ESCRITO POR VALÉRIA NADER, DA REDAÇÃO
Correio da Cidadania, janeiro de 2013
O ano de 2013 começa bastante embaraçado.
Olhando para fora, como amplamente avaliado na edição especial
retrospectiva deste Correio, este ano se inicia sob a persistência e
intensificação da crise econômica mundial, que se arrasta desde a sua eclosão
entre 2007 e 2008. Uma crescente perda de autonomia nacional, através da
ingerência de órgãos supranacionais, tais como Banco Central Europeu, União
Europeia, FMI, Banco Mundial, é a face mais visível dessa crise, face a
movimentos de resistência que não têm conseguido ultrapassar propostas cosméticas
de enfrentamento da crise capitalista.
Internamente, 2013 começa à sombra do que se pode concluir serem
duas categorias de acontecimentos do ano anterior. Por um lado, aqueles que
apenas reforçaram mais do mesmo, tais como a criminalização e repressão de
movimentos sociais em um ano marcado por fortes protestos populares. Por outro
lado, fatos como o chamado mensalão e os resultados das eleições municipais
trouxeram à cena política situações que, para muitos, pareceram inusitadas e
peculiares.
Ao mesmo tempo, como ressalta o Editorial desta edição
prospectiva, não se pode pensar em 2013 sem levar em conta 2014 – ano de Copa e
eleições presidenciais. Episódios que certamente farão retroagir para 2013 a
inevitável pressão que exercerão sobre os orçamentos públicos e os direitos
sociais.
O historiador Mário Maestri é o nosso entrevistado para esta
edição especial prospectiva. Em sintonia com a voz geral dos colunistas e
colaboradores desta edição, o historiador faz eco à noção de que, no plano
interno, a grande aposta para 2013 é a retomada do investimento privado - que
foi uma grande decepção em 2012, ano no qual se apresentou de modo cabal a
desindustrialização do país. Segundo avalia Maestri, “no início do governo
Dilma Rousseff, devido ao perigo inflacionário, aumentaram-se os juros,
negou-se qualquer aumento dos salários públicos e mínimo e cortou-se o
orçamento. A presidenta foi aplaudida pelo conservadorismo pela nova forma de
governar, diferenciada do populismo lulista. Com a regressão da economia, inverteu
o passo: retomou o programa de gastos públicos, desonerou segmentos da
produção, exportação e comércio, com forte incidência nos ingressos públicos
(...), empreendeu desvalorização
relativa e limitada do real (...), impulsionou lentamente a queda da taxa
básica de juros (Selic) para 7,25%”.
O que, no entanto, ressalta como essencial das avaliações
prospectivas nesta edição do Correio é a limitação de visão estrutural e o
limitado arco de ação redistributiva nos quais se enquadram medidas tais como
as acima citadas. E que, certamente, e infelizmente, deverão dar o teor
predominante de um ano que, conforme ressaltado, será de corrida contra o tempo
em face dos eventos esportivos e eleitorais que se avizinham para 2014.
Conforme ressalta o economista Guilherme Delgado, “em resposta à
crise do crescimento externo, o sistema econômico recalibra suas estratégias de
defesa, agora cada vez menos encadeadas com uma política social distributiva e
cada vez mais concentradas com os segmentos do setor primário-exportador.
Aposta-se demasiado numa fantasia verbal – ‘o espírito animal do empresários’ –
em detrimento do argumento da igualdade social”.
No que diz respeito a uma reação mais orgânica e efetiva a esta
lógica, Maestri não se mostra otimista: “no Brasil e no mundo, grupos e
movimentos que se propõem como revolucionários afastam-se da influência do
mundo do trabalho e estabelecem espaços de colaboração com o grande capital”.
Quanto ao Brasil especialmente, são também lembrados pelo historiador os efeitos
nefastos do “lulismo”, “efeito e causa da fragilidade do movimento social
brasileiro”, assim como as consequências das políticas lulo-petistas, “que
procuram manter o controle estatal e político sobre enorme lúmpem-proletariado,
em geral jamais realmente incorporado à produção”.
Leia a seguir entrevista
exclusiva.
Correio da Cidadania: Qual a sua visão da situação
mundial, nesse início de 2013?
Mario Maestri: Vivemos sob o peso da derrota
histórica do mundo do trabalho de fins dos anos 1980, que permitiu a imposição
das políticas neoliberais nos países capitalistas e a destruição das sociedades
de economias nacionalizadas e planejadas no Leste Europeu. A vitória mundial da
contrarrevolução destruiu-recuperou partidos, organizações, sindicatos operários
e impôs aos trabalhadores a descrença no programa socialista e revolucionário
para a solução do capitalismo.
A crise cíclica de subconsumo de 2008 foi postergada pela
antecipação/criação fictícia de renda. Quando de sua eclosão, ela vergastou
fortemente o coração tradicional do capitalismo, Estados Unidos e Europa, sem
atingir, no entanto, o mundo inteiro. A fragilidade do mundo social permitiu
radicalização do confisco de direitos (precarização do trabalho) e dos salários
(diretos e indiretos) que, na Grécia, Espanha, Portugal, Itália etc., alcançam
níveis altíssimos.
Na Europa, essa expropriação dá-se através da crescente perda de
autonomia nacional, por meio do governo do grande capital exercido por órgãos
supranacionais – Banco Central Europeu, União Européia, FMI, Banco Mundial.
Esse super-governo supranacional começa já a ser institucionalizado, em
superação tendencial das formas tradicionais da democracia burguesa.
Correio da Cidadania: Como os trabalhadores têm
resistido? Qual a importância de movimentos como o ‘Occupy’ e outros
semelhantes?
Mario Maestri: Não apenas na Europa,
movimentos de resistência à ofensiva do capital diluíram-se e diluem-se porque
os trabalhadores não vislumbram superação político-programática do caos social.
Ou seja, não lutam pela nacionalização dos bancos, da grande indústria, da
distribuição e dos serviços e, sobretudo, pela organização supranacional dos
Estados, na ótica do mundo do trabalho, programa já perfeitamente factível na
Europa.
Em sentido contrário, consolidaram-se transitoriamente propostas
pequeno-burguesas do tipo Occupy, Indignados etc., que ampliam o apoliticismo e
propõem modificações cosméticas e utópicas do capitalismo. Destaque-se a
recente primeira tentativa européia de greve geral, bastante seguida na Espanha
e na Itália, e fortemente sabotada pelo sindicalismo alemão.
Correio da Cidadania: Qual o peso, nesse processo
geral, de acontecimentos como a chamada “Primavera Árabe”, a invasão da Líbia,
a guerra na Síria?
Mario Maestri: Mantendo-se o dinamismo
econômico na China e em regiões do Oriente, fortalece-se a contradição entre os
polos capitalistas emergentes e o coração tradicional do capitalismo em crise.
O capital imperialista tradicional mobiliza-se para superar a crise de
acumulação e recuperar a hegemonia através da redução dos trabalhadores a
escravos modernos e reconfiguração da ordem mundial, em processo semelhante ao
que levou à superação da crise de 1930 com a hecatombe de 1939-40.
Essa reconfiguração mundial encontra-se em desenvolvimento através
da submissão neocolonial de regiões produtoras de energia, como o Iraque e a
Líbia, já concluída, ou o Irã e Síria, em realização.
Estrategicamente, o grande capital tradicional almeja vitória
sobre a China, para transformá-la em enorme área de consumo de mercadorias, e
sobre a Rússia, devido aos seus recursos naturais e poder militar. A submissão
da Venezuela constitui também parte dessa política de ampla abrangência. O
Brasil é peça fundamental dessa reorganização mundial.
As sublevações na Tunísia e no Egito registraram lutas populares
por melhores condições de existência, em sociedades fortemente esgarçadas pelas
políticas neoliberais. No Egito, mas também na Tunísia, os trabalhadores
desempenharam papel importante, porém, não hegemônico nas mobilizações.
A falta de uma direção operária sólida permitiu a recuperação
eleitoral daqueles movimentos pelo fundamentalismo islâmico, em clara aliança
com o imperialismo, em reconfiguração do cenário político com fortes
repercussões na Palestina. Nos últimos meses, no Egito e na Tunísia,
trabalhadores e segmentos populares enfrentam-se diretamente contra os governos
islâmico-burgueses, exigindo o cumprimento de pauta social e política.
Entretanto, essas lutas fundamentais, para a sorte do mundo, se
dão em forma isolada, com a relativa estabilização nos demais Estados da
região, sob o forte avanço do imperialismo na Líbia e, agora, na Síria. A
enorme fragilidade política e ideológica da esquerda mundial se expressa também
na escassa oposição e no literal apoio, comumente quase histérico, à submissão
neocolonial das nações agredidas por grupos políticos que se reivindicam da
revolução.
No Brasil e no mundo, grupos e movimentos que se propõem como
revolucionários afastam-se da influência do mundo do trabalho e estabelecem
espaços de colaboração com o grande capital, ao abraçarem a cínica retórica
imperialista da luta contra ordens ditatoriais naqueles países.
Correio da Cidadania: Como esse processo se reverbera
nos ditos países em desenvolvimento na América Latina e, entre eles, o Brasil?
Mario Maestri: As nações semicoloniais
respondem à ofensiva do imperialismo, segundo a força e os interesses das
classes nacionais, antagonizadas internamente. Na América do Sul, governos como
o argentino, venezuelano, boliviano, equatoriano etc. disputam, sem romper com
o imperialismo, parte dos ganhos permitidos, sobretudo, pela valorização das
commodities, sob a pressão de população que viveu surtos revolucionários
recentes, sem propor a superação da ordem capitalista, sob o peso da descrença
assinalada no seu programa.
O Brasil tem papel central no continente, pela dimensão do
território, da população, dos recursos e da economia. Porém, é enorme o
atraso-fragilidade histórica do seu movimento social. No passado, o peso do
escravismo e o pacto nacional-unitário das classes dominantes para defendê-lo
(1822) consolidaram a fragilidade das classes subalternizadas. Apenas em 1888,
dezessete anos após a Comuna de Paris, chegou ao fim o trabalho escravizado no
Brasil!
No século 20, o colaboracionismo do PCB e PCdoB com a dita
burguesia progressista contribuiu para a frustração de projeto autonômico entre
os explorados. Nos anos 1950, a burguesia industrial abandonou projeto de
autonomia nacional, para melhor manter o domínio sobre os trabalhadores,
aceitando submissão crescente ao imperialismo. A partir de 1964, sob o tacão da
ditadura militar, o mercado externo superou o interno como principal espaço de
realização da produção nacional, reduzindo-se a participação relativa da
população na renda do país.
Por alguns anos, o PT e a CUT avançaram o programa classista e
tendencialmente anticapitalista, antes de serem domesticados, cada um ao seu
modo e grau, sob a ação deletéria da maré neoliberal e dos golpes da
reestruturação da produção nos anos 1980 e 1990. No início do novo milênio, o
grande capital entregou o governo do país a Lula da Silva e à direção
social-liberal petista, no final do ciclo depressivo da economia nacional.
Em 2002-2008, anos dourados do capitalismo, de forte valorização
das commodities, o lulismo-petismo consolidou sua submissão ao capital e ao
imperialismo. Essa submissão registrou-se nas baixas taxas de expansão da
economia e de distribuição direta e indireta da riqueza do Brasil, as menores
dos países ditos emergentes. Submissão permitida pela fragilidade política e
orgânica dos trabalhadores, consolidada e ampliada pelos governos petistas.
Correio da Cidadania: Talvez por isso, os anos Lula
sejam avaliados como de forte desmobilização social, através de hegemonia
fortalecida por benesses sociais superficiais.
Mario Maestri: O lulismo é efeito e causa da
fragilidade do movimento social brasileiro. Ele prosseguiu as privatizações
diretas e indiretas, com destaque para o petróleo, aeroportos, portos,
ferrovias etc., e manteve a sangria de capitais por pagamento de juros,
dividendos, royalties... Essa política assegurou-lhe a benevolência e o apoio
do grande capital. Ocupado em outras regiões do mundo, o imperialismo lhe
subempreitou igualmente a neutralização do chavismo, a ocupação do Haiti etc.
Nos governos lulo-petistas, manteve-se e se ampliou a captação
relativa e absoluta de sobre-trabalho, através da expansão do emprego, no geral
de baixa qualidade, e a manutenção relativa do arrocho salarial, com
remunerações médias em torno de um salário mínimo e meio. Devido aos escassos
investimentos, prosseguiu a degradação geral das infraestruturas e serviços
públicos na educação, saúde, segurança, lazer, saneamento e meios viários.
Esse processo foi acompanhado pela cooptação estatal de partidos,
sindicatos, centrais e dirigentes sociais, através da remuneração milionária
dos parlamentares; da licença à corrupção; de imposto e prebendas sindicais; de
remuneração focalizada em segmentos organizados do movimento popular – cotas
raciais; indenização de presos políticos; ONGs; fundos de pesquisa e cultura
etc.
Nessa cooptação social, desempenhou forte papel a distribuição de
renda pelo governo entre setores mantidos à margem da produção ou vivendo fortemente
do nível médio de subsistência. Uma política que procura manter o controle
estatal e político sobre enorme lúmpem-proletariado, em geral jamais realmente
incorporado à produção.
Correio da Cidadania: Como o senhor vê a esquerda
brasileira, no contexto das políticas e das medidas trabalhistas, sindicais e
sociais dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff?
Mario Maestri: No contexto de longos anos de
colaboracionismo e desmobilização social e forte metamorfose da sociedade,
partidos e movimentos como o PT, PCdoB, PSOL, PSTU, MST etc., que no passado
propuseram organizar a luta dos trabalhadores e do movimento social, viveram
modificações profundas. Essa metamorfose produziu estranhos monstrengos, como a
transformação de Aldo Rebelo, deputado comunista, em queridinho da Kátia Abreu
e defensor do latifúndio, dos transgênicos e do agronegócio!
A política de submissão ao capital internacional, no contexto da
expansão das exportações das commodities, associou elevadas taxas de juro,
valorização perversa do real, crescente desnacionalização da indústria,
regressão relativa da industrialização, em favor do agronegócio, dos interesses
mineradores etc. Nos anos 1970, o peso da indústria de transformação no Brasil
era pouco mais de 30%; hoje está abaixo dos 20%.
Correio da Cidadania: Neste contexto, o que pensa da
conduta do governo Dilma na condução da política econômica interna, sobretudo
no que diz respeito ao caráter das medidas tomadas para evitar uma
desaceleração ainda maior da economia?
Mario Maestri: A manutenção das exportações de
commodities amorteceu relativamente os efeitos da crise mundial no Brasil,
apresentados pelo governo como fenômeno patológico chegado do exterior. Essas
sequelas foram combatidas com liberalidades para o sistema bancário; por
enormes renúncias fiscais; por subvenção do crédito para a indústria; pela
expansão de modalidades de crédito popular etc. Através dos bancos públicos,
estendeu-se o crédito por muito acima da expansão da economia, em indiscutível
produção de renda fictícia.
Dilma Rousseff avançou um pouco mais o neodesenvolvimentismo
lulista, mantendo o tradicional respeito canino às exigências do grande capital
financeiro: câmbio livre, expatriação de juros e dividendos, livre entrada e
saída de capitais, privatização dos bens públicos, internacionalização da
economia e abertura do petróleo ao capital internacional. Serviu-se e segue
servindo-se de medidas erráticas e contraditórias, ao sabor dos acontecimentos.
No início do governo Dilma Rousseff, devido ao perigo
inflacionário, aumentaram-se os juros, negou-se qualquer aumento dos salários
públicos e mínimo e cortou-se o orçamento. A presidenta foi aplaudida pelo
conservadorismo pela nova forma de governar, diferenciada do populismo lulista.
Com a regressão da economia, inverteu o passo: retomou o programa de gastos
públicos, desonerou segmentos da produção, exportação e comércio, com forte
incidência nos ingressos públicos.
Com a forte desindustrialização da economia nacional e
correspondente crescimento das importações, empreendeu desvalorização relativa
e limitada do real, para detê-la a seguir. Com a depressão econômica,
impulsionou lentamente a queda da taxa básica de juros (selic) para 7,25%, sem
jamais a colar à inflação, nem avançar tabelamento real e geral dos juros
praticados no país.
