José Ribamar Bessa Freire
01/09/2013 - Diário do Amazonas
Na capital de um país cujo nome não quero nem lembrar, um presidiário
vestido de terno e gravata, com broche de deputado na lapela, saiu algemado do
presídio, dentro de um camburão, sob escolta policial, entrou no plenário da
Câmara de Deputados, ocupou a tribuna e falou durante 40 minutos. Foi ouvido em
silêncio pelos seus - digamos assim - colegas, alguns dos quais discursaram em
seguida, todos unânimes a favor da cassação dele. Mas na hora da votação
secreta, mijaram fora do caco.
É que os que decidiram pela perda do mandato foram 233 deputados, mas
mesmo assim o presidiário escapou da degola por 24 votos, já que encapuzados
com o manto do voto secreto se manifestaram a favor dele 131 parlamentares,
outros 41 se abstiveram e 104 deixaram de votar, dos quais 50 estavam presentes
à sessão. Tudo somado, noves fora, zero.
O resultado surpreendeu até o próprio deputado-presidiário: "Não
acredito" - ele clamou e, em gesto patético, se ajoelhou no plenário,
agradecendo a Deus. Advertiu os seus pares:
- Temos de ter cuidado com a voz das ruas. A voz das ruas crucificou
Jesus. Creio em Deus e na Justiça. Sei que essa Casa é independente - declarou
antes de retornar algemado e a bordo de um camburão às suas bases no Complexo
Presidiário da Papuda, transformado assim no novo anexo do Congresso Nacional
conforme sugeriu o Macaco Simão.
Natan Donadon eleito pelo PMDB (vixe, vixe) de Rondônia se tornou,
assim, o único deputado-presidiário do mundo. Um fenômeno! Foi condenado pelo
STF, em última instância, a mais de 13 anos de prisão, porque chefiou a
quadrilha que roubou R$ 8,4 milhões dos cofres públicos, com contratos
fraudulentos. Perdeu seus direitos políticos. Seus colegas decidiram que, assim
mesmo, ele continua deputado. É o único parlamentar, em todo o planeta terra e
quiçá nas três galáxias visíveis a olho nu, sem direitos políticos, requisito
necessário para exercer o mandato.
Cachorro morto
Resultado tão absurdo não foi previsto por qualquer jornalista, nem
sequer por Gerson Camarotti, aquele que acertou o nome do papa. Todo mundo dava
como favas contadas a cassação do deputado-presidiário. A coisa começou a
feder, quando Chico Alencar (PSOL-RJ) subiu a tribuna e teve seu discurso
interrompido por representantes de diferentes partidos que gritavam: "Não
chuta cachorro morto". "Cala a boca, Chico, o cara já está
ferrado". Trataram o caso como se fosse um problema pessoal e não
institucional.
Eram vozes de apoio que saíam da garganta de deputados com problemas na
Justiça, legislando em causa própria: Jaqueline Roriz (PMN-DF), flagrada em
vídeo colocando na bolsa dinheiro sujo; Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO),
cupincha de Carlinhos Cachoeira; Sérgio Moraes (PTB-RS), o que se lixa para a
opinião pública; Renan Calheiros Filho (PMDB-AL), suspeito de corrupção com
mandato salvo duas vezes pelo voto secreto; o eterno Paulo Maluf (PP/SP), que
dispensa comentários, mas também muita gente boa escondida detrás do voto
secreto.
A mídia não acreditou muito no sucesso da operação realizada durante a
semana por Melkisedek Donadon, irmão do deputado e ex-prefeito de Vilhena (RO).
Ele, que é uma espécie de sumo sacerdote, deslizou com passos de felino pelos
gabinetes de parlamentares da bancada religiosa angariando votos, sob o
argumento de que Donadon é evangélico.
Ninguém acreditava que a Câmara de Deputados fosse capaz de ativar as
vozes da rua e de berrar a plenos pulmões, convocando os manifestantes:
"Me invade, me quebra, me bate, me xinga, me dá um sacode". Ninguém
esperava. A jornalista da Folha de São Paulo, Eliane Cantanhêde,
pediu desculpas na Globo News por ter se equivocado ao prever,
na véspera, a cassação do deputado-presidiário. No dia seguinte, os jornais
lamentavam: "inacreditável", "insano",
"inimaginável", "absurdo",
"incrível", "despautério", "incongruência
constitucional".
Mas veio do jornalismo amazonense a reação que melhor expressa o
sentimento da opinião pública de todo o Brasil, quiçá do planeta e das três
galáxias, contra a decisão da Câmara. Só reação como essa foi capaz de
demonstrar que os deputados, como Don Quixote, perderam o juízo e afirmaram "la
razón de la sinrazón, que ni el mismo Aristóteles entendiera si resucitara para
sólo ello".
Pega leve, Isac
Foi num telejornal
local. A apresentadora Mariana, que é uma excelente jornalista, depois de dar
bom dia aos seus colegas Amaral e Julieta, anunciou:
- O SBT Notícias começa noticiando a morte de um vigia num
assalto a um Posto de Saúde no Bairro de Santo Antônio, Zona Oeste de Manaus. E
olha, ontem, no Parque das Laranjeiras, ocorreu um acidente de trânsito grave,
envolvendo....
Nesse momento, seu colega Isac comentou baixinho que a Câmara de
Deputados havia decidido manter o mandato do deputado-presidiário, o que pegou
de surpresa a apresentadora. Foi quando Mariana exclamou aquilo que estava
engasgado na garganta de todos os brasileiros:
- Puta-que-o-pariu, Isac!
Não existe em língua portuguesa expressão mais adequada para manifestar
indignação. O puta-que-o-pariu sonoro, inapelável, contundente, foi ao ar, ou
porque ela esqueceu que estava ao vivo, ou por erro de edição que gravou e
colocou o vídeo no ar. Constrangido, Amaral anunciou que ia resolver o
problema, chamou informações de Parintins e deu às de Vila-Diogo.
O vídeo está ai para quem quiser ver, embora as coisas não tenham
acontecido exatamente assim. Para falar a verdade, a gente contribuiu com a
versão, enfeitou o fato, construindo um sentido patriótico e plausível para a
intervenção de Mariana. Ficam aqui os parabéns à coleguinha Mariana, que merece
toda nossa simpatia, pela sua competência, pelo seu humor, pela sua capacidade
de rir (e pela sua beleza amazônica). O que ocorreu com ela já passou com
Fátima Bernardes, Boris Casoy, William Bonner e com outros conhecidos
apresentadores de telejornais do Brasil.
Isac, te cuida!
P.S. Confira o video, são 30 segundos, vale a pena:
https://www.facebook.com/photo.php?v=631987750174255http://www.youtube.com/watch?v=j18-7UXixAo
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