Moysés Chernichiarro Corrêa (*)
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Na estréia desse espaço sobre o sindicalismo do blog “Rumos do Brasil” quero passar a limpo a velha e surrada acusação de que a estrutura sindical brasileira seria “fascista”. Vou procurar demonstrar que essa ‘pecha’ não tem nenhuma base histórica. Foi uma inverdade que, repetida à exaustão, tomou a forma de “verdade” para muitos.
Vários estudiosos, preocupados em contar a história real, têm desmascarado essa tese, procurando conceituar e contextualizar a formação da estrutura sindical brasileira no ideário da Revolução de Trinta e na ideologia e formação teórica de seus maiores líderes. Em seu livro História sindicalista, Jéferson Barbosa, explica que “o principal fundamento dos chamados argumentos de esquerda, que foram sendo afiados desde o pós-guerra e nos anos recentes, disparados sistematicamente contra a nossa organização sindical, é a “inspiração fascista”” [1]. Acerca desse chamado “argumento de esquerda”, o jornalista José Augusto Ribeiro cita entrevista de Mário Pedrosa, um dos mais importantes intelectuais da esquerda brasileira. Integrante e líder da facção mais radical, o trotskismo, para demonstrar que, por proselitismo político dos adversários do trabalhismo, todas as medidas tomadas por Getúlio – entre estas, a Lei de sindicalização – foram caracterizadas como fascistas [2].
Nessa entrevista, Pedrosa confirma o caráter progressista da legislação sobre sindicatos, na medida em que ela fez crescer o número de organizações dos trabalhadores e garantiu seu funcionamento. Insuspeito de condescendência com o presidente Vargas, filiado em 1945 à UDN, a União Democrática Nacional, à qual se associou inicialmente boa parte da esquerda antigetulista, Mário Pedrosa diria muitos anos depois, em 1978, em entrevista ao Jornal do Brasil: – Nós, da esquerda, queríamos sindicatos livres da tutela do Estado e combatíamos a nova lei. Mas não há dúvida de que existia um ponto positivo – ela garantia os sindicatos contra as invasões policiais, freqüentes e comuns na época [...] Todos diziam que a nova lei era fascista, mas no interior, se os sindicatos não recebessem as garantias que ela oferecia, não teriam condições de sobrevivência [3].
Segundo Arnaldo Süssekind, único membro ainda vivo da comissão que redigiu a CLT, o princípio da unicidade sindical foi adotado tendo em conta a realidade socioeconômica brasileira, objetivando motivar a instituição e o fortalecimento dos sindicatos. Süssekind também rebate a inspiração fascista: “Nem se diga que essa lei [CLT], elaborada pelo insuspeito Lindolfo Collor, com a colaboração dos ilustres socialistas Evaristo de Moraes, Joaquim Pimenta e Agripino Nazareth, copiou a “Carta del Lavoro”. Antes de Mussolini (1927), a unicidade sindical compulsória foi defendida por Lênin (1917), que se inspirou nas lições de Máxime Leroy (1913)” [4].
Em relação à criação do salário mínimo, esclarece Alfredo Bosi que este já era defendido nas circulares do Apostolado Positivista e, portanto, nada tem a ver com a Carta del Lavoro; esta, ao contrário, vincula o salário mínimo ao contrato coletivo de trabalho: “[...] incorrem em equívoco os historiadores que o taxam de instituição copiada do fascismo italiano. Ao contrário: nos termos da Carta del Lavoro, “La determinazione del salário è sottratta a qualsisi norma generale e affidata all’accordo delle parti nei contratti colettivi” [5] (declaração XII)”[6]. Diante dos depoimentos de tantos estudiosos, integrantes do mundo do trabalho, desmascarando a tese da inspiração fascista das leis trabalhista e sindical, vale voltar ao livro de Jéferson Barbosa: “Claro está, portanto, que o pecado original do sindicalismo brasileiro, que teria sido copiado da carta fascista, não passa de mais uma dessas versões interessadas que alimentam discursos tanto acadêmicos, quanto parlamentares, juristas, magistrados e sindicalistas” [7].
No campo da polêmica unicidade x pluralidade, ressalta a argumentação de Segadas Viana, que, refletindo sobre ambos os sistemas, sugere que os mesmos sejam confrontados não só à luz da representação sindical, mas também na daquela que é feita de modo geral, para o conjunto da sociedade, acentuando que a unidade de pensamento do grupo deve resultar na unidade de representação do mesmo em um sindicato: “O pensamento da classe nada tem a ver com o status profissional do trabalhador, pois se sobrepõe, em muitos pontos, aos interesses e pontos de vista pessoais de cada trabalhador” [8].
Segadas Viana, que, na opinião de Süssekind, se notabilizou pela defesa da unicidade sindical compulsória, transcreve a posição de Georges Scelle. Ele compara a representação coletiva da comunidade e da Nação àquela da profissão, para demonstrar que o regime de pluralidade seria a anarquia no movimento sindical, com prejuízo para os trabalhadores: “Há uma contradição fundamental entre o fato de dar ao sindicato a faculdade de representar e defender o interesse profissional, e a liberdade concedida aos membros de uma profissão de organizar sindicatos antagônicos, para cada um deles defender, individualmente, seu interesse profissional. O interesse profissional é único e é um interesse coletivo que não se confunde com a soma dos interesses de cada um dos membros da profissão. Pode ser que um sindicato único se engane na apreciação desse interesse, mas se existem vários sindicatos revelando orientações divergentes, como saber qual deles interpreta fielmente esse interesse? Na representação dos interesses coletivos, o direito público consagra, logicamente, a unidade de interpretação. Cada um dos interesses da “comuna”, do “departamento”, da Nação, é confiado a uma administração única. Por esse motivo a pluralidade seria a anarquia. Não pode deixar de acontecer a mesma coisa com os interesses da “profissão”: o sindicato para administrá-los deve monopolizá-los” [9].
O movimento sindical brasileiro conviveu durante muitos anos com essas e outras críticas ácidas sobre a origem da organização dos trabalhadores. Essa estrutura persiste até hoje e dela se originou uma das mais importantes centrais sindicais – a Nova Central Sindical de Trabalhadores -, que tem recebido freqüentes elogios das demais centrais pela sua tenacidade na defesa dessa estrutura sindical e por sua fidelidade na defesa dos direitos e conquistas dos trabalhadores elencados na CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. Para terminar, quero lembrar que um outro elemento de crítica, que trataremos em outro texto, diz respeito à contribuição sindical (o antigo ‘imposto sindical’). Com a regulamentação do funcionamento das centrais sindicais pelo Presidente Lula, ocorrida no primeiro semestre e a definição de que parte dessa contribuição sindical (dez por cento do total) seja destinada a elas, as críticas desapareceram e a controvérsia sepultada (será?) sobre esse que é um dos pilares da estrutura sindical brasileira, advinda do trabalhismo, e responsável por sua independência de governos, partidos e religiões.
Citações:
[1] SILVA, Jeferson Barbosa. História sindicalista. São Paulo: CEPROS, 2001, p. 74-75.
[2] RIBEIRO, José Augusto. A Era Vargas. V. I: 1882-1950. Rio de Janeiro: Casa Jorge, 2001, p. 102-103.
[3] RIBEIRO, José Augusto. A Era Vargas. V. I: 1882-1950. Rio de Janeiro: Casa Jorge, 2001, p. 102-103.
[4] SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 345.
[5] “A determinação do salário é excluída de qualquer norma geral e garantida pelo acordo entre as partes dos contratos coletivos” (tradução do Autor).
[6] Apud BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 4. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 296.
[7] SILVA, Jeferson Barbosa. História sindicalista. São Paulo: CEPROS, 2001, p. 78.
[8] VIANNA, Segadas et al. Instituições de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 1991, p. 996-997.
[9] VIANNA, Segadas et al. Instituições de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 1991, p. 996-997.
(*) Jornalista, atuante na área sindical desde 1979, foi assessor de diversas entidades sindicais. Atualmente é assessor da Nova Central RJ. É autor do livro “Sindicalismo e Comunicação” e também Coordenador Geral da TV Comunitária do Rio de Janeiro, além de produtor e apresentador do programa OutrOlhar.
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