situação disponível na internet e nos meios de comunicação não dão conta de sua
complexidade e tampouco explicitam o pano de fundo e as motivações dos fatos
que se desenrolam. Primeiro acompanhe uma breve cronologia dos fatos que
levaram a conflagração de um conflito de imensas proporções:
Nos últimos dias os Tenharim foram surpreendidos com a controversa
morte de seu cacique Ivan Tenharim. Ele foi encontrado desacordado e ferido
próximo à Transamazônica, foi levado ao hospital e não resistiu. As causas de
sua morte ainda não foram averiguadas o que tem gerado profunda indignação
entre os indígenas, já acostumados com o descaso do governo brasileiro em
relação às suas questões. Após esta fatalidade, uma sucessão de fatos
igualmente estranhos levaram a um conflito sem precedentes na cidade de
Humaitá.
Correm rumores do desaparecimento, desde o dia 16.12.2013, de 03
homens no KM 123 no trecho da BR – Transamazônica, que atravessa a Terra
Indígena Tenharim. Um servidor da FUNAI conversou com as lideranças indígenas
repassando a eles o que estava acontecendo na cidade e as acusações que pesavam
contra eles. Nas duas vezes os índios negaram qualquer envolvimento sobre os
desaparecidos e ainda disseram que as aldeias estavam abertas para averiguação,
buscas e investigação por parte da Policia Federal ou do Exercito.
A população saiu às ruas exigindo maior participação da PF para a
busca e localização dos desaparecidos que, segundo eles, encontram-se na TI dos
Tenharins. Porém, ao invés de um protesto legítimo, o que de fato está
ocorrendo é um estado de terror, possivelmente financiado pelos madeireiros,
uma vez que muitas vezes, órgãos como a FUNAI e FUNASA se colocam como
empecilhos aos interesses escusos desses.
Há dois dias servidores da FUNAI e a população de Humaitá, extremo
sul do Amazonas, pedem apoio e ajuda da Polícia Federal para conter as ações
dos populares que, sem nenhum impedimento, já atearam fogo em carros, barcos e
no prédio da FUNAI e da FUNASA entre os dias 25 e 26/12/13. 11 carros e 2
barcos das FUNAI foram queimados, assim como sua sede, a Casa do Índio e a Casa
da Saúde do Índio – todas engolidas pelas chamas e saqueadas sem que a Polícia
Militar impedisse.
Esta ação coloca em risco a vida de diversos moradores da cidade
que residem próximos aos locais incendiados, dos servidores da FUNAI que neste
momento se encontram escondidos em casas de conhecidos, temendo possíveis
ataques dos manifestantes e de diversos indígenas da etnia Tenharim.
É importante sabermos que esse conflito oculta interesses
econômicos e políticos disfarçados de comoção popular legítima. Não se trata
apenas de 3 pessoas desaparecidas, mas sim de um longo conflito entre cultura
ocidental/civilizatória/desenvolvimentista contra a existência indígena que,
objetivamente, dificulta ou atrasa a realização de interesses do modo de
produção capitalista. O agronegócio agradece a cada vez que indígenas se
enfraquecem.
Humaitá é uma zona de intensos conflitos com madeireiros que
procuram extrair ilegalmente madeira de áreas protegidas (ou terras indígenas)
para comercializá-las. São esses mesmos madeireiros que possuem o poder
econômico (e portanto político) na região e, como sabemos, conseguem fazer com
que seus interesses sejam levados a cabo. Há indícios de que justamente esses
indivíduos estejam se aproveitando da comoção popular para ‘patrocinar’ o caos,
do qual se beneficiam, acirrando o ódio e incendiando os ânimos –assim os
manifestantes (que tem sua razão para estarem insatisfeitos) são utilizados
como massa de manobra para favorecer interesses de uma elite. Afirma-se até que
boa parte da gasolina que vem sendo utilizada aos montes esteja sendo paga por
eles ou seus representantes, que não concordam, entre outras coisas, com os
pedágios das terras indígenas, e se organizam para combatê-los com todo o tipo
de recurso.
A Polícia Militar e a Polícia Federal, compactuando com esse ódio
étnico, vêm sendo claramente negligentes, afirmando até mesmo que não é a
primeira vez que os índios ‘causam’ uma situação como essa, e que até mesmo
merecem a represália que vêm sofrendo. Desde que o cacique Ivan foi morto, há
mais de 15 dias, a PF nem mesmo foi até a TI averiguar, simplesmente deixando a
coisa acontecer; eles se mexeram apenas quando desapareceram homens brancos.
O Estado brasileiro está sendo conivente; índios, cidadãos e
servidores da FUNAI estão em perigo e não são tomadas as medidas necessárias
para divulgar corretamente o que ocorre e conter a violência que se alastra de
maneira completamente irresponsável. Até as 14h30 de hoje, não havia aparecido
sequer uma viatura da PM para fazer prontidão à porta da FUNAI; dezenas de
pessoas mexeram na cena do crime, tiraram fotos e pegaram o que quiseram do
local, e após quase um dia inteiro de distúrbios é que a polícia decide
comparecer ao local.
Não se trata de defender ou atacar indígenas, mas de denunciar a
negligência do Estado e dos meios de comunicação brasileiros, prontos à
defender os interesses daqueles que os
mantém: industriais, fazendeiros e a burguesia, passando por cima de
populações desfavorecidas e/ou marginalizadas.
Precisamos furar esse bloqueio midiático e pressionar o Estado
para que haja rapidamente; centenas de indígenas estão ameaçados apenas por
serem indígenas e muitos deles estão sendo conduzidos ao Batalhão de Infantaria
do Exército para que possam ser protegidos. Servidores da FUNAI têm sua vida em
risco por serem identificados como protetores dos índios. Por favor, passe esse
texto adiante, divulgue essa situação, entre em contato com quaisquer pessoas
que você conhecer e que possam ajudar a mobilizar esforços para reverter essa
situação calamitosa em curso. Temos que colocar isso a limpo e no foco das
notícias.
A vida de amigos meus está em risco nesse exato instante. Contamos
com toda ajuda.
Humaitá em chamas
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Henyo Barretto.