Alfredo MR Lopes (*)
Fonte: NCPAM
No Amazonas, ironicamente, na entressafra, quase 100% do pescado
de aquicultura vem de Rondônia, Roraima e Mato Grosso. Por razões diversas, os
projetos locais de piscicultura fracassaram um a um nos últimos 20 anos.
O desperdício de algumas dezenas de toneladas de peixe nos
terminais pesqueiros de Manaus – veiculado pela mídia nacional - deixou a
opinião pública certamente...estarrecida e a especular sobre a inépcia do poder
público e dos agentes privados locais em aproveitar essa obviedade de negócios
e de saudável alternativa alimentar. Eis um desafio que constrange desde sempre
o talento regional para empreender à vista das potencialidades que a
aquicultura e a pesca regional oferecem. Sobram pesquisas a respeito e são
múltiplas as espécies disponíveis, além das saborosas variedades culinárias à
disposição, entre outros itens de negócios que a magia do peixe representa na
região.
Enquanto cada brasileiro come em média 9 quilos de peixe por ano,
uma quantidade discreta em relação aos 54 quilos consumidos no Amazonas, quase
5 vezes o recomendado pela Organização Mundial da Saúde, que é 12 quilos,
desperdiçamos nesta semana, por conta de uma safra recorde, 20 toneladas de
pescado por absoluta incompetência gerencial dos atores envolvidos. Proteína
preciosa por seus baixos teores de gordura e de colesterol nocivo, o peixe é a
base alimentar das grandes civilizações, desde os egípcios. Do total consumido
pelos brasileiros, 69,4% é produzido no País e 30,6% vêm de países como Chile,
Noruega e Argentina. No Amazonas, ironicamente, na entressafra, quase 100% do
pescado de aquicultura vem de Rondônia, Roraima e Mato Grosso. Por razões
diversas, os projetos locais de piscicultura fracassaram um a um nos últimos 20
anos.
Fóruns, seminários, workshops se revezam na discussão do problema
e constatam em todas as oportunidades a insuficiência, fragmentação e dispersão
de ações de pesquisa e desenvolvimento. Os escaninhos do INPA, Embrapa e
Universidades regionais estão entupidos de teses de aproveitamento da economia
pesqueira, como filetagem, curtume, ração animal, cosméticos e fármacos... As
tentativas de coordenação nacional de uma politica da pesca, ainda sem marco
regulatório, esbarram nas especificidades regionais e empacam na manipulação
eleitoreira. Resultado da desordem institucional, além do desperdício, é a
importação de pescado e farinha de peixe para fins industriais num patamar
superior a meio bilhão de dólares. Um vexame da balança comercial.
A Embrapa começa a colher frutos robustos na agricultura e
aquicultura no Continente Africano, mas não encontra guarida nem patrocínio
para seus novos projetos de pesquisa das cadeias produtivas do pirarucu,
surubins, matrinchãs e outros peixes do acervo amazônico onde estão disponíveis
o maior potencial aquático para fins de produção racional e mais de três mil
espécies da ictiofauna local. Nos últimos 50 anos, os cientistas do INPA
acumularam um acervo monumental de informações para o desenvolvimento da economia
da várzea amazônica, onde abundam os adubos naturais e outras aptidões de
negócios ao longo de milhares de quilômetros dos rios e lagos da região.
Alternativas de ração orgânica, co rantes naturais de adereços de origem
pesqueira, óleos medicinais, proteínas, vitaminas e outras substâncias
alimentares e terapêuticas sintetizadas a partir de algumas espécies estão aí,
disponíveis para aplicação e diversificação de oportunidades.
Enquanto isso, uma disputa jurídica vesga e danosa entre União e
Município, embalada pela omissão estadual, vira espinho na garganta do
interesse público, impede o uso de um terminal pesqueiro na orla da cidade e se
soma a velhos e insolúveis dilemas de uma atividade antiga como o mundo,
necessária e saudável sob todos os pontos de vista e direções. De quebra,
aquilo que poderia ser uma deliciosa alternativa alimentar, vira um descaso
perverso e omissão inaceitável que assiste a crianças consumirem ração suína,
arroz e linguiça calabresa no cardápio da merenda escolar. Nesta semana, como
uma andorinha solitária e teimosa, na perspectiva do verão da prosperidade, o
INPA realiza o primei ro workshop de tecnologias sociais, pra fazer da Ciência
efetiva oportunidade de projetos e prospecção de ações futuras, identificando
soluções convencionais, inovação de produtos, processos e serviços, na
interação promissora com o conhecimento tradicional e o saber popular. Por que
não apostar nas promessas dessa inversão?
(*) É filósofo e consultor e articulista do Jornal Em Tempo alfredo.lopes@uol.com.br
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