Por- Diário Liberdade
- Catedrática emérita de Economia Aplicada da Universidade de Barcelona
e doutora pola London School of Economics, Miren Etxezarreta fai parte
do 'Grupo de Economia Crítica Taifa'. Estivo na Galiza para participar
nas XVI Jornadas Independentistas Galegas.
O
Diário Liberdade estivo em Compostela e aproveitou a presença de Miren
Etxezarreta nas Jornadas Independentistas Galegas que cada ano organizam
as e os comunistas de Primeira Linha, para entrevistar a prestigiosa
economista basca, residente em Barcelona. Com ela falamos sobre
diferentes temas em torno da crise económica, das atividades do 'Grupo
de Economia Crítica Taifa', do qual fai parte, e da situaçom da esquerda
e dos movimentos sociais num momento em que é determinante a capacidade
de luita e pressom popular para enfrentar os planos da burguesia contra
o mundo do trabalho no Estado espanhol, na Europa e no mundo.
Reproduzimos a seguir o resultado da nossa conversa com Miren Etxezarreta.
Diário Liberdade - Miren, começa por explicar-nos em que consiste o trabalho realizado polo 'Grupo de Economia Crítica Taifa'.
Miren Etxezarreta - Somos um grupo de gente, a maioria economistas,
que vimos há já bastantes anos que nom tínhamos suficiente formaçom,
devido à insuficiência e aos erros da economia convencional em que
tínhamos sido formadas e formados. Por isso decidimos criar um grupo de
autoformaçom, que funcionou assim durante anos, até que pensamos que
seria interessante divulgarmos essa formaçom, pondo-a ao serviço dos
movimentos sociais. Isso foi-se consolidando até o que hoje é o 'Grupo
de Economia Crítica Taifa', que tem como objetivo colaborar para que as
pessoas com inquietaçons sociais tenham um conhecimento mais profundo
sobre o que realmente está a acontecer na sociedade atual do ponto de
vista económico.
O nosso ativismo político como coletivo, portanto, limita-se à
formaçom. Nom fazemos parte de nengumha corrente concreta e por isso
podemos estar ao serviço de qualquer coletivo que quiger contar com a
nossa colaboraçom.
DL - É assim tam importante a formaçom em economia para realizar ativismo e luitar contra o sistema?
Miren - Nós achamos que sim é importante conhecer como funciona esta
sociedade, para entender que é absurda, injusta e caótica, e isso pode
entender-se muito melhor tendo um pouco de formaçom em matéria
económica. É claro que, já intuitivamente, há pessoas que sabem isso,
mas para aprofundar na tarefa da transformaçom desta sociedade noutra,
sim é importante que a gente poda formar-se. Por isso, umha vez que nós
tivemos ocasiom de estudar economia, indo além da formaçom convencional
com umha perspetiva crítica, decidimos que devíamos pôr esses
conhecimentos a disposiçom das pessoas.
A formaçom é importante para ser umha boa ativista. O ativismo
intuitivo, em muitos casos, acaba logo, mas quando entendes o que
acontece e por que acontece, tornas-te um ou umha militante mais
consciente.
Miren -Para explicar o que está a acontecer de maneira profunda, precisaríamos nom de um Diário, mas de qualquer cousa parecida com a Bíblia
[risos], mas reduzindo o assunto à sua expressom essencial, diria que
estamos a viver umha etapa de capitalismo maduro, senil, como também se
chama, em que entramos numha crise económica que gerou umha dívida
pública e privada importante.
Apoiando-se em que essa dívida existe, os poderes fácticos,
económicos e políticos, estám a aproveitar para realizar um ataque, que
alguns denominam 'golpe de estado', contra as forças populares e
trabalhadoras, contra as classes antagónicas do capital. Estám a
aproveitar a crise para destruir todos os direitos sociais conseguidos
desde a II Guerra Mundial até agora.
Todo o que estám a dizer-nos som, no melhor dos casos, meias
verdades, e muitas vezes, puras mentiras. Os cortes, privatizaçons,
supressom de serviços sociais e a deterioraçom dos instrumentos
democráticos, todo isso responde a um grande golpe de estado do capital
contra o trabalho.
DL - Mas a crise sim é real. Tem saída?
Miren - A crise é real e nem sequer fôrom eles que a "propugérom". A
dinámica intrínseca do capitalismo traz sempre crises, mas nom
deliberadamente. De facto, eles tenhem perdido bastante dinheiro com a
atual crise. A crise iniciou-se em 2007-2008 e a situaçom só tem piorado
desde esse momento, porque as políticas económicas que estám a aplicar,
supostamente para "sairmos da crise", nom estám a conduzir à resoluçom
dos problemas verdadeiros, de tipo económico e social, que tem esta
sociedade.
Agora já falam da saída "no médio prazo", o qual é como falar do
"Reino dos Céus", quer dizer, ninguém sabe quando será, porque sabem bem
que nem o problema do desemprego vai ser resolvido, nem os despejos e o
resto dos problemas terám soluçom polo atual caminho. As medidas que
estám a ser tomadas estám, ao invés, a aprofundar todos esses problemas,
porque qualquer economista, mesmo convencional, sabe que se o gasto for
cortado numha sociedade qualquer, isso vai levar à diminuiçom da
atividade económica, o que por sua vez vai deteriorar o emprego. Se o
desemprego aumenta, todas as restantes conseqüências que estamos a ver
nesta crise, vam piorar. O tremendo é que estám a exigir um duríssimo
sacrifício às classes populares em troca de nada para elas e sim grandes
vantagens para o próprio capital. Todo isso nom vai resolver os
problemas e, quanto ao médio prazo, enfim, aí ninguém sabe o que poderá
vir a acontecer...
DL - Podemos estar a viver umha crise terminal do capitalismo
como modo de produçom ou é mais umha crise das que, ciclicamente,
afetam o capitalismo? Pode ser comparável com o que sucedeu a Uniom
Soviética a finais da década de oitenta do passado século?
Miren - É umha pergunta que eu nom podo responder, porque haveria que
ter umha bola de cristal para saber o que vai acontecer. Porém, nom me
parece que estejamos numha crise terminal, porque o capitalismo tem
demonstrado umha enorme capacidade de resistência e, se como estám a
tentar, conseguirem eliminar por completo os direitos da classe
trabalhadora e que a mao de obra seja ainda mais barata, poderám
conseguir um novo período de sobrevivência.
Podo estar enganada e talvez haja acontecimentos que conduzam para
umha crise terminal, nom me atrevo a responder contundentemente, mas a
minha impressom é que no curto prazo, nem amanhá, nem em dous anos, nem
em cinco... creio que o capitalismo ainda tem resistência e que mesmo
quando morrer, morrerá atacando ainda com maior virulência que a atual.
DL - Pode estar parte da responsabilidade de que o capitalismo nom acabe de morrer na própria fraqueza atual da esquerda?
Miren - Com certeza. Sabemos que o futuro do capitalismo depende da
sua própria dinámica interna, como temos dito até aqui, mas também da
luita de classes. Se a luita de classes for muito ativa, acelerará a
queda do capitalismo, mas se for débil, o capitalismo vai durar mais,
sem dúvida. Esse é um elemento básico na análise da evoluçom provável
nos próximos anos.
DL - Nos últimos tempos temos assistido a umha recuperaçom da
figura de Karl Marx e do marxismo, depois de anos em que se dizia que
estava ultrapassado e que só era mais umha utopia decimonónica. Qual é a
tua avaliaçom dessa realidade e da própria vigência do marxismo?
Miren - Como ferramenta analítica da sociedade, o marxismo é a melhor
que existe. Sempre o pensei, mas isto é ainda mais claro na análise de
umha situaçom de crise. Se atendermos ao tipo de visom das sociedades
futuras que inclui, se bem na verdade pouco se tem debruçado sobre isso,
aí poderá ser mais debatível. Talvez as soluçons socialistas ou
comunistas dadas no século XIX nom sejam exatamente as que devamos dar
hoje, mas contodo, o marxismo permite inclusive projetar para o futuro o
tipo de sociedade que queremos, sem que deva ser exatamente o que se
pensava no século XIX.
O marxismo continua a ser um instrumento chave para entendermos a sociedade atual.
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