Partidos de esquerda e direita |
Em que resultará essa dissonância, só o tempo dirá
Há relação muito cruel (ao Estado de Direito) entre duas reportagens, publicadas em veículos considerados antagônicos em suas linhas editoriais, mas que se atentam, cada qual à sua forma, a um mesmo problema: o do esfacelamento da política nacional, cada vez mais dissonante entre o que há de quente nas ruas e o que existe de burocrático em seus âmbitos superiores.
De um lado, a revista semanal Carta Capital publicou em sua capa “#protesto – convocados pela internet e sem a mediação de partidos ou sindicatos, manifestações explodem de Norte a Sul”, em que aponta os diversos movimentos populares, recentemente pipocados no Brasil, onde é inexistente a participação de entidades representativas, sejam elas quaisquer tipos de agrupamentos.
Assinada pelos repórteres Matheus Pichonelli e Rodrigo Martins, a matéria da Carta Capital informa que, por torpedos de celular, operários da usina hidrelétrica de Jirau (Rondônia), se organizaram para protestar contra condições de trabalho; três meses depois, também sem lideranças formais, bombeiros no Rio de Janeiro fazem motim por melhores salários em frente ao quartel da corporação; e, na mesma semana, estudantes organizaram no Twitter e Facebook manifestações contra a prefeita Micarla de Sousa (PV), de Natal, com cerca de 2 mil pessoas.
Há muitos aspectos sociais a serem esmiuçados por este fenômeno – acompanhando, é bom pontuar, a recente tendência árabe –, mas, grosso modo, há relação intrínseca com a matéria da edição de ontem do jornal O Estado de S. Paulo, assinada pelas repórteres Christiane Samarco e Eugência Lopes, sobre o processo de formação do Partido Social Democrático (PSD), “nascido de iniciativa pessoal do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM)” e que reúne caciques regionais, de petistas a tucanos, para colher as 500 mil assinaturas necessárias para a formalização da legenda.
Ainda em formação, nenhum dos deputados, vice-governador ou mesmo o prefeito Kassab saíram de seus partidos de origem, já que aguardam os prazos legais para aderirem à nova legenda. Independente de qualquer negociação obscura, nos porões de uma política pouco transparente, fica cada vez mais evidente que o PSD chega para ser a morada de uma “nova geração” de políticos que esmurram pontas de facas em suas atuais legendas, já nas mãos certas, e que oferecem pouca possibilidade ascensão partidária.
O PSD e as manifestações pela internet são sinais do tempo. O primeiro, um partido formado mais para atender estratégias de uma cúpula que vê a política como um balcão de negócios onde as trocas acontecem a bel prazer, sem qualquer lastro ideológico ou social; o segundo, resposta à primeira, declarando em alto e bom som que não há dependência para se mobilizar por uma causa.
No meio de tudo isso, um abismo cada vez mais distante e profundo de um Estado de Direito onde suas ferramentas legítimas (leiam-se: partidos e sindicatos) tornam-se hospedeiros de burocratas que não conseguem representar os anseios das ruas. Em que resultará essa dissonância, só o tempo dirá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário