Ademir Ramos (*)
Nesse mergulho quero viajar com
os olhos fechados no imaginário das formas dos rios, buscando aprender com a
tradição a cartografia que nos leva a compreender a formação humana impressa
nesses corpos d’águas que, pela cultura ganharam a dimensão humana anatômica
para explicar, não só a origem, mas a sua própria constituição relacionada à
vida, como parte extensiva da formação das humanidades por todo o planeta. É
verdade que nestas relações o homem se faz notar pela designação dada aos
elementos da natureza comparando-a com a sua própria forma ou quem sabe, de
acordo com o seu desenvolvimento linguístico tornam-se aptos a formular
conceitos capazes de traduzir a diversidade contida na natureza como modo de
domá-la e domesticá-la para seus determinados fins.
Além dessa materialidade expressa
nas práticas culturais dessas sociedades por meio das relações de trabalho, os
homens formularam também uma linguagem simbólica para representar o cotidiano,
o futuro e o desconhecido. Essas linguagens foram representadas em diversos
ícones, que ao longo do tempo serviram também para assentar estruturas de
pensamento vindo mais tarde qualificar dos demais agregados humanos pela sua
competência e habilidade frente à natureza e as outras culturas.
A beleza dessa diversidade se faz
notar nas culturas humanas e consequentemente na natureza em que estão
inseridas. É o caso explicativo do “olho d’água”, que brota da natureza
multiplicando a vida e ganhando forma de corpo humano a se esparramar
fogosamente pelos vales, planaltos e planícies (várzeas e terras firmes),
nutrindo o ambiente com suas formas monumentais. Na Amazônia, essas formas,
anatomicamente, são chamadas de braços, bocas e costas de rio, instituindo
assim, uma estreita relação entre a natureza e as culturas humanas que aqui
vivem. Em outras palavras, os rios e as florestas são culturalmente extensão do
corpo humano, que para viver necessita do hálito das florestas.
O que passa a inquietar a todos é
a reduz dos bens ambientais aos interesses econômicos de mercado. Esse processo
ocorre de forma autoritária capitaneada por grupos poderosos que aparelham o
Estado, comprando determinados políticos e lideranças sociais para satisfação
de seus interesses imediatos cumulativos. Na Amazônia, a qualquer momento somos
afrontados por projeto desse quilate que, valendo da perversa desigualdade
social em que se encontra a nossa gente, prometem mundos e fundos para
realização dos monstrengos ambientais, fragilizando muito mais o nosso povo e
acelerando a devastação de nossas florestas e a morte dos espíritos visagentos
que povoam o imaginário amazônico dando sustentação a vida em nosso
planeta.
(*) É professor, antropólogo e
coordenador do projeto Jaraqui e do NCPAM/UFAM.
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