Heitor Scalambrini Costa e Zoraide Cardoso Vilasboas
Membros da Articulação Antinuclear Brasileira
(www.brasilantinuclear.ning.com)
A Articulação
Antinuclear Brasileira, integrada por entidades, indivíduos,
movimentos socioambientais e pesquisadores, foi criada em 3 de maio
de 2010. No manifesto declaramos nossa firme oposição à retomada do Programa
Nuclear Brasileiro, por várias razões. Entre elas destacamos:
A energia nuclear é
suja, insegura e cara. O ciclo do nuclear – da mineração do urânio, ao problema
insolúvel da destinação do lixo radioativo – é insustentável do ponto de vista
social, ambiental e econômico.
A usina nuclear é uma
falsa solução para evitar o aquecimento global. Como os reatores não emitem gás
carbônico (CO2) – o principal dos gases do efeito estufa – os
defensores desta energia tentam convencer a sociedade que ela é limpa e segura.
Não é limpa, de forma alguma, pois o ciclo de produção de seu combustível – que
começa com a mineração do urânio e termina no descomissionamento das
instalações – apresenta importantes emissões de gases de efeito estufa.
Há suficiente
produção de energia no Brasil, porém mal distribuída. Atualmente o consumo se
concentra em seis setores da indústria: siderurgia, cimento, papel e celulose,
alumínio, petroquímica e ferro-liga, atividades que respondem por 30% da
demanda de energia no país. Só o consumo anual da indústria de alumínio é
equivalente a duas vezes o total da energia produzida por Angra 2.
Não existe lugar
apropriado para confinar o lixo nuclear em nenhuma parte do mundo. Rechaçamos
qualquer política energética que ameace as gerações presentes e futuras.
O manejo e o transporte
de substâncias radioativas pelas precárias estradas e portos brasileiros é
inseguro e coloca em risco cidades vizinhas das rodovias e portos, bem como
moradores de grandes cidades como Rio de Janeiro e Salvador.
A geração de energia
nuclear é cara. E o custo para o encerramento adequado das atividades das
usinas antigas é altíssimo, o que torna irracional, em termos financeiros, o
investimento neste tipo de energia.
A energia nuclear representa menos de 2% da matriz energética brasileira. Se investirmos em
eficiência energética é perfeitamente possível dar fim a essa produção, sem
ônus para o contribuinte e para a geração de energia.
Esta energia é
perigosa para a humanidade, pois seu sub-produto pode ser usado para produzir
armas atômicas, caso do plutônio. Cada instalação nuclear é uma ameaça em caso
de acidente, atentado ou guerra.
Não há transparência
ou participação popular no acesso às informações sobre o ciclo da energia
nuclear. Sob o falso argumento do “segredo militar”, alimenta-se a
desinformação da população sobre um assunto que diz respeito à sua vida e
segurança.
Os acidentes
nucleares de Three Miles Island, Chernobyl e Fukushima revelam que as normas
nacionais e internacionais de segurança não são cumpridas. No caso do maior desastre
radiológico do mundo, em Goiânia (1987), 19 g de Césio abandonado irregularmente num
hospital desativado causou a morte de 4 pessoas, a contaminação direta e
indireta de milhares de pessoas, e gerou mais de 6.000 toneladas de lixo
atômico.
A mineração em
Caetité, recordista em acidentes e multas ambientais (não pagas) na Bahia, vem
contaminando a água no entorno da mina, ameaçando a integridade ambiental, a
segurança alimentar e a saúde da população. Há suspeita de ter contaminado seus
trabalhadores.
Nas duas usinas de
Angra dos Reis, onde há um histórico de acidentes e interrupções de funcionamento
por problemas técnicos (inclusive com a contaminação de empregados), não existe
um plano - sério e crível - de evacuação da população, em caso de emergência.
Os reatores não
sofreram significativas alterações ou inovações tecnológicas que garantam a sua
total segurança, continuando a apresentar riscos sérios, inerentes a
manipulação do átomo.
