José
Ribamar Bessa Freire
03/03/2013
- Diário do Amazonas
Maria
Cândido Barbosa (1918-2013), a vó Mariinha, líder religiosa - uma das mais
antigas do Rio de Janeiro - disse adeus e partiu na sexta feira passada. Tinha
95 anos. Na sua juventude, como católica fervorosa, fez parte da Pia União das
Filhas de Maria. Mas na década de 50, trocou a fita azul e o uniforme da
Congregação por outra bandeira e ingressou na Umbanda, religião a qual dedicou
sua vida.
Filha
de santo de Carlito Edileus Vieira, conhecido Babalorixá, ela logo se formou
Ialorixá, tornando-se uma respeitada Mãe de Santo. Fundou a Associação Espírita
Afro-Brasileira Taba de Pindaré e Terreiro de Sobe Serra, e exercitou sua
religiosidade neste lugar situado num lugar privilegiado da mata atlântica, em
Angra dos Reis (RJ). Deixou mais de 500 filhos de santo.
Filha
de uma descendente de índios com um português, Mariinha nasceu lá, no Sertão do
Carijó, no Bracuí, em Angra, no dia 30 de janeiro de 1918. Ainda criança
mudou-se para a sede do município, onde trabalhou duro para conseguir seu
sustento e de sua família. Muito antes da abertura da rodovia Rio-Santos,
quando Angra dos Reis era o maior produtor de sardinhas do Brasil, ela foi
contratada como operária por uma fábrica de enlatados. Com o declínio da
atividade pesqueira e o fechamento de mais de duas dezenas de fábricas, passou
a dedicar-se exclusivamente às atividades religiosas.
Vó
Mariinha conheceu seu companheiro de 50 anos de vida, com quem teve 8
filhos sanguíneos (7 filhas e um filho) e 3 adotivos, que lhe deram 18 netos e
13 bisnetos. Sem contar as diversas crianças que amamentou ao longo da
existência. Um dos filhos adotivos da vó, o Nel, era jornalista, comunista
convicto, que declinou de um convite para trabalhar em Cuba, preferindo ficar
com a sua família no Brasil. Todos eles foram educados dentro da religião,
aprendendo com a mãe a respeitar os outros na diversidade.
Rui,
o único filho de sangue, é ogã, toca atabaque e conhece os pontos de cada orixá
e guia, cantados nas sessões. Ele testemunhou a entrega da Vó Marinha às causas
sociais. Nos anos 60, quando sequer existia escola na região, movida pelo amor
às crianças e pela solidariedade, Vó Mariinha montou uma escola primária, com
recursos próprios, gratuita, no Encruzo da Enseada - na Japuíba. Suas próprias
filhas é que davam aulas às crianças.
Seu
ingresso na Umbanda - grande norte de sua vida - se deu quando tinha 30 anos,
encaminhada pelo seu irmão Antônio Cândido de Almeida. A Associação
Espírita Afro-Brasileira Taba de Pindaré e Terreiro de Sobe Serra,
que ela fundou, teve sempre como bandeira a caridade e o amor entre os seus
pares. O Centro da vó está cercado por uma mata exuberante e importante mina
d'água, a mina da Oxum, fato que o torna singular em toda Angra dos Reis. Esse
foi o lugar escolhido pelo Caboclo Sobe Serra para ser a sede do terreiro, há
mais de 60 anos.
A
vó Mariinha se tornou um ícone e um exemplo para a Umbanda em todas as suas
vertentes. Ensinou seus filhos de santo, que aprenderam a amar e a caminhar a
partir dos ensinamentos do Caboclo Sobe Serra - seu mentor, e da sabedoria da
vovó Catarina - uma preta velha muito esclarecida que a acompanhou desde sua
infância, bem como do seu Rei Congo, entre outros guias de luz.
Em
toda a sua vida, a vó Mariinha não mediu esforços para cumprir os seus deveres
de Mãe de Santo e exercer a sua "regilião", como falava ao se referir
à Umbanda. Por diversas vezes, saiu de sua casa, no centro de Angra, até
a Japuíba, ficando horas com a vó Catarina, seu Rei Congo, seu Sobe Serra na
terra. Ali acolhia a todos, ajudando enfermos e desesperados.
Antes
de morrer, doou parte de seu patrimônio, especialmente um terreno, para a
construção de uma escola (o Colégio Municipal Mauro Sérgio da Cunha), para a
construção da igreja Santa Teresinha, ambas localizadas na Japuíba. O mesmo fez
a dezenas de filhos de santo, que hoje possuem um lar graças à vó Mariinha.
Desde
criança - ainda no Bracuí - a vó aprendeu a cantar jongo e folia de reis.
Chegou a fazer parte do grupo de folia dos reis de Carmo Moraes, ex-combatente
da Segunda Guerra e filho de santo da vó, que morava no Morro do Carmo. Aos 95
anos a vó lembrava ainda de algumas dessas músicas e em diversos momentos, ela
cantava em seu terreiro, em sua casa, os pontos, alguns em língua yorubá, com
contribuição de línguas indígenas. Cantava, dançava, ensinava e repartia amor.
O terreiro era o lugar da pedagogia da oralidade, do ver e ouvir, do aconselhar
e acalmar.
Vó
Mariinha gostava de contar histórias, lembrando momentos de sua vida. Uma dela
ocorreu quando era muito criança e caiu numa fogueira - nessa época era comum
as pessoas fazerem fogueiras dentro de casa. Todos ficaram impressionados,
porque ela levantou-se sozinha da fogueira. Anos depois, quando começou a
trabalhar com a vó Catarina, a preta-velha, disse que foi ela quem a tirou do
fogo. Para não esquecer o acontecido, carregou, em uma das mãos durante toda
sua vida, a marca da queimadura.
No
último ano de sua vida, Vó Mariinha diminuiu o ritmo, mas não deixou de ir ao
menos um dia na Japuíba, para encontrar seus santos e Neusa - filha de coração
e seu braço direito. Com ela, estabeleceu uma relação de amizade, de carinho
que atravessou longos anos. As duas estavam unidas pela Umbanda. Nas palavras
de um dos netos, Alexandre Klippel: "Uma palavra que define a minha vó é
fé. A minha vó tem uma fé, que é inabalável".
Daqui
do Diário do Amazonas, em Manaus, saudações a Vó Mariinha: que seu sono seja
calmo, nesta longa noite que se finda.
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