José
Ribamar Bessa Freire
12/08/2012
- Diário do Amazonas
Cara
de bundão. É, essa foi a cara do advogado Marthius Lobato, quando foi
questionado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa
sobre a defesa do ex-diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, acusado de
desviar recursos públicos para o empresário Marcos Valério. O ministro fez três
indagações. Juro que pela cara do advogado, pensei que ele ia dizer: "uso
o meu direito constitucional de ficar calado".
Quando
ia começar a escrever sobre os bundões, li na internet que a editora portuguesa
Terramar vai lançar uma segunda edição do Breve História das Nádegas,
escrito pelo historiador francês Jean-Luc Henning. Decidi, então, esperando o
perdão dos leitores, recuperar com alguns retoques uma resenha que fiz, em
1995, da edição original deste livro intituladoBrève Histoire des fesses.
Como
é que alguém pode interessar-se - cientificamente, é claro - por essa parte da
anatomia humana e pesquisar seriamente durante anos sobre o tema? Resolvi ler o
livro - afinal, o que abunda não prejudica - para conferir o interesse
acadêmico do autor.
O
eminente bundólogo francês, Jean-Luc, parte de uma constatação original: "entre
as 193 espécies de primatas, somente a espécie humana possui nádegas
hemisféricas, carnudas, globosas e salientes sobre as quais pode
sentar-se". O que chegou mais perto do homem foi o babuíno, aquele
macacão de bunda vermelha exposta.
Você
já havia pensado nisso, leitor (a) ? Não é surpreendente? O homem é o único
animal que tem bumbum, incluindo na espécie "homo" - é claro - a
mulher, graças a Deus. A bunda é, pois, um fenômeno exclusivamente humano, mais
humano - imagine só! - que o próprio coração, órgão compartilhado com outros
animais.
Entusiasmado
- digamos assim - com a humanidade da bunda, o historiador francês prosseguiu
sua pesquisa para saber desde quando o homem a carrega. "Desde que
o homem é homem"- ele responde. "As nádegas datam da mais alta
Antiguidade. Elas aparecem quando o homem adquire a possibilidade de ficar em
pé, em posição ereta, apoiado nas patas traseiras, permanecendo nesta
posição".
Confesso
que isso nunca me havia passado pela cabeça. Por falar em cabeça, o bundólogo
Jean-Luc faz uma revelação-bomba tão impressionante que se você estiver em pé,
leitor (a) recomendo aproveitar a sua condição humana e sentar-se sobre o
traseiro para não cair.
Ele
afirma que "as nádegas do homem são responsáveis, em certa medida,
pela origem das funções pensantes do cérebro. As nádegas, ao encontrarem
definitivamente o seu lugar, permitiram ao mesmo tempo que a cabeça encontrasse
o seu". Em outras palavras, sem bunda - quem diria, hein! - não
haveria pensamento. A lógica cartesiana baseada no "Penso, logo
existo", foi antecedida por "Sento, logo penso". Acho bom a
gente trocar e, em vez de "papo cabeça", começar a
falar de "papo bunda".
Ela
- a bunda - tornou-se tão importante, que acabou pagando por crimes que não
cometeu. Um problema nas vias respiratórias, exigindo uma injeção: onde é que a
agulha vai furar? Uma operação plástica necessitando de enxerto: de onde se vai
retirar o tecido? Quem recebe palmadas por erros cometidos pela cabeça e pelo
coração?
Aliás,
o autor do livro apresenta exemplos abundantes - desculpem o infame trocadilho
ou a redundância - de como a Revolução Francesa puniu os seus opositores: ou a
guilhotina cortava-lhes a cabeça ou chicotadas públicas dilaceravam-lhes o
bumbum.
Sempre
injustiçada, a bunda, vestida com um adjetivo, transforma-se em ofensa:
"bunda mole", "bundão", "bundalelê",
"bunda suja". O bundólogo Jean-Luc considera revoltante esse
tipo de discriminação contra o seu objeto de estudo. Por essa razão, em seu
livro, ele faz uma seleção literária de escritores e poetas que cantaram as
virtudes do traseiro: Rabelais, Sade, Verlaine, Proust, Joyce e tantos outros.
No Brasil, o maior poeta de todos, Carlos Drummond
de Andrade, canta os meneios das "duas luas gêmeas" num belíssimo
poema: "A bunda, que engraçada./ Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai / pela frente do corpo. A bunda basta-se. Existe algo
mais? Talvez os seios. / Ora - murmura a bunda - esses garotos, ainda lhes
falta muito que estudar".
Manuel
Bandeira versejou sobre "as alvas formas de sereias, de braços nus e
nádegas redondas". Cesário Verde mostrou-se maravilhado diante do sacolejo
das "ancas opulentas" da amante e Jorge Amado partiu para a
ignorância em Dona Flor: "Era uma bunda e tanto, das de tanajura".
Alguns
leitores, é verdade, já leram antes esse texto, com ligeiras modificações. Não
faz mal. Afinal, o que abunda, não prejudica. Vale a pena conferir a bíblia da
bunda, reeditada pela editora portuguesa Terramar.
P.S
- Com ilustração do parceirinho Fernando Assaz Atroz.
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