José Bessa Freire
Vanuire:
esse é o seu nome. Franzina, de idade indefinida, trabalhou como escrava em uma
fazenda, onde o então coronel Rondon, criador do Serviço de Proteção aos Índios
(SPI), foi buscá-la para apaziguar os Kaingang do vale do Rio Feio, invadido
pelas obras da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Ela sonhou com a paz. Subiu
numa árvore de jequitibá e, lá do alto, começou a cantar em língua kaingang, de
manhã, de tarde e de noite, durante dias, até que um acordo de paz foi
assinado. Morreu em 1918 e está sepultada em um mausoléu em Tupã (SP), onde
existe um museu com seu nome. Conquistou a paz, cantando.
Cem
anos depois, Sônia Bone Guajajara, 44 anos, da aldeia Lagoa Quieta, na Terra
Indígena Arariboia (MA), sonha um Brasil avançando pelo “caminho iluminado” da
justiça social. Seu jequitibá é o PSOL, que apresentou sua candidatura a
vice-presidente da República, na chapa com Guilherme Boulos, líder do Movimento
dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). De lá, como primeira indígena numa chapa
presidencial, ela já começou a cantar, consciente de que a paz social se
conquista com muita luta e não depondo as armas da mobilização e da organização.
A trajetória de Sônia
A
vida de Sônia Guajajara é feita de constante luta. Dos 10 aos 14 anos, cursou o
antigo ginásio na cidade de Amarante (MA), enquanto trabalhava como doméstica e
babá para manter seus estudos. Depois, com apoio da Funai, cursou o Ensino
Médio na cidade de Esmeraldas, em Minais Gerais. Lá, participou ativamente das
atividades do Grêmio Estudantil da Fundação Caio Martins e de apresentações
teatrais. Aprovada com as melhores notas, retornou ao Maranhão para cursar
Letras e Enfermagem e, depois, uma pós-graduação em Educação Especial na
Universidade Estadual (UEMA).
Mesmo
depois de casada, mãe de três filhos – Mahkai, Yaponã e Y’wara – Sônia
continuou politicamente ativa. Participou de muitas frentes de luta e foi se
firmando como liderança reconhecida dentro e fora do movimento indígena.
Durante seis anos, dirigiu a Coordenação das Organizações e Articulações dos
Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA), depois foi vice-presidente da
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), sediada
em Manaus. Finalmente, se tornou a líder da Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (APIB).
Nesta
condição, viajou por todo o Brasil, participou de caravanas à Brasília para
pressionar o Congresso Nacional reivindicando terra, qualidade de vida, meio
ambiente sadio, saúde e educação, enquanto trabalhava na Funai como auxiliar de
enfermagem nas aldeias Canudal e Zutiw’a. Na APAE cuidou de crianças
excepcionais, sendo aprovada em concurso público, primeiro como auxiliar de
enfermagem, e depois como professora.
Todos
os grandes eventos protagonizados pelo movimento indígena nos últimos vinte
anos contaram com a participação decidida de Sônia Guajajara. Ela estava
presente na Marcha para discutir o Estatuto dos Povos Indígenas, o primeiro
evento nacional em Luiziânia (GO), em 2001, e nas assembleias da COIAB em
Manaus. “Fui crescendo e aprendendo na luta” - ela diz, relatando sua atuação
nos encontros estaduais indígenas do Maranhão, no movimento de ocupação da
FUNASA, na interdição da Ferrovia Carajás-Vale, em 2005.
Sônia
foi ovacionada, em dezembro de 2015, por cerca de 1.500 índios, de 139 etnias,
participantes da I Conferência Nacional de Política Indigenista (CNPI)
realizada no Centro Internacional de Convenções de Brasília, quando cobrou, com
sucesso, da então presidente Dilma, uma posição contra a Proposta de Emenda
Constitucional que inviabilizava a demarcação de terras indígenas, a famígerada
PEC 215, defendida pela ministra da Agricultura Kátia Abreu. Três anos antes,
sob pressão dos índios, Dilma havia assinado o decreto da Política Nacional de
Gestão Ambiental e Territorial em terras indígenas.
Miss Motosserra
Depois
de ganhar projeção nacional, Sônia começou a ser conhecida em outras partes do
mundo. Em 2008 participou do Forum Permanente da ONU, em Nova Iorque, onde
defendeu que “o centro do mundo é a Amazônia, pois se acabarem com as nossas
matas, riquezas naturais, não haverá Estados Unidos ou Nova Iorque que
sobreviva”.
Teve
participação em diversos eventos internacionais. O mais conhecido deles ocorreu
em 2010, em Cancun, no México, quando pessoalmente entregou
o Prêmio Motosserra de Ouro à senadora Katia Abreu, que era a
presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), acusada
por ambientalistas de querer acabar com o Código Florestal.
É
essa Sônia Guajajara que se apresenta ao eleitor brasileiro como candidata a
vice presidente da República pelo PSOL, ao qual se filiou em 2011, depois de
sair do PT, por discordar da aliança feita localmente com Roseana Sarney e
nacionalmente com o pai da dita cuja. Ela é conhecida fora do Brasil pela sua
luta em defesa do meio ambiente, contra o desmatamento e a poluição dos rios.
Sua voz se fez ouvida no Conselho de Direitos Humanos da ONU e nas Conferências
Mundiais do Clima (COP) de 2009 a 2017, além do Parlamento Europeu, entre
outros órgãos e instâncias internacionais.
Sônia
Guajajara acredita que é possível fazer política de forma ética e honesta, mas
para isso é importante que as pessoas de bem, com tais qualidades, ocupem o
espaço da vida política, hoje propriedade de quadrilhas, seja votando, seja
sendo votado.
A
candidata a vice-presidente já recebeu várias comendas e honrarias, como o
Prêmio Ordem do Mérito Cultural, em 2015, concedido pelo Ministério da Cultura
e a Medalha 18 de Janeiro conferida pelo Centro de Promoção da Cidadania e
Direitos Humanos Padre Josimo. Ela vem manifestando sua preocupação com o que
denomina de “pacote do veneno”, o projeto de lei apresentado pelo atual
ministro da Agricultura, Blairo Maggi, que facilita o uso de agrotóxicos e
elimina controles de órgão da saúde e do ambiente.
Já
estou em campanha, vestido com a camisa de Sônia Guajajara e Guilherme Boulos,
com a esperança de que consigam trazer para o debate nacional as reivindicações
dos índios, dos sem-teto, dos sem-terra e de toda a população lascada do
Brasil. O povo Guajajara/Tentehar, como os Guarani, sabem muito bem que os
sonhos, como parte das tradições, trazem revelações – omoexakã - capazes de guiar
cada passo no processo de construção deste imenso Tekoa que
é hoje o Brasil. De Vanuire à Sônia, um longo caminho de sonhos.
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