Luiz Araújo
Na semana passada todos os senadores (e acho que também os deputados federais) receberam em seus gabinetes um documento da Federação Nacional das Escolas Particulares apresentando uma análise do Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação na visão do setor privado do país.
A FENEP congrega os sindicatos de estabelecimentos particulares do Amazonas, Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Ceará, Paraíba e Mato Grosso do Sul. Certamente seu posicionamento é representativo de um segmento importante do setor privado da educação brasileira.
Na primeira parte do texto a FENEP tece críticas a Conferência Nacional de Educação. A entidade afirma que é conhecido "o viés ideológico presente na CONAE", que "desconsiderou a importante participação da Educação Privada na construção do capital educacional, cultural e social brasileiro". Acusa a CONAE de ter induzido em sua resolução uma visão velada de estatização do ensino.
Na segunda parte do documento são apresentadas propostas de emendas ao PL. Não são muitas as emendas, mas todas são direcionadas aos mesmos objetivos:
1º. Retirar qualquer referência a gratuidade do ensino nas diversas metas de expansão;
2º. Fomentar o desenvolvimento de tecnologias educacionais, mas sem controle de qualidade ou certificação por parte do poder público;
3º. Estabelecer oferta de matrículas em parceria com o setor privado em várias etapas e modalidades, nos moldes do PROUNI; e
4º. Suprimir qualquer referência a regulação do setor privado.
Apresento alguns exemplos de suas emendas:
1. Retiram a expressão "gratuita" da já problemática estratégia 1.4, que trata do estímulo ao crescimento das matrículas de creche via convênios com entidades beneficentes. Com isso tornam a redação ainda mais perigosa.
2. Na estratégia 3.5 alteram a redação que passa a ser: "Fomentar a expansão da oferta de matrículas de educação profissional técnica de nível médio em parceria com entidades privadas de formação profissional, de forma concomitante ao ensino médio público". Retiraram a expressão "gratuitas" e a restrição a entidades "vinculadas a sistema sindical". Com essas mudanças a estratégia torna-se ainda mais privatista, dando primazia à expansão via "parceria" com o setor privado.
3. A problemática estratégia 11.6 ficaria ainda pior, passando a ter a seguinte redação: "Expandir a oferta de financiamento estudantil à educação profissional técnica de nível médio em parceria com instituições privadas de nível superior e/ou empresas". Ampliam o universo de entidades privadas que poderiam se habilitar a abocanhar esta fatia do mercado que foi oferecida pelo texto enviado pelo Executivo.
4. No caso da estratégia 15.5, que trata da política nacional de formação dos professores, a FENEP apresenta uma redação que garante financiamento público para a formação de professores de escolas privadas. A redação seria a seguinte: "Institucionalizar, no prazo de um ano da vigência do PNE, política nacional de formação e valorização dos profissionais de educação, de forma a ampliar as possibilidades de formação em nível superior (graduação, pós-graduação e mestrado) prevendo formas de financiamento público aos estudos". Ou seja, a entidade pretende que os impostos pagos pelos cidadãos financiem a formação de seus funcionários, tudo isso em nome da igualdade de oportunidades.
5. Em relação à Meta 20 (Financiamento) a Federação apresenta duas propostas singelas. A primeira, a de "prever o PROBASICO, em moldes semelhantes ao PROUNI, como forma de financiamento da educação básica, em regime de colaboração com as entidades privadas". A segunda, a de "prever, no IRPF, a dedução integral dos gastos com educação, inclusive livros didáticos e demais materiais escolares". O governo federal quer ampliar a oferta de vagas no ensino profissionalizante por meio de isenção fiscal aos setores privados, mas a FENEP quer um programa para toda a educação básica.
Em resumo, as propostas privatistas inseridas no PL pelo MEC abriram as portas do inferno. Presenciando uma postura mais aberta a ampliação de seus interesses, as entidades do setor privado começam a demonstrar que irão trabalhar no Congresso por mais mercados educacionais.
Assim, mesmo que no discurso o governo federal se apresente como guardião da educação pública, suas proposições ofereceram o ambiente propício para novos ataques ao direito a educação pública em nosso país.
Uma informação adicional. O documento também é composto de uma última parte onde a entidade oferece uma breve discussão conceitual sobre a relação entre público e privado. No texto é dito que os autores do Projeto de Lei, de forma maldosa, confundem os conceitos de público e privado, como forma de reforçar a visão estatizante.
