quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Tudo por dinheiro (1)

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Em recente visita a microrregião de Itaparica, aos municípios de Floresta, Belém do São Francisco, Petrolândia e Itacuruba, pude constatar, a completa falta de informação das respectivas populações sobre a provável instalação de uma usina nuclear na região.

A visita, que contou com o apoio da Diocese de Floresta através do Movimento Cultura de Paz, teve o objetivo de levar informações sobre a energia nuclear, a radioatividade, os efeitos da radiação, o que é uma usina nuclear e como funciona, os riscos de acidentes e a situação desta fonte energética no mundo e no Brasil. Além de haver uma discussão sobre outras fontes de energia, em particular aquelas encontradas na natureza, que poderiam atender a demandas energética destas populações.

Foram realizadas Rodas de Dialogo nos quatro municípios com a presença de educadores, religiosos, políticos, representantes da sociedade civil organizada, movimentos de jovens, representantes de grupos quilombolas e indígenas. Amplo material de divulgação foi distribuído aos participantes, desde cartilha explicativa, cordéis, e-books com artigos sobre a questão nuclear e panfletos.

Como resultado das Rodas de Dialogo foram definidos em cada cidade, ações que serão desenvolvidas no intuito de mais e mais pessoas se incorporarem ao debate sobre a instalação da usina nuclear. Assunto de grande importância para o destino dos moradores das cidades e do campo daquele território.

O trabalho planejado durante estes reuniões se dará essencialmente na divulgação pelas redes sociais, em ações nas escolas estimuladas pelos educador@s, na distribuição de material informativo aos membros das associações de moradores, associações de pescadores, comerciantes, nas aldeias indígenas e nas comunidades quilombolas. O que se espera de toda esta movimentação é que as populações se envolvam neste debate, e como resultado, formem opinião sobre a decisão unilateral tomada de se instalar a usina nuclear. Espera-se que sejam ouvidos, e tomem em suas mãos a responsabilidade de aceitarem ou não esta instalação industrial para produzir energia elétrica. O que não se pode mais aceitar e nem admitir são que decisões sejam tomadas à revelia, sem a participação dos principais interessados.

Por outro lado nestas reuniões, o que era esperado aconteceu. Mesmo convidado à classe política não esteve presente, e quando alguns de seus membros compareceram, foi de maneira não participativa nos debates. O que se percebe nesta atitude é que fogem da discussão pública. Evitam se comprometerem, e nem emitem suas opiniões publicamente. Todavia, à surdina, conspiram para a vinda da usina nuclear para a região, apoiando interesses pessoais em detrimento do interesse público, da coletividade, das comunidades.

Também nesta viagem, tornou mais claro o interesse econômico envolvido com a construção da usina nuclear no município de Itacuruba. A área pré-selecionada a beira do rio São Francisco possui diversos proprietários em todo seu entorno. A maior propriedade em extensão pertence a parentes do ex-prefeito de Itacuruba,. Estivemos com um dos outros proprietários de terras na região (possui uma gleba de 130 ha), que nos informou já ter sido procurado pelo ex-prefeito interessado em comprar suas terras, como também de outros proprietários que teriam sido procurados para este fim.

Verifica-se nesta movimentação o interesse de tornar-se o único proprietário das terras, e  assim poderem ser negociadas, e muito bem indenizadas pelo governo federal, caso a usina nuclear seja implantada na região. Também para valorizá-las, o ex-prefeito na sua gestão, obteve recursos do Ministério da Integração Nacional/Codevasf para a implantação  e pavimentação de uma rodovia vicinal até estas terras, chegando bem próximo a fazenda Jatinã (local pré selecionado para a implantação da usina nuclear). Esta rodovia, um trecho da PE 422, atravessa terras da aldeia Pankará e comunidades quilombolas, Por exigência da comunidade indígena, licenças para esta rodovia nunca foram apresentadas, e as obras foram paradas. Os recursos públicos destinados para esta rodovia foram de R$ 13.488.205,55.

O discurso proferido por este político na defesa intransigente da usina nuclear, caminha no sentido que a usina trará impactos econômicos importantes para a região, e como consciência, o desenvolvimento e o progresso tão almejado pelos habitantes. Este discurso, recorrente, já que utilizou os mesmos argumentos quando prometeu e não cumpriu o Observatório de Itacuruba (http://www.debatesculturais.com.br/observatorio-de-itacuruba-uma-obra-inacabada/), aponta na geração de emprego e renda para a população. Todavia, esconde de fato o mero interesse pessoal, em detrimento ao da coletividade, que sofrerá os impactos e o estigma que esta construção trará aos moradores do seu entorno.

Em verdade, o que tem movido a defesa desta obra na região, por alguns que exerce grande influencia junto às populações pelo fato ocuparem (ou já ocuparam) cargos públicos na política local, são os benefícios financeiros que receberão com a implantação desta obra.

Esta situação se verifica quando defensores do modelo predatório de desenvolvimento em curso no Estado, com obras como da instalação de uma indústria de petróleo e gás, termoelétricas a combustíveis fósseis, construção de estaleiros, de indústrias altamente poluentes no Complexo de Suape; locupletam-se financeiramente.  Afinal é tudo por dinheiro.

domingo, 25 de agosto de 2013

Agropecuária Jayro não paga horas “in itinere” e persegue trabalhadores que reclamam na Justiça do Trabalho em Presidente Figueiredo(AM)

A Direção do Sindicato dos Trabalhadores nas Industrias de Alimentação do Estado do Amazonas - SINTAM, vai denunciar ao Ministério Publico do Trabalho a empresa Agropecuária Jayoro subsidiária da Coca Cola que atua no ramo sucroalcooleiro no Município de Presidente Figueiredo(AM), por perseguição aos trabalhadores que recorrem a Justiça do Trabalho para que a mesma pague a hora “in itinere” previsto na Lei.

A hora “in itinere” é o tempo que o trabalhador gasta em deslocamento da cidade de Presidente Figueiredo até ao seu local de trabalho, é um direito fruto de construção jurisprudencial e consagrado pelo artigo 58, §§ 2º e 3º, da CLT, está ligado a três critérios que fundamentam a extensão e limites da jornada de trabalho: tempo efetivamente trabalhado para o empregador; tempo à disposição do empregador (ampliativa, portanto); e o próprio tempo “in itinere”, que engloba as duas anteriores, consubstanciando-se no período em que o obreiro despende no trajeto ida-e-volta para o local de trabalho.

De acordo com o Sindicato a empresa por deliberação da sua Diretoria, não paga esse direito aos seus trabalhadores, o que configura 'fraude a legislação trabalhista', cientes desse direito os trabalhadores estão batendo a porta da Justiça do Trabalho em Figueiredo para assegurar que a Jayoro cumpra esse preceito legal, no entanto, a empresa para intimidar e pressionar os demais trabalhadores a não ajuizarem essa demanda, promove a demissão sumaria dos que estão ajuizando, num flagrante Crimes Contra a Organização do Trabalho (Art. 197 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça: I - a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias, Artigo 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho), todos do Código Penal –  CP.  


Para o Sindicato essa pratica coercitiva da empresa Jayoro, vem prejudicando em muito os trabalhadores da categoria e como a mesma não aceita  incluir no Acordo Coletivo de Trabalho, e, por ela insistir em coagir com demissão os empregados que reclama na Justiça do Trabalho, a Direção do Sindicato já está reunindo o documental necessário para denuncia ao Ministério Publico do Trabalho – MPT, para que o mesmo instaure os devidos procedimentos no sentido de garantir as horas “in itinere” a todos os trabalhadores da Jayoro, bem como o direito de reclamar a Justiça do Trabalho sem ser penalizado com demissão como a empresa vem fazendo. 

Por se tratar de Crime contra a Organização do Trabalho, o setor jurídico do Sindicato estuda a possibilidade de ajuizar uma ação que busque a reparação desse flagrante delito tipificado na decisão da Diretoria da Jayoro em fraudar a legislação trabalhista. Vale ressaltar que a empresa já foi condenada pela Justiça Federal na Ação n° 2009.32.00.009412-5 – 3ª Vara Federal do Amazonas, pela não implantação do PAS – Plano de Assistência Social, fato que configura a disposição da Diretoria da Jayoro em não cumprir normas e Direitos que os seus empregados fazem jus. 

A língua que somos

José Ribamar Bessa Freire
25/08/2013 - Diário do Amazonas

Paca, tatu, cotia sim. Esses e outros bichos desconhecidos na Europa foram encontrados no litoral brasileiro e na Amazônia pelos portugueses, que tomaram emprestado das línguas indígenas os nomes de animais, peixes, plantas, práticas culinárias, tecnologias tradicionais e formas de fazer as coisas.

Mas, por outro lado, os portugas trouxeram um mundo de coisas novas que não existiam aqui: enxada, machado de ferro, papel, catecismo, bíblia, pecado, cupidez, padre, soldado, pólvora, canhão e até animais como vaca, cavalo, cachorro, galinha. Com as coisas, trouxeram os nomes das coisas.

A língua portuguesa e as línguas indígenas, através de seus falantes, ficaram se esfregando e se roçando uma nas outras, num intenso troca-troca. Esse atrito, que a sociolinguística chama de línguas em contato, configurou o português regional e marcou os idiomas indígenas, um dos quais serviu de base para o Nheengatu, a língua que durante séculos organizou a comunicação entre todos.

Essas questões foram discutidas segunda-feira passada na Universidade Federal do Amazonas numa palestra sobre a História das Línguas na Amazônia organizada pelo Programa de Pós-Graduação em História e ministrada por este locutor que vos fala.

Trata-se da história do casamento do pirarucu com o bacalhau. Um, de cabeça chata e ossificada, mora nas águas quentes dos rios da Amazônia. O outro vive na Europa, nas águas frias do Oceano Atlântico, mas ninguém viu sua cabeça, apenas um velho de Gafanha da Nazaré, no Aveiro, que é mudo e não pode descrevê-la. Não foi um casamento fácil porque o casal, que morava na casa de Noca, manteve relações assimétricas, conflitivas, tensas, de dominação e exploração.

É como no fado tropical de Chico Buarque: avencas na várzea, alecrins no igapó, pupunha no Alentejo, tucumã no vale do Mondego, o rio Amazonas que corre trás-os-montes e numa pororoca deságua no Tejo. Nós somos os filhos dessa união. embora haja quem queira negar tal filiação, fruto de empréstimos de lá pra cá e daqui pra lá.

Os empréstimos

O Nheengatu, “uma das línguas de maior importância histórica no Brasil”, foi a língua majoritária da Amazônia durante todo o período colonial, estendendo sua hegemonia até a primeira metade do século XIX. Manteve contato permanente, através de seus falantes, com outras línguas indígenas e com o português, o que deixou marcas e influências mútuas bastante significativas. Numa amostra registrada por Aryon Rodrigues, 46% dos nomes populares de peixes e 35% dos nomes de aves na língua portuguesa falada no Brasil são oriundos do Tupinambá.

O Nheengatu, que também não ficou congelado, fez vários tipos de empréstimos. Um deles foi substituir palavras próprias por seu correspondente em português, como no caso de ipéca que cedeu lugar a pato. Outro foi fazer adaptações fonéticas de termos que designavam conceitos, funções e utensílios novos: cavalo em português deu cauaru em nheengatu; cruz virou curusu; soldado, surára; calça ou ceroula, cerura; porco, purucu; livro libru ou ribru; papel, papéra, e amigo ou camarada deu camarára.

Mas não parou aí. O Nheengatu ampliou ainda o valor semântico de palavras do seu léxico para dar conta da nova realidade colonial, nomeando com nomes tupis certos elementos desconhecidos dos índios, mas com os quais é possível estabelecer analogias: assim boi e vaca foram denominados de tapir (anta); cachorro passou a ser iauára (onça); vinho foi chamado de cauín e tesoura de piranha. Mas se boi e vaca são denominados de tapir, como chamar, então, a anta? Ela virou tapireté assim como a onça ficou iauareté, acrescentando a partícula eté, que significa verdadeiro, legítimo, genuíno.

Durante dois séculos e meio, índios, mestiços, portugueses e escravos africanos trocaram experiências e bens nessa língua que se firmou como língua supraétnica, difundida amplamente pelos missionários por meio da catequese. Denominada de Língua Geral Amazônica pelos linguistas para diferenciá-la da Língua Geral Paulista, ela é hoje bastante usada no Rio Negro. Graças a um projeto do vereador indígena Kamico Baniwa, foi declarada,em 2002, língua cooficial em São Gabriel da Cachoeira (AM), um município com área maior que Portugal, onde são faladas 22 línguas.

Identidade

Dados sobre a história das línguas na Amazônia estão dispersos em arquivos nacionais e europeus. No Arquivo Histórico do Exército, no Rio de Janeiro, no fundo intitulado Guerra do Paraguai, existe troca de correspondência com o presidente da Província do Amazonas, em 1865, sobre o envio de recrutas para a Corte, além de relatórios de interrogatórios feitos a prisioneiros paraguaios e mapas do 54º Batalhão de Voluntários da Pátria que possuía uma Companhia de Índios.

A documentação da Guerra do Paraguai registra notícias de 'voluntários' do Amazonas, monolíngues em Nheengatu, cujo recrutamento criou uma situação no mínimo insólita, com consequências sobre as marcas identitárias étnicas e nacionais: muitos soldados amazonenses, pertencentes ao 5º Batalhão de Infantaria, que sequer podiam entender as ordens em português do seu comandante, morreram nos campos de batalha do Paraguai, como 'voluntários da Pátria', falando uma língua, compreendida pelo inimigo, mas desconhecida em sua própria trincheira.

Do outro lado, havia situação similar com soldados paraguaios, monolíngues em guarani criollo, alguns dos quais foram feitos prisioneiros de guerra, e só puderam ser submetidos a interrogatório com ajuda de soldados amazonenses, bilíngues em Língua Geral-Português, que funcionaram como intérpretes e tradutores devido à proximidade das duas línguas.

A partir da Guerra do Paraguai, o Nheengatu começa a perder falantes, cessa a sua hegemonia no Amazonas, fica limitado ao Rio Negro e a bolsões no Alto Solimões. Outras línguas indígenas desapareceram sem deixar qualquer vestígio e quando uma língua que não foi documentada deixa de ser falada, é como se nunca tivesse existido. As cidades da Amazônia, entre elas Manaus e Belém, foram cemitérios de línguas indígenas, lá estão sepultados os últimos falantes de várias línguas extintas.

Todos nós devemos nos preocupar com as línguas que estão morrendo, da mesma forma que nos afligimos quando desaparece uma espécie animal ou vegetal, porque “isso reduz a diversidade do nosso planeta”. A diversidade cultural, intelectual e linguística é tão vital para a sobrevivência da espécie humana quanto à diversidade biológica - escreve o linguista irlandês David Crystal no seu livro "A revolução da linguagem”, onde apresenta algumas estratégias para revitalizar línguas em perigo de extinção.

Uma delas é justamente discutir o assunto nas escolas e na mídia, traduzindo a produção da academia para uma linguagem acessível ao grande público, com o objetivo de criar uma consciência planetária sobre a importância de preservar a glotodiversidade.

- A história da América - escreve Bartomeu Meliá - é também a história de suas línguas, que temos de lamentar quando já mortas, que temos de visitar e cuidar quando doentes, que podemos celebrar com alegres cantos de vida quando faladas.

O processo de deslocamento linguístico na Amazônia mexeu com a nossa identidade e memória. Esquecemos que esquecemos o Nheengatu, mas o conhecimento dessa trajetória é essencial, porque como nos ensina Braudel, "a condição de ser é ter sido". É isso: nós somos as línguas que fomos.

P.S. 1 - A trajetória do Nheengatu é descrita no livro de minha autoria Rio Babel - a história das línguas na Amazônia (2011, 2a. edição) e no artigo Da Fala Boa ao Português na Amazônia Brasileira, publicado na revista Ameríndia da Universidade de Paris VII (1983) e, posteriormente, na revista Amazônia em Cadernos (2000)do Museu Amazônico. Agora, o artigo foi traduzido ao Nheengatu e publicado nesta língua pela Editora da Universidade do Amazonas, no livro monolíngue organizado por Gilvan Muller e Mauricio Adu Schwade intitulado Yẽgatu Resewa (2012).

P.S. 2 - Em Manaus, participei da banca examinadora da dissertação "Soldados da Borracha: das vivências do passado às lutas contemporâneas" do mestrando Frederico Alexandre de Oliveira Lima, ao lado de Luiz Balkar Sá Peixoto Pinheiro (orientador) e Patrícia Rodrigues da Silva.

Foto de Sérgio Freire de Souza

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