Waldemar Rossi |
ESCRITO POR WALDEMAR ROSSI
O ufanismo é uma das perversas práticas dos
ocupantes do poder – em suas três instâncias: municipal, estadual e federal.
Basta alguma pequena melhora em qualquer dos indicadores econômicos, ainda que
passageira, para que os governantes e seus “lambe-botas” saiam esgoelando mundo
afora que, graças às políticas aplicadas, as coisas melhoraram. Tentam tapar o
sol com a peneira, iludindo incautos e toda sorte de gente que vive no sufoco
com sua economia familiar. Assim, quando falam em crescimento do emprego, por
exemplo, vendem a ilusão de que o país caminha na rota certa e que “todos
seremos felizes num futuro bem próximo”, que todos terão trabalho, que as
famílias deixarão de viver na rua da amargura. No bojo desta lengalenga,
estimulam os trabalhadores a comprar, comprar, comprar, não importa o quê. E o
resultado, também perverso, não tarda a aparecer.
Dados do Banco Central revelam que 22,44% da
renda familiar estão sendo aplicados para o pagamento de dívidas e que, apesar
disso, a inadimplência (calote, falta de pagamento) dos trabalhadores continua
alta. Com os baixíssimos salários que vigoram no país, não se consegue manter
uma família padrão atendendo às suas necessidades básicas. Como a publicidade
comercial é estimuladora ao consumo, mas é também desleal, leva os menos
precavidos ao consumo impensado, especialmente com as compras parceladas. Com
isto, quando menos esperam, as dívidas estouram o orçamento familiar, levando
os responsáveis ao desespero ou, então, ao calote indesejado.
Mas o trabalhador, via de regra, não é
caloteiro, não gosta de dar o cano em ninguém, preza sua dignidade e faz de
tudo para mantê-la intacta. Quer ser uma saudável referência para seus filhos e
para seu entorno. Com tal preocupação, parte, então, para iniciativas mais ousadas
em busca dos recursos necessários. Se estiver trabalhando, propõe-se a fazer
horas extras, incluindo feriados e domingos. Aí começa a comprometer sua vida
familiar: sai cedo de casa, volta muito tarde, dorme pouco e não descansa o
suficiente, repete a rotina inclusive nos fins de semana, vai se estressando,
comprometendo sua saúde, deixando de acompanhar seus filhos, faltando com a
companhia devida à sua esposa ou ao seu marido, enfim, comprometendo toda sua
vida familiar. E, pior ainda, se adoecer, perde o emprego.
Outros dados recentes complementam as
informações acima, revelando a intensidade dessa vida crucificada: “Quase um
quarto dos trabalhadores que procura emprego temporário nesse fim de ano têm
como objetivo obter uma renda extra para pagar dívidas. Desses, mais da metade
(59%) já está empregada e nunca prestou serviços temporários”, revela pesquisa
feita pela empresa Vagas Tecnologia (Estadão, 5/11/2012 – Economia, pág. B1).
Portanto, mais trabalhadores em dupla jornada. Serão pelo menos dois meses que,
inegavelmente, provocarão o cansaço e desgaste físico e emocional desses
trabalhadores. Os possíveis resultados negativos são bem previsíveis.
A abordagem inicial desse artigo fala do
discurso enganoso dos políticos e seus fiéis servidores e o classifica como
perverso. Perverso por várias razões: porque os empregos atuais não estão
garantidos, pois a demissão do trabalhador virou rotina do sistema capitalista;
a rotatividade da mão de obra a cada ano já é gritante; a cada novo emprego
corresponde algum achatamento salarial; o tempo entre um emprego perdido e
outro alcançado é sempre, pelo menos, de alguns meses; se o trabalhador já
tiver passados dos 50 anos de vida, terá muito mais dificuldades em encontrar
trabalho; sem trabalho, não há salário e, sem salário, não tem como atender às
necessidades da casa. Resultado frequente: inquietações, irritações, queixas,
desentendimento entre esposos, entre pais e filhos. Quantos lares já se
desfizeram em casos semelhantes? Quanta gente buscou “consolo” na bebida?
Quantos jovens fizeram sua iniciação às drogas? Quantas meninas se entregaram
bem cedo à prostituição?
Mas a perversidade maior é a de esconder
para o conjunto da sociedade que o padrão de vida do trabalhador vem sendo
rebaixado progressivamente, seu poder aquisitivo “caindo pelas tabelas”, seus
direitos fundamentais sendo roubados em conta gotas por anos a fio, sendo-lhe
negados os dados comparativos para que possa entender esse processo corrosivo
do seu padrão de vida. Essa negação da verdade leva-o à acomodação, ao
conformismo, ao fatalismo de sua vida miserável.
Entretanto, segundo os discursos dos
políticos de plantão, tudo está bem e ainda vai melhorar. Entram anos,
passam-se anos, entram e saem governantes e as políticas públicas não mudam seu
rumo, tudo vai sendo feito para que o capital acumule mais, para que as
riquezas produzidas socialmente se concentrem nas mãos de uns poucos e cada vez
mais reduzidos ladrões legalizados. A crueldade se potencializa porque o povo
continua a legitimar governantes ilegítimos e a legitimar esse sistema
político-econômico excludente, que vai gerando miséria e barbárie crescentes. É
irritante ver gente que deveria dedicar sua vida à formação da consciência
crítica do povo a se mancomunar com o poder, ou a fechar os olhos diante de
tantas e frequentes injustiças!
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e
coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.
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