S. Hesam Houryaband
25 de março de 2011 às 10:35h
O analista diplomático iraniano S. Hesam Houryaband elucida a ação da coalizão internacional no país árabe de acordo com os interesses de cada país envolvido nela
Nos últimos dois meses, um furacão de revoltas populares varreu boa parte do norte da África e do Oriente Médio. Com o olho do monstro tocando baixo na Tunísia e depois no Egito, pegando ritmo na parte inferior da Península Árabe no Iêmen e nem mesmo poupando o pequeno reino do Golfo Pérsico do Bahrein. As repercussões desta tempestade até mesmo chegaram a países periféricos, como a Jordânia e a Síria.
É óbvio pelos seus desenvolvimentos, em muitas dessas nações, que estas revoltas e insurreições são em sua maioria por motivos políticos e têm sua origem na base de suas respectivas sociedades. Em apenas dois casos essas revoltas populares carregam consigo um forte indício de diferenças sectárias, como demonstrado pelas situações no Iêmen e no Bahrein. No geral, excluindo os dois últimos casos, a maioria dos outros são categorizados como agitação popular e insatisfação contra os seus respectivos governos, e em sua maior parte, dentro das fronteiras de seus respectivos países, o que não vale para os casos do Iêmen e do Bahrein, onde a rivalidade entre sunitas e xiitas poderia muito facilmente ter repercussões em países vizinhos, sugando potências regionais como a Arábia Saudita e o Irã para dentro do redemoinho.
Ambos os casos exigiriam intervenções imediatas e delicadas do escrutínio internacional para conter as piores consequências possíveis. No entanto, a comunidade internacional estava relutante em agir, apesar das explosões de apoio e defesa dos direitos humanos, da abstenção de uso da força, do respeito pelo primado da lei, etc. Ao invés disso, a atenção estava voltada para a Líbia, onde a situação, por mais terrível que fosse, não exigia a resposta pesada que o Ocidente tomou para si exercer. Isso levanta uma questão: por que era necessário colocar a Líbia como um exemplo, enquanto em outros lugares, tal atenção e energia poderiam ter servido a um propósito muito melhor?
Ao analisar as motivações por trás dos recentes ataques políticos e militares da chamada coalizão contra a Líbia, as motivações dos principais atores dividem-se em dois nichos de importância: os interesses dos vizinhos árabes, incluindo vários estados persas do Golfo Árabe, como Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, e os interesses ocidentais, incluindo os EUA, a França e a Grã-Bretanha.
Embora não ansiando de forma tão pró-ativa em derrubar o regime de Kaddafi desde o início das revoltas, a anuência dos principais países árabes a uma intervenção militar do Ocidente na Líbia serve aos interesses da Arábia Saudita e seus aliados árabes na região. Ao desviar a atenção da crise no Golfo Pérsico, protagonizada pelos desdobramentos no Iêmen e no Bahrein, para a Líbia, deu aos sauditas e a alguns de seus aliados na Liga Árabe e no Conselho de Cooperação do Golfo Pérsico uma brecha para eles intervirem livremente em lugares como o Bahrein, o Iêmen e, possivelmente, o Iraque e a Síria. Especialmente no Bahrein. Não é nenhum segredo que os sauditas, com uma luz verde dos EUA, fariam tudo em seu alcance para manter a família sunita do Bahrein no poder apenas para combater uma eventual invasão iraniana em seu quintal e evitar um resultado semelhante ao do Iraque. Os americanos definitivamente também não querem ver o país onde está a base da sua 5a Frota no Golfo Pérsico cair nas mãos dos xiitas do Bahrein, sendo que a maioria deles tem algum tipo de afinidade com o Irã, seja étnica ou religiosa, o que forçaria os EUA a procurar outro lugar para abrigar sua frota.
No lado ocidental, as motivações e os interesses dos principais atores que participam são amplos e variados, contudo específicos para os interesses nacionais e globais de cada um. Mas existem também alguns pontos comuns entre todos eles sobre a Líbia. Todos vêem Kaddafi como um coringa e tão mal quanto Saddam Hussein. E na mesma medida, todos eles se sentem de alguma forma humilhados por anos de ações de Kaddafi, que remonta ao atentado de Lockerbie, até eventos mais recentes, como a briga entre a Suíça e a Líbia sobre o filho de Kaddafi e do escárnio dos europeus por Gaddafi em suas várias viagens à Itália. E, finalmente, com o aprofundamento da crise econômica em cada um dos respectivos países, os líderes políticos do Ocidente veem um limitado engajamento militar contra a Líbia como uma bênção a fim de aliviar o sofrimento econômico, bem como desviar a atenção de seus cidadãos do agravamento da situação interna.
Mais especificamente, a França, como o principal instigador do grupo, acha que a crise da Líbia se encaixa confortavelmente na sua estratégia de projeção adotada pelo presidente francês, Nicholas Sarkozy, desde sua eleição como chefe de Estado. Internacionalmente, a principal política de Sarkozy tem sido a expansão do alcance político e militar francês e mostrar ao mundo que a França é uma grande potência mundial capaz de competir como uma superpotência. Neste contexto, a França vê o norte e o oeste da África como o seu quintal, onde ela pode flexionar os seus músculos com mais facilidade, como demonstrado pela intromissão francesa na Costa do Marfim e a extensão de sua influência econômica e política em países como a Argélia. No entanto, a Líbia oferece à França a oportunidade de um papel de liderança em uma ampla coalizão (em oposição ao papel mais limitado na crise da Costa do Marfim), para assumir uma posição de liderança política e militar, o que fortaleceria a situação e o prestígio internacional dos franceses.
A Grã-Bretanha, por outro lado, vê esta operação como uma forma de se redimir do mais recente constrangimento que sofreu nas mãos de Kaddafi quando permitiu a libertação do único suspeito do atentado de Lockerbie, mantido sob custódia britânica, Abdelbaset al-Megrahi. Isso permite que o primeiro-ministro britânico, David Cameron, mostre ao seu eleitorado que ele pode permanecer firme contra o terrorismo internacional e a pressão de chantagistas diante dos rumores de uma espécie de acordo secreto entre a Líbia e os oficiais britânicos e escoceses.
Por último, os Estados Unidos da América certamente precisam desta operação líbia. O presidente Obama tomou posse, bem como alguns dos seus antecessores democratas, com uma plataforma de defesa dos direitos humanos. Ele considera a crise na Líbia um bom exemplo para mostrar o que entende como proliferação e defesa dos direitos humanos em todo o mundo árabe-muçulmano. Apesar de sua postura ter sido tendenciosa, a mensagem parece clara: os EUA vão apoiar qualquer movimento populista em toda a região e usarão todos os meios necessários a fim de ajudar as pessoas destes países ganharem vantagem contra seus governos. Além disso, o presidente Obama precisa de uma vitória militar limitada como um meio para reforçar sua própria posição na política interna e aumentar suas chances de reeleição. O sucesso da operação na Líbia serviria para o presidente silenciar a oposição interna ao mostrar que pode ser um competente comandante da nação. Do ponto de vista da administração Obama, Clinton foi vitorioso na crise dos Balcãs e Bush teve o Iraque, o Afeganistão e a guerra contra o terrorismo. Por isso, o presidente Obama precisa de uma vitória e um palco, e para ele, este parece começar com a Líbia.
No final das contas, o que irá determinar o resultado de todos esses atores será o sucesso da Operação Alvorada da Odisséia. Porque, se esse envolvimento militar na Líbia revelar-se longo e confuso, de sonho, os objetivos dos atores se transformarão em pesadelo.
S. Hesam Houryaband
Fonte: http://www.cartacapital.com.br
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