Ainda que medíocre em relação aos países ditos emergentes, a
expansão da produção dos últimos anos reduziu o desemprego, permitiu recuperação
parcial e tímida dos salários, ampliou a formalidade do emprego, mesmo
relativamente. Em forma paradoxal, aprofundou a rotatividade do trabalhador
como estratégia de conquista individual de melhores salários. No contexto da
enorme despolitização e do monopólio da mídia, a expansão vegetativa da renda
popular tem garantido ao governo altas taxas de apoio.
Sob o lulismo, o salário mínimo teve uma recuperação relativamente
maior, mantendo-se, porém, fortemente abaixo do mínimo necessário para a reposição
normal da força de trabalho, sobretudo em sociedade dominantemente urbanizada e
com forte socialização. Em verdade, não superou em muito o aumento da
produtividade do trabalho. Manteve-se, portanto, a forte exploração geral dos
trabalhadores, em favor do capital nacional e internacional.
Correio da Cidadania: O ano de 2012 foi de embate
para várias categorias públicas e privadas. O que teria a dizer quanto ao atual
patamar das lutas trabalhistas e sindicais?
Mario Maestri: O passado crescimento do emprego,
em geral de baixa qualidade, fortaleceu a capacidade de barganha dos
trabalhadores, sobretudo dos setores especializados e semiespecializados. A
partir de 2008, o movimento grevista cresceu em qualidade e quantidade, com
destaque para os anos 2011 e 2012. Em
2011, tivemos 554 greves contabilizadas – 24% a mais do que em 2010.
Destacaram-se as greves espontâneas da construção civil, sobretudo
nas grandes obras do PAC. Em geral, movimentos contra situações de trabalho
semi-servil, registrando a verdadeira ditadura do capital no Brasil. As greves
foram comumente reprimidas pelas forças policiais e pela ação dos sindicatos e
centrais. Nas greves de 2011, destacaram-se a qualidade da luta e a vitória dos
trabalhadores da Volks paranaense.
Em 2012, com a manutenção do emprego, aceleraram-se as greves no
setor privado e público, federal e estadual. Novamente, destacaram-se as
paralisações na construção civil. O setor público estadual conheceu duros
movimentos das polícias militares, dos bombeiros e dos trabalhadores da saúde e
da rede pública de ensino.
Destacaram-se as greves nacionais dos Correios, bancários e a
enorme paralisação dos funcionários públicos federais, mais de 350 mil
grevistas, com destaque para os professores universitários, que se encerraram,
no geral, com a concessão de reajuste, em três anos, que sequer supera a
inflação esperada.
Em geral, essas lutas mantiveram-se isoladas e voltadas sobre si,
obtendo, quando muito, tímidas vitórias. Frustração devida em boa parte à
colaboração da burocracia dos sindicatos e das centrais, que preferiram não
enfrentar o capital e o governo para manter posições e privilégios. A forte
greve dos metroviários de São Paulo foi abortada pela direção um dia após a
eclosão.
Em nenhum momento as direções das centrais sindicais avançaram
objetivamente a pauta de reversão mínima da correlação de forças em favor do
mundo do trabalho: reajuste substancial do salário mínimo; retorno da
estabilidade no trabalho; diminuição da jornada de trabalho sem redução do
salário; liberdade plena do direito de greve; fim da redução tendencial das
aposentadorias etc.
Correio da Cidadania: O ano de 2012 foi também de
eleições municipais. O que os resultados dos pleitos enunciaram, a seu ver,
quanto às forças políticas do país?
Mario Maestri: A fragilidade do mundo do
trabalho expressou-se na enorme despolitização das eleições municipais, nas
quais o bloco governista saiu vencedor, com redistribuição interna das
posições, avançando em número de vereadores o PSB e o PT, recuando o PMDB. No
geral, a direita tradicional (PSDB, DEM) recuou, sem se desorganizar.
A dessemantização final do PT foi registrada pela vitória do
candidato de Lula da Silva para a prefeitura de São Paulo, abraçado ao
malufismo; na humilhação eleitoral de Porto Alegre, a cidade símbolo da outra
forma de governar; na vitória em apenas quatro capitais, menos do que as cinco
do PSB, registro da perda do consenso do eleitor mais consciente.
O avanço e a consolidação de siglas fisiológicas e de aluguel (PT
do B, PRTB, PTC, PSC etc.), que elegeram milhares de vereadores e centenas de
prefeituras, foram fenômenos pouco assinalados nas passadas eleições e registro
da despolitização crescente do país.
Avançou significativametne o número de vereadores e de prefeitos
declaradamente evangélicos. Fortalecida pelas importantes metamorfoses
conhecidas pela sociedade, essa corrente político-ideológica impõe fortemente
sua pauta conservadora ao parlamento e ao executivo, com o apoio do capital.
A votação de Russomanno para a prefeitura de São Paulo aponta a
possibilidade de, em médio prazo, prefeitos de capitais, governadores de
estados e, quem sabe, algum dia, presidente da República, declaradamente
evangélicos. Não há resistência à maré evangélica pela esquerda operária e
democrática. Há poucos anos, a ex-senadora Heloísa Helena concorreu à
presidência apoiada por partidos de esquerda, negando-se a defender, devido a
suas convicções fundamentalistas, parte do programa democrático da sociedade.
Os fundamentalismos evangélico e católico romano impuseram aos
governos petistas de Lula da Silva e, sobretudo, de Dilma Rousseff a crescente
legalização do escorcho da população alienada e a sua pauta social-obscurantista
(oposição à interrupção voluntária da gravidez; direito de matrimônio civil
para todos; legislação e ensino anti-homofóbicos; caráter laico do Estado
etc.).
Foram pífios os resultados da esquerda não governista, no geral
sob o império do eleitoralismo. O PSOL aumentou seus vereadores de 25 para 49,
abraçando-se em Belém e Macapá, onde tinha esperança de vitória, ao PCdoB, PPS,
PV, PMN, PTC e PRTB, com programa codinzente às alianças.
Em Belém, concorreu com candidato já duas vezes prefeito pelo PT!
No segundo turno, nessa cidade, contou com a presença de Lula da Silva e Dilma
Rousseff na propaganda eleitoral oficial. Para a vitória em Macapá, o condidato
derrotado do DEM e outras facções da direita regional deram uma mãozinha para
sustentar o andor eleitoral psolista, em contubérnio jamais visto, aprovado e
elogiado pela direção nacional daquele partido.
Após quase 35 anos de sua implantação no Brasil como Liga
Operária, o PSTU repetiu seu tradicional jejum eleitoral. Mesmo assim, soltou
fogos de artifício, pois passou de nenhum vereador para dois, um deles eleito
em Belém, no trenzinho eleitoral do PSOL, justificado pomposamente pela direção
nacional. O PCB teve queda de 13 para 5 vereadores.
Nessas eleições, um dos partidos mais votados foi o anti-eleitoral,
conquistando o voto nulo, branco e a abstenção quase 36 milhões de eleitores.
Ou seja, praticamente 26% dos votantes não votaram, sem ser tal proposta
defendida por qualquer agremiação política, à exceção de pequenos núcleos
anarco-sindicalistas e marxista-revolucionários sem maior audiência
Correio da Cidadania: O ano de 2012 foi ainda
incontestavelmente marcado pelo chamado Mensalão. Quais as lições e
decorrências que emanam desse episódio?
Mario Maestri: Certamente o grande
acontecimento político de 2012 foi o julgamento do Mensalão. Apesar de não ter
rendido os dividendos eleitorais esperados, ele mostrou-se como operação de
amplo fôlego da direita orgânica brasileira, com repercussões e sequelas ainda
difíceis de prever.
O Mensalão foi parido pela ilusão petista de que tudo lhe seria
permitido, desde que ao serviço do grande capital. Embriagada pelo poder, a
direção petista não compreendeu que o capital lucrava com Lula da Silva e o PT
no governo, como lucraria igualmente ao jogá-lo na valeta da corrupção,
achincalhando não o que é ele hoje, mas o que significou no passado.
O julgamento do Mensalão tem igualmente explicitado a disputa sem
princípios no interior do PT, entre o dilmismo, apoiado hoje pelo grande
capital, e a proposta de retorno do lulismo, em 2014, apoiada no aparelho
petista, no qual a presidenta aterrissou tardiamente sem jamais integrá-lo.
Após a sucessão de quedas ministeriais do primeiro ano de governo,
Dilma abandonou totalmente os mensaleiros petistas e o próprio PT, facilitando,
através da operação Porto Seguro, da Polícia Federal, o ataque direto a Lula da
Silva, já fragilizado pela luta contra o câncer.
Para domesticar qualquer ensaio de resistência do aparato petista,
a presidenta acenou com o eventual, mas pouco provável, retorno ao PDT,
enviando como vanguarda o ex-marido, que encontra naquele partido a oposição de
Carlos Lupi, ex-ministro do Trabalho, presidente nacional do PDT, aliado de
sempre do lulismo, por ela defenestrado.
Na arapuca política em que caiu o núcleo histórico do PT, a grande
surpresa foi Joaquim Barbosa. Histriônico e pouco equilibrado,
hiper-midiatizado como o “novo caçador de corruptos”, o juiz serviu-se do
julgamento para tentar exorcizar a pecha de menino de recados do petismo e cotista
excelente de Lula da Silva no STF, insuportável para sua conhecida vaidade.
Teleguiado pela grande mídia, Joaquim Barbosa comandou torção da
lei com condenações por convicção que descartam a necessidade de provas
materiais. Dirigiu, igualmente, a tentativa de transformar o STF em superpoder,
capaz de depor deputados e senadores e, quem sabe, proximamente, governadores e
presidentes! Transformou-se em trunfo político eventual da direita e em literal
e mina vagante no STF, por longos anos. Joaquim Barbosa foi apenas mais um
registro da improvisação e aproximação administrativa do PT no governo federal.
Correio da Cidadania: Podemos esperar um ‘saco de
maldades’ governamentais em 2013, para ‘sanear’ o orçamento a ser aliviado em
2014, ano da Copa e das eleições presidenciais?
Mario Maestri: O ano de 2013 deve ser de
fortes investimentos públicos e renúncia fiscal, para contrabalançar a provável
fraca atividade econômica, que pode se aprofundar no caso de recuo da economia
chinesa. Vai certamente prosseguir o arrocho salarial da área pública e se
fortalecer a tendência a uma ainda maior intransigência patronal na área
privada. Tudo isso em ciclo expansivo da atividade grevista. As escassas
concessões da administração Dilma Rousseff já causam tensões entre as direções
pelegas sindicais, saudosas do governo passado. Tudo aponta para que 2013 seja
um ano tenso, ainda que dificilmente positivo para o mundo do trabalho.
Correio da Cidadania: O senhor vê alguma diferença
entre Lula e Dilma em suas respectivas conduções política, econômica e social
da nação?
Mario Maestri: O grande capital entregou o
governo do país a Lula da Silva, sobretudo devido ao prestígio e ligações
orgânicas e simbólicas que ele ainda mantém com o mundo do trabalho, por ter
comandado, no passado, as greves históricas dos fins dos anos 1970 e a
construção de partido e confederação classistas e anticapitalistas nos anos
1980. Mesmo sendo hoje espectro do passado, verdadeiro gigolô de sua biografia,
Lula da Silva não pode romper totalmente os fios de Ariadne que o ligam com o
movimento social.
Dilma Rousseff foi guindada ao poder por Lula da Silva,
precisamente por não possuir vínculo com as classes trabalhadoras e populares.
Em verdade, tem poucas possibilidades de estabelecer tais vínculos e não se
interessa essencialmente por eles. Com as rédeas do governo na mão, o que lhe
permite manter sob seu controle os grandes partidos fisiológicos da base do
governo (PT, PC do B, PDT, PSB, PMDB), Dilma transformou-se em candidata ideal
do capital para 2014.
Dilma Rousseff significa para o capital o lulismo sem Lula e sem o
PT, em clara torção elitista. Entretanto, no caso de manter-se o jejum de 2012
na economia, tudo será possível em 2014.
Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da
Cidadania.
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