Por estas e outras
razões reivindicamos:
· O fim do Programa
Nuclear Brasileiro;
· O cancelamento da
construção de Angra 3 e dos planos de construção de novas usinas no país;
· O fim da mineração e
do processamento de urânio, em todas suas modalidades;
· A solução imediata
para os danos sociais e ambientais das localidades onde houve exploração de
urânio ou instalação de depósitos de material radioativo. Justa indenização
para seus habitantes e trabalhadores de instalações nucleares;
· A desativação de
Angra 1 e 2;
· A participação
da sociedade civil em todos os processos de tomada de decisão relativos à
indústria nuclear e amplo debate público sobre este assunto;
· Criação de um órgão
especializado em segurança nuclear e radiológica;
· O fomento a uma
política energética baseada na descentralização da geração , eficiência
energética e utilização de fontes limpas, renováveis, e sócio ambientalmente
corretas;
· O reconhecimento
público dos direitos dos atingidos direta e indiretamente pela contaminação
radioativa, com indenização e assistência integral à saúde;
· Efetiva
democratização, transparência e desenvolvimento do debate público sobre as
informações referentes às atividades nucleares no Brasil, especialmente sobre
os sinistros e impactos sobre o meio ambiente e a saúde da população.
Portanto fica bem
claro nosso posicionamento com relação à questão nuclear no país. Além do mais
somos contrários ao projeto de fabricação de centrifugas, do reator para
propulsão de submarinos e reafirmamos nossa total oposição à exploração de
minerais radioativos como o urânio, tório, terras raras.
Com relação à criação
de uma Agência Reguladora para o setor temos algumas considerações a respeito.
1)
Reivindicamos dentre os pontos
apresentados em nosso manifesto “Separação imediata entre licenciamento,
fiscalização e operação/fomento e criação de um órgão especializado em segurança
nuclear e radiológica”, com participação efetiva da sociedade civil neste
processo, nas tomadas de decisão relativos à indústria nuclear, e um amplo
debate público sobre esta fonte de energia.
Ao mesmo tempo suspeitamos
dos reais e atuais interesses que movem neste momento a criação desta Agencia,
pois a maioria daqueles e daquelas que protelaram a criação deste órgão
independente, chamada de “Agência”, são os mesmos e mesmas que a defendem hoje.
Gostaria de lembrar
que o funcionamento de uma agência reguladora independente para as atividades
com tecnologia nuclear estava prevista, desde setembro de 1994, quando o país
assinou o Protocolo da Convenção de Segurança Nuclear, e o Congresso
Nacional ratificou Os termos da convenção estão no decreto presidencial 2.648
de 1º de julho de 1998. Portanto há 19 anos (lembrando também que Angra 2
passou 10 anos funcionando com uma licença provisória). O que reforça e
demonstra a total falta de importância e de interesse das autoridades, para que
o país tivesse um órgão regulatório que, como reza a convenção assinada,
“estabelecesse os requisitos e regulamentações nacionais de segurança”;
criasse “um sistema de licenciamento para as instalações nucleares e a
proibição de operação da instalação nuclear sem uma licença”; que também
criasse “um sistema de inspeção regulatória e avaliação de instalações
nucleares para apurar o cumprimento de regulamentos aplicáveis e dos termos de
licenças”; e para “o cumprimento dos regulamentos aplicáveis e dos termos de
licenças, incluindo suspensão, modificação ou revogação”. Segundo a mesma
convenção, cada país deveria “assegurar uma efetiva separação entre as funções
do órgão regulatório e aquelas de qualquer outro órgão ou organização
relacionado com a promoção ou utilização da energia nuclear”.
Apesar de ter
assinado esta convenção, o governo brasileiro, em 2001, concentrou na Comissão
Nacional de Energia Nuclear (Cnen), subordinada ao Ministério da Ciência e
Tecnologia, a responsabilidade pelo licenciamento e pela fiscalização de
depósitos iniciais, intermediários e finais de rejeitos radioativos. Lei
10.308, de 20 de novembro de 2001 . Portanto, a Cnen que existe há mais de 50
anos, esta autarquia federal está em total desrespeito à efetiva separação
entre as funções de um órgão regulatório, pois além de desenvolver pesquisas e
tecnologia, mantém atividades industriais (produção, beneficiamento e
enriquecimento de urânio), e é responsável pelo planejamento, orientação,
normas, regulamentos, supervisão e fiscalização das atividades nucleares no
Brasil.
Logo, a criação da
Agência e a hora adequada estão no passado, no momento em que o Brasil passou a
deter a primeira fonte radioativa. Talvez, digo talvez, “o pior acidente
radiológico do mundo” com o césio 137, em Goiânia, pudesse ter sido evitado, ou
pelo menos amenizado.
Já que os governantes
e os gestores do setor nuclear preferiram que o país ficasse a margem da
legislação internacional por décadas e décadas. Não podemos hoje ser contra a
criação da Agência Nacional de Segurança Nuclear, se ela de fato vier a se
encarregar da efetiva fiscalização do uso da energia nuclear no país, e se nela
houver assentos destinados a participação da sociedade civil em processos de
tomada de decisão. Aplaudiremos toda e qualquer iniciativa que venha, de fato,
assegurar a segurança da população, dos trabalhadores das instalações nucleares
e a preservação do meio ambiente.
Não renunciamos aos
nossos princípios. Mas sabemos que mesmo que fechássemos hoje todas as usinas
nucleares teremos toneladas de rejeitos de lixo radioativo para administrar,
por pelo menos um século. O descomissionamento, dessas instalações já será uma
tarefa hercúlea e caríssima. O fechamento das minas, de Poços de Caldas,
Caetité e Santa Quitéria. A necessidade do controle de seus impactos. O
encerramento das atividades das fábricas como a de Resende, além de
capacitar e supervisionar os laboratórios, hospitais etc., que utilizem
isótopos radioativos, necessitará de uma Agencia reguladora.
2) Não podemos aceitar que a
criação desta Agencia seja somente para “inglês ver”. Este debate público provocado
e iniciado por esta mesma Comissão e que resultou no Relatório do Grupo de
Trabalho “Fiscalização e Segurança Nuclear” em 2007, e que está sendo
retomado agora deve ter continuidade para incentivarmos uma ampla discussão com
a sociedade. Lembro que participamos aqui mesmo, em 22 de maio passado, de uma
audiência pública que discutiu “A situação da energia nuclear pós Rio+20” , e reafirmo que devemos popularizar mais este
debate. A proposta do ante projeto de lei do MCTI, que se encontra na Casa
Civil deve ser aberto ao debate, e não ficar restrito a alguns protagonistas
como a Cnen, a Eletronuclear, as Indústrias Nucleares Brasileiras, a
Nuclep, a Marinha, e mesmo ao Ministério das Relações Exteriores, que faz a
relação com a Agência Internacional de Energia Atômica e com a Agência
Brasileiro-Argentina de Controle e Contabilidade. Chega de opacidade, de
“sigilo estratégico”. A transparência e a participação da sociedade civil são
essenciais para a credibilidade do que vai ser criado.
Não aceitamos estar
aqui como meros coadjuvantes. A sociedade brasileira, e nós como legítimos
representantes de uma parcela desta sociedade EXIGIMOS participar e interferir
nas decisões. Temos a responsabilidade técnica e política. Não aceitamos
“pacotes prontos”.
A Agência Reguladora
Nuclear, instituição multidisciplinar e multiministerial deve ter como
finalidade garantir a segurança das aplicações dessa tecnologia na medicina,
indústria e pesquisa; deve ser criada através de dispositivos legais que
garantam a independência e autonomia de sua atuação, mantendo-a livre de
pressões políticas e sob controle social. E que todas as atividades no
território nacional devam atender aos critérios de segurança e normas da
Agência, submetidas todas à sua ação reguladora, licenciadora e fiscalizadora,
determinando claramente a hierarquização setorial.
Somos contrários à
vinculação da Agência ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação o que
representaria uma subordinação hierárquica ao fiscalizado. Como sabemos, tanto
a CNEN como a INB estão vinculadas ao Ministério de Ciência e Tecnologia e,
assim, legalmente, estariam no mesmo nível hierárquico que a Agência. Desta
maneira não haverá garantia efetiva de sua independência. Portanto, para que
seja independente, a Agência não poderá estar vinculada ao MCTI, nem a outro
ministério que detenha instalações nucleares como o de Minas e Energia (MME).
Portanto, a independência teoricamente apenas poderá ser garantida se a Agência
for um órgão da Presidência da República, como acontece nos EUA e na Argentina,
por exemplo.
Temos exemplos de
sobra sobre as inúmeras mazelas de outras agencias regulatórias, que sofreram a
“captura pelo mercado”, e também a influência política que levou a escândalos
de corrupção e de favorecimentos. Nem precisamos listar aqui, pois qualquer um
poderá verificar nas páginas policiais.
Desde já exigimos a
independência e a autonomia desta Agencia, e que tenha força institucional para
cumprir suas atribuições de garantia da segurança da população, do trabalhador
e do meio ambiente, com a subordinação das empresas do setor como a
Eletronuclear, a INB e a CNEN. E mais: que funcione sob rigoroso controle
social, popular. Para nós, o objetivo principal da Agencia e de suas
competências, conforme preconizado pela Convenção Internacional de Segurança
Nuclear, é a desvinculação das atribuições de licenciamento e fiscalização das
demais atividades da CNEN, onde atualmente há a convivência com a promoção de
pesquisas, desenvolvimento de tecnologia, prestação de serviços, produção de
radioisótopos, etc.
3)
Temos consciência das pressões para o
engessamento desta Agência, e não desejamos que ela nasça como tantas outras
que sucumbiram e foram “capturadas pelo mercado”. Os operadores das
nucleoelétricas são resistentes ao aperfeiçoamento de sistemas de segurança por
causa dos custos que isso pode acarretar. Sabem que o aumento da segurança
acaba impactando no valor do kilowatt/hora; o que pode fazer com que a usina
nuclear se torne menos viável economicamente comparada a tantas outras maneiras
de geração de energia elétrica. É tudo o que o operador da área nuclear não
quer – o operador e o construtor e quem vende o projeto, os efetivos
beneficiários desta insanidade que é a eletricidade nuclear.
Defendemos, o uso das
fontes renováveis de energia, e denunciamos a pouca importância, e mesmo o
desprezo que o governo brasileiro trata deste tema. Se recusando a participar
de organismos internacionais que promovam as fontes renováveis, em particular o
Sol e o vento. Como é o caso da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA),
fundada em junho de 2009, contando atualmente com 115 paises membros. E mais
recentemente o Clube de Renováveis (Renewables Club), criado em 1 de junho
último por iniciativa do governo alemão.
Fonte abundante, distribuída,
gratuita, inesgotável, com potencial enorme, o Brasil é privilegiado. Mas o que
se constata é que os planejadores a desprezam completamente. Aqui cabe,
portanto ao Congresso Nacional a aprovação das iniciativas legislativas
de regulamentação da produção e comercialização de energias renováveis, em
particular da energia solar.
Defendemos, a descentralização da produção e
do uso de energia diminuindo o desperdício e a emissão de gases que provocam
aquecimento e mudanças climáticas. Na região em que há menos insolação no
Brasil, ela é superior quatro vezes à da Alemanha, que é líder na produção
descentralizada de energia solar. Exigimos respeito e reconhecimento da
capacidade energética do Sol que incide sobre todo o Brasil, exigindo que nossa
política energética seja essencialmente solar, complementada pela eólica, ambas
descentralizadas e com participação da comunidade. Com isso, o Brasil entrará
verdadeiramente no rol dos países que lideram as mudanças que a Terra está
exigindo.
E para finalizar, conclamamos a todas e todos
a se posicionarem contra a energia nuclear, e se juntarem ao Movimento por uma
Nova Política Energética (http://fmclimaticas.org.br/ver_desc.php?id_noticias=599),
lançado em maio último, em Brasília, e subscrito por mais de 50 organizações,
entidades e pesquisadores.
_______________________
* Apresentado na Audiência
Pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, ocorrida em
25/6/2013 na Câmara dos Deputados.
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