José Ribamar Bessa Freire
05/08/2012 - Diário do Amazonas
Reproduzido do Blog de Altino Machado
O ministro do Esporte do Brasil, Aldo Rebelo, concedeu lá na Inglaterra entrevista coletiva aos jornalistas, que queriam saber porque ele havia sido tão deselegante e até agressivo com a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva pela participação dela na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Londres. Presentes os cronistas esportivos especializados em ginásticamuacysáua, entre os quais Antônio Salieri, da Áustria; Dâmaso Salcede, de Portugal; Arão e Miriã, de Israel, Otelo e Iago, da Itália. Do Brasil, Zuenir Ventura e as coleguinhas Pitiápo e Dassuen.
Todos eles
chegaram à meia-noite na charneca do Condado de Devonshire, no sudoeste da
Inglaterra. Seguiram fielmente as orientações de Nelson Rodrigues, que propôs
trocar aquela entrevista besta feita habitualmente pela mídia, onde "o
sujeito esconde o que pensa ou sente",pela entrevista imaginária, "a
única técnica capaz de arrancar do entrevistado as verdades atrozes que ele não
diria ao padre, ao psicanalista, nem ao médium, depois de morto". Foi
admitida a presença apenas de uma testemunha, alguém que "não trai,
não faz fofoca, nem comete inconfidências": um bode velho que substituiu a
cabra vadia.
Efetivamente,
na entrevista imaginária que concedeu na charneca, Aldo não impostou a voz, não
fez pose, não representou, não tentou ocultar a verdade. Olhou seus
entrevistadores como se fossem um espelho, sem cinismo, sem ironia, sem
autocensura. Nada de ocultar a verdade. Foi aquilo que ele é: o Aldo nu e cru.
Respondeu as perguntas com absoluta sinceridade, começando com a formulada
pelo repórter italiano que trabalha em Salzburgo, Áustria.
Antonio
Salieri (Salzburger Nachrichten) - O mundo inteiro
reconhece a importância do trabalho ambiental de Marina Silva, que é a cara do
Brasil. Isso foi motivo para alegria e orgulho de todos. Por que, então, tanta
agressividade de V. Ex. diante do convite feito à ex-ministra para a abertura
das Olimpíadas de Londres?
Aldo - Foi olho gordo mesmo! Mau-olhado! Quando a vi carregando a
bandeira com os anéis olímpicos, ao lado do secretário-geral da ONU, Ban
Ki-Moon, escolhida junto com mais sete celebridades, não suportei. Tive febre,
meu corpo amoleceu, fiquei irritadiço, deprimido. Deus, se existisse, não daria
a uma acreana aquilo que negou a esse pobre alagoano! Fiquei roendo de inveja.
Essa é a verdade.
Dâmaso
Salcede (A Bola) - Por pura inveja, um
personagem de Eça de Queiroz, no romance "Os Maias", um
"moço gordo e bochechudo", se infiltra na casa das janelas verdes e
imita Carlos da Maia, belo, inteligente, nobre e culto, "com uma
minuciosidade inquieta", se veste como ele, faz a barba como ele,
querendo ser como ele em tudo e por tudo. O ministro Aldo quer ser a Marina?
Aldo - Veja bem! Alguém já disse que os ataques de inveja são os únicos em que
o agressor, se puder, prefere fazer o papel da vítima. Não vou mentir. É claro
que eu gostaria de desfilar ao lado do Muhammad Ali e de vários detentores do
Prêmio Nobel. Não poder fazê-lo foi como receber um golpe no queixo, um uppercut. Me
senti nocauteado pela Marina, que é ex-ministra, não é mais, já foi, já era.
Quem devia estar lá, era eu, que sou ministro do Esporte e não ela.
Iago
com o fotógrafo Otelo (Gazeta Dello Sport) - Afinal,
quem é o Aldo? Jeová se apresentou a Moisés dizendo: "Ego sum qui
sum", eu sou aquilo que sou. Quando Shakespeare escreveu "O Mouro
de Veneza", escolheu a inveja para desenhar o mais perverso e intrigante
vilão da literatura, um invejoso, perverso, o próprio demônio, que se
auto-define "Eu não sou o que sou". Aldo Rebelo é
aquilo que é ou não é o que é?
Aldo - Sou muitos. Já Marina é o que eu ainda vou ser, mas ainda não sou:
ex-ministro. Sou o criador do Dia Nacional do Saci-Pererê, o projeto conhecido
como "Halloween é o cacete!". Sou o criador do Pro-Tapioca que obriga
usar farinha de mandioca no pão. Formulei o projeto que proíbe usar palavras
estrangeiras. E a dona Marina, que veio lá do Seringal do Bagaço, quem é ela? O
que fez? Francamente, não entendo tanta admiração que vocês, a aristocracia e
as casas reais da Europa sentem por ela!
Miriã
com o fotógrafo Arão (Sporting Life) - A
Bíblia ensina que a inveja é uma armadilha do capiroto. Os dois irmãos de
Moisés, com o coração cheio de ressentimento, atacam a própria cunhada Zípora.
Por isso, Jeová os castigou. Não é mais recomendável, no lugar da inveja,
procurar saber qual papel Deus deseja que o ministro Aldo desempenhe em
Sua obra?
Aldo - Conversa fiada! Que Deus que nada! Quem convidou Marina para desempenhar
esse papel não foi Deus, foi a Rainha da Inglaterra, assessorada pelo canalha
do presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), com o apoio do crápula do
Ban Ki-Moon. Não podemos determinar quem as casas reais escolhem, fazer o quê?
Mas não meta Deus nesse história. Deus é uma ova! Não acredito em Deus, sou
materialista.
Zuenir
Ventura (O Globo) - O ódio espuma. A preguiça se
derrama. A gula engorda A avareza acumula. A luxúria se oferece. O orgulho
exulta. Só a inveja se esconde. Por que o senhor tornou público e escancarou o
mal secreto, esse sentimento que costuma sempre ser dissimulado por todo
mundo.
Aldo - Vocês precisam conscientizar que a inveja é uma função natural da
vida, como a respiração, o medo, o prazer, o ciúme. Não é necessariamente algo
patológico. Inveja é humano. Eu sou humano. Todo mundo sente ou já sentiu
inveja. Numa entrevista imaginária, eu posso ser sincero, assumir que a inveja
é a admiração torta sem esperança. Sabe, no fundo, eu gostaria de ser a Marina,
de ter o reconhecimento nacional e internacional que ela tem.
Dassuen (Diário do Amazonas) - Aldo já foi vitima da inveja de
alguém?
Aldo - Nunca fui invejado. Minto, só uma vez quando estudava no Colégio
Agrícola Floriano Peixoto, em Satuba (AL). Fiz um queijo coalho que nem
comunista botava defeito e que foi muito elogiado no Festival do Mocotó e na
Festa de Nossa Senhora da Guia, padroeira de Satuba. Mas a gente sabe que
alguém que fala não inveja quem também fala. Só o mudo inveja quem fala.
Pitiápo (Diário do Amazonas) - Ministro, queremos saber sua opinião
sobre uma história que circula no Alto Rio Negro. Quem nos contou foi o amigo
Manoel Moura, um índio Tukano, escritor, que faz 60 anos no próximo dia 10 de
agosto. Ele lembra que três vagalumes - Cuisi, Uiuári e Oán - foram perseguidos
por uma cobra, a Iararacussu, que matou dois deles. O terceiro, Oán, depois de
perseguido durante vários dias, já cansado de fugir, parou e negociou com a
cobra:
- "Posso
te fazer três perguntas?". A cobra concordou.
- "Por
acaso, você come vagalume? Faço parte de tua cadeia alimentar?"
- "Claro
que não".
- "Já te
fiz algum mal na vida?".
-
"Nunca".
- "Então
por que queres acabar comigo?".
- "Por
que não suporto de te ver brilhar".
Ministro,
gostaríamos de ouvir seu comentário sobre essa história.
Aldo - A única coisa que tenho a declarar é que a muacysáua é
uma tiputy e eu sou mesmo ummuacyuéra-puxy. Mas pelo
menos digo isso sem usar estrangeirismos, em Nheengatu puro, a primeira língua
dos brasileiros.
O bode velho,
que assistiu calado toda a entrevista, calado permaneceu.
P.S.
Glossário extraído do Dicionário Nheengatu-Português de Stradelli:
muacyuéra-puxy
- invejoso (pg.238).
muacysáua
- inveja (pg.238)
tiputy - merda (pg.260)
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