O texto recupera a produção teórica presente da Reforma do Estado de 1995 e defendem a reconstrução do Estado, que "segundo Fernando Henrique, visa à eficácia da ação pública, respeitadas as limitações do mercado, sem minimizar nem destruir as ações do Estado e do governo, e ainda, atendendo os anseios de solidariedade".
Para a FENEP o documento da CONAE possui um viés conceitual baseado em Gramsci, revelando claras "intenções político-partidárias de dominação".
Por fim, defendem como modelo para o Brasil as virtuosas experiências internacionais da Inglaterra, Portugal e Chile, que "comprovaram a eficácia da atuação da iniciativa privada nas políticas públicas, com vantagens econômicas para ambas, como também, práticas, em que o particular contratado detém condições de prestar o serviço público com maior qualidade".
Este breve resumo do documento da FENEP é uma forma que tenho de lançar um alerta a todos os educadores brasileiros: mais uma vez a batalha no PNE será entre público versus privado.
quinta-feira, 14 de abril de 2011
Quem deve fiscalizar o dinheiro do Fundeb?
Na edição de segunda-feira (11 de abril) o Jornal O Globo publicou extensa matéria relatando inúmeras fraudes identificadas pela Controladoria Geral da União na aplicação de recursos da educação.
Os crimes cometidos não são novos e infelizmente se repetem a cada relatório da CGU.
O que me chamou a atenção do texto não foi exatamente a persistência desta hedionda prática em nosso país, mas o fato da reportagem identificar uma espécie de jogo de empurra no que diz respeito a fiscalização dos recursos do Fundeb.
O jornal relata uma disputa de bastidores sobre quem deve, em nível federal, fiscalizar a execução dos recursos do Fundeb nos nove fundos estaduais que recebem complementação da União. E os órgãos de controle admitem uma lacuna na legislação, pois a mesma não determina que órgão federal deva realizar tal procedimento.
Numa ponta encontramos os conselhos municipais de acompanhamento, fracos e sob forte pressão política local. Apesar do seu poder ter crescido na transição do Fundef para o Fundeb, a eficácia de seu trabalho continuou pequena, servindo na melhor das hipóteses como veículo de denúncia, quando muito.
Na outra ponta encontramos o FNDE, que por falta de clara previsão legal, afirma não ser sua atribuição fiscalizar este tipo de recurso, agindo somente sobre os demais repasses (merenda escolar, transporte escolar, livro didático, dinheiro direto na escola e outros convênios).
No meio temos o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União.
É preciso resolver esta controvérsia. O formato do Fundeb é de redistribuição de recursos pertencentes aos estados e municípios. Esta é a regra. Sendo assim, cabe aos tribunais de contas de cada estado (ou dos municípios onde existem) a tarefa de fiscalizar. Em última instância cabe a cada Câmara Municipal e Assembléia Legislativa, auxiliadas pelos respectivos tribunais o dever de zelar pela boa aplicação dos recursos públicos.
Acontece que em nove estados existe parcela dos recursos recebidos que é de origem federal, cabendo então a fiscalização desta instância, não interessando se é representativa ou não esta parcela. Ou seja, sendo um centavo do total de recursos usados para pagar pessoal cabe ao governo federal fiscalizar se o mesmo foi bem aplicado.
Falta poder para a sociedade controlar diretamente o uso dos seus recursos.
Falta atuação consistente dos órgãos de controle.
Falta pôr fim a este jogo de empurra no plano federal.
quarta-feira, 13 de abril de 2011
Fonte: Blog do Luiz Araújo
Estados deixaram de repassar R$ 1,2 bilhão para o Fundeb em 2010
Amanda Cieglinski
Brasília, 14/04/2011 (Agência Brasil) – Doze estados e o Distrito Federal deixaram de aplicar R$ 1, 2 bilhão no Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) no ano passado. Os recursos do fundo, criado em 2007, devem ser aplicados por estados e municípios na melhoria da qualidade do ensino, incluindo investimento nas estruturas públicas das escolas e no pagamento de professores. O montante é composto por percentuais de nove impostos e transferências como o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), além de uma complementação da União.
Levantamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela administração do Fundeb, mostra que o Acre, Alagoas, o Amapá, a Bahia, o Espírito Santo, Pará, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Roraima, o Tocantins, Rondônia e o Distrito Federal repassaram para o fundo menos do que deveriam. O cálculo foi feito pelo FNDE com base na arrecadação desses estados. Vander Oliveira, coordenador-geral do Fundeb, afirma que cabe agora aos órgãos de controle investigar porque os entes federados não aplicaram o valor devido.
"Não posso assegurar se o dinheiro deixou de ser aplicado na educação. A nós não cabe fazer juízo de valor porque esse papel é do tribunal quando for analisar e julgar a questão", defende o representante do FNDE. O maior rombo foi no Distrito Federal: R$ 1,03 bilhão. Segundo Oliveira, ao contrário do que determina a lei, o DF não tem conta específica para depositar os recursos do fundo. Dessa forma, o FNDE não tem como controlar se os percentuais estão sendo investidos ou não em educação. A grosso modo, é como se o DF não tivesse repassado nenhum centavo para o fundo em 2010.
De acordo com a Secretaria de Educação, técnicos já trabalham para resolver as pendências financeiras do DF. A assessoria de imprensa da secretaria ressaltou que no período de 2010, ao qual se refere o levantamento, o Distrito Federal teve quatro governadores após a Operação Caixa de Pandora - que revelou um esquema de corrupção e que resultou na saída do governador José Roberto Arruda do cargo - e o novo governo ainda está trabalhando para sanar essas "pendências".
O Fundeb, na verdade, não é uma conta única, mas 27 fundos – um para cada estado e o Distrito Federal. Cada um repassa para a conta específica 20% da arrecadação obtida com nove impostos e transferências e o dinheiro é aplicado nas redes municipais e estaduais de educação daquele ente federado. A União complementa com 10% do que os estados depositaram. Os entes federados que não têm verba suficiente para investir o valor mínimo por aluno estipulado anualmente pelo Ministério da Educação (MEC) recebem um complemento.
Depois do DF, o Espírito Santo é o estado que deixou de repassar o maior valor ao fundo em 2010: R$ 186 milhões. A Secretaria de Educação foi procurada, mas não respondeu até o fechamento da matéria. Segundo Oliveira, o problema do estado é antigo e deve-se ao fundo estadual para desenvolvimento de atividades portuárias, para onde é repassada parte do ICMS que deveria ser enviada ao Fundeb.
Apesar de em 2009 o déficit do Fundeb também ter ficado na casa de R$ 1 bilhão, Oliveira acredita que em 2010 o problema foi mais concentrado nos dois estados – o Distrito Federal e o Espírito Santo. Para ele, isso significa que os governos estão mais conscientes da responsabilidade do repasse ao fundo. "O problema se concentra no DF e no Espírito Santo. Nos outros estados as diferenças são residuais, que podem ocorrer em função de pequenos tratamentos da receita ao longo do ano", avalia Oliveira. Em 2010, a receita total do fundo foi de R$ 87,4 bilhões, sendo R$ 58 bilhões dos estados, R$ 7,9 de completação do governo federal e R$ 21 bilhões de receitas advindas de impostos arrecadados pela União.
A Secretaria de Educação do Rio de Janeiro alega que os R$ 5 milhões que constam como débito no levantamento se referem às receitas recebidas na última semana de 2010, que só são repassadas em janeiro de 2011 e deixam de ser contabilizadas pelo FNDE, que considera a movimentação da conta bancária do Fundeb até dezembro. Em nota, a secretaria afirma que "o Rio de Janeiro tem alertado repetidamente o FNDE sobre essa impropriedade técnica, sem resultado, o que vem causando um mal-entendido". A mesma explicação foi dada pelas secretaria de Educação da Bahia e do Acre.
As secretarias de Educação do Pará e do Tocantins informaram que as equipes técnicas estão verificando com as instituições responsáveis pela distribuição dos recursos o motivo das divergências em relação ao repasse. A Agência Brasil procurou todos os 13 estados, mas não conseguiu contato com as secretarias de Educação de Roraima e do Amapá. Os governos do Espírito Santo, de Alagoas, do Piauí, Paraná e de Rondônia foram procurados, mas não se posicionaram sobre o problema até o fechamento da matéria.
Amanda Cieglinski é repórter da Agência Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário