Companheiro Raymundo Araújo |
Escrito por Waldemar Rossi
Inesperadamente, perdemos nosso grande amigo e companheiro Raymundo
Araújo. Foi no último dia 23 de setembro. O coração pregou-lhe uma peça:
recusou continuar a bater em seu peito. Sua vida foi ceifada ainda muito cedo.
Conhecemo-nos por acaso – se é que o acaso existe –, através das
mensagens da internet, já não me lembro bem, mas sei que nosso contato se
iniciou sobre as questões políticas dos últimos anos. Ele no Rio, eu aqui em
São Paulo. Travado o primeiro contato, a afinidade se revelou com nossas
preocupações quanto à justiça sistematicamente negada aos trabalhadores, do
campo e da cidade.
Com o passar do tempo, vindo a São Paulo, Raymundo nos fez uma
visita, a mim e à Célia, em nossa casa. A amizade e o companheirismo cresceram
de forma extraordinária e rapