Por Fernando Lobato
Política é aquilo que fazemos todo santo dia mesmo que não tenhamos a mínima consciência da nossa condição de políticos, visto que não se trata duma prática restrita aqueles que ocupam cargos eletivos. Em seu sentido genérico, a política é a mais humana das atividades, pois nada mais é que o fruto da nossa necessidade de inserção social. Ninguém, por mais que goste da solidão, é capaz de viver completamente isolado, visto que sem estabelecer uma determinada forma de convívio com os outros, ninguém se torna, de fato, humano, pois é somente na dimensão coletiva que podemos estabelecer um determinado padrão de humanidade. Por isso, ninguém vive sem fazer política posto que ninguém é 100% auto-suficente. Em maior ou menor grau, somos todos dependentes uns dos outros e isso nos força a atuarmos como agentes políticos.
Uma criança, por exemplo, quando tem desejo de mamar, chora para ter a atenção da mãe, pois, apesar do pouco tempo de vida, já aprendeu que é dependente dela para satisfazer suas necessidades. O choro, muito mais do que uma simples expressão de insatisfação, funciona também como código de comunicação com os que estão ao redor. Mesmo sem ter clara consciência disso, a criança, com seu ato de chorar, faz política, pois sabe que seu ato provoca reações naqueles com os quais convive. E se a criança faz política com seus pais, o mesmo se pode dizer desses em relação aos filhos. É muito comum, nas famílias com algum grau de posse, a sua tentativa de estimular o desenvolvimento escolar dos filhos com a promessa de recompensas e benefícios. No campo dos relacionamentos amorosos, a política também se faz presente de forma inquestionável. Quem desconhece o fato de que alguém, quando enamorado, faz uso de mil e um artifícios para chamar a atenção da pessoa desejada?.
Em todas as situações acima, pessoas agem em busca de determinados fins e, através delas, constatamos um das características principais da ação política: a vontade manifesta, através de atitudes e comportamentos, de uma resposta daqueles que podem satisfazer desejos ou necessidades. É em função dessa realidade inquestionável que, ao longo da vida, moldamos os nossos comportamentos de acordo com os valores e regras aceitos e compartilhados com os que formam o nosso mundo social, pois não podemos fugir do fato de que somos humanos convivendo com outros humanos. Quando alguém diz “bom dia” a um desconhecido, espera ouvir um outro “bom dia” como resposta e, de preferência, expresso de forma alegre e amigável. O “bom dia”, nesse caso, funciona como um mecanismo para a quebra do estranhamento ou indiferença que se estabelece entre duas ou mais pessoas que não se conhecem. Conforme vimos no exemplo da criança, desde cedo aprendemos que não podemos viver sem a ajuda ou colaboração dos outros. Manter-se indiferente ou alheio em relação aqueles com os quais temos contato não é uma atitude inteligente, pois a vida nos ensina que, sem amigos ou aliados, tudo é mais difícil e complicado.
No sentido inverso, percebemos, também desde cedo, que se sozinhos somos fracos ou quase impotentes diante de muitas coisas, quando somos parte de um grupo nos tornamos mais fortes e capazes. Em função disso, já nos primórdios de nossa existência na Terra, percebemos que isolados não tínhamos a menor chance de sobrevivência. Nos primeiros tempos, nossos ancestrais se organizavam em pequenos bandos que moravam em cavernas e que dependiam da caça, da pesca e da coleta de frutos e raízes para sobreviver. Nessas comunidades de caçadores e coletores havia uma divisão sexual do trabalho: os homens se dedicavam à caça e à pesca enquanto as mulheres realizavam a coleta de frutos e raízes nas áreas próximas às cavernas. Mas em que pese essa divisão de tarefas, não havia, nessas comunidades, nenhuma divisão de bens conforme a produção de cada um. Todos usufruíam, por igual, de tudo o que fosse caçado, pescado ou coletado. Todos sentavam na mesma mesa e se tratavam como membros de uma única família.
Em face desse sentimento de pertencimento à mesma família, quando da descoberta da agricultura, esses grupos de caçadores e coletores foram se agrupando em comunidades maiores que deram origem às primeiras tribos. Com a agricultura, os homens foram deixando o nomadismo de lado e se tornando cada vez mais sedentários, ou seja, ligados a um determinado espaço de terra, onde criavam animais, pescavam e desenvolviam uma lavoura de subsistência. Organizados em aldeias, os homens passaram a dispor de um maior tempo para o desenvolvimento e aprimoramento de suas habilidades manuais, fato que possibilitou um grande salto na produção artesanal. Inicialmente, quase exclusivamente voltado para a produção de armas e ferramentas úteis para o trabalho do dia a dia, o artesanato foi, aos poucos, assumindo também uma finalidade artística e cultural. A partir desse momento, as sociedades começam a se distinguir também pela sua produção material. Um vaso, a partir de então, deixava de ser um simples vaso e passava a ser um exemplo concreto do grau de cultura e desenvolvimento técnico de uma tribo ou aldeia.
Embora cada vez mais distantes e diferentes uma das outras por razões culturais, as aldeias se mantiveram organizadas dentro do mesmo princípio de organização dos tempos primitivos, ou seja, dentro do princípio comunitário. Nelas, continuava prevalecendo o princípio do “um por todos e todos por um”. Não havia ainda, nessa época, espaço para uma vida individualizada. Nelas, ninguém estava livre para ser o que quisesse ser, pois a preservação da tribo e de sua cultura se impunha como necessidade prioritária. Nos tempos primitivos ou pré-históricos, a política era praticada de forma natural e direta porque as sociedades eram menos complexas do que passaram a ser com o início do chamado Tempo Histórico. Conforme foram se diferenciando uma das outras por questões culturais e tecnológicas, a atividade política, que todos praticavam de forma natural e espontânea foi, pouco a pouco, se tornando mais complexa. Além da simples política dos relacionamentos humanos no contexto de pequenas comunidades, começou a surgir um tipo de política mais voltada à disputa do poder do que ao atendimento das necessidades humanas concretas. Nascia, a partir de então, o que hoje chamamos de Política Institucional.
Com o nascimento da Política Institucional, as relações humanas ganharam uma dimensão que até então nunca existira, pois as pessoas passaram a ser relacionar não apenas como pessoas naturais, mais a partir de um determinado lugar na ordem social. Um comerciante passa a ter, por exemplo, uma condição pessoal diferente de um agricultor que, por sua vez, se distinguirá profundamente da condição de um sacerdote. Estavam dadas as condições que deram origem a maior e mais impactante das invenções humanas: o estado ou governo. O mundo, definitivamente, nunca mais seria o mesmo e, junto com ele, a própria noção de política.
Com o surgimento da Política Institucional, uma grande dose de artificialismo e formalismo foi acrescentado à naturalidade que então regia as relações humanas em sociedade. De cara, ela determinou o fim da igualdade no seio da coletividade. Embora se reconhecessem diferentes dentro da organização social, os nosso ancestrais pré-históricos jamais deixaram de se ver como iguais, pois a desigualdade é diferente da diferença. Captou a lógica? Talvez em função da ênfase nas relações de poder que estão por detrás da Política Institucional, muitos começaram a ver a política como algo não humano ou, em muitas situações, como algo absolutamente desumano. O que é desumano, todavia, não é a política em si, mas o uso que determinados humanos fazem do poder que possuem sobre a vida de outros. Nesse sentido, a política sempre deve ser vista como algo nobre e profundamente humano, pois tem como fim o entendimento e a harmonia entre as pessoas.
O fim da política não é, como muitos acreditam, uma luta pura e simples pelo poder, pois, quando o poder se desvincula de um fim nobre e humano, ele já deixou de ter relação com a fim original da política. Política pressupõe respeito à liberdade do outro. Quando esse respeito é ferido, o que sobra é o arbítrio e o abuso do poder e, com o qual, nenhum ser humano sadio deve ser tolerante, visto que, ser tolerante nesses casos, significa compactuar com a degeneração da nossa própria condição de humanos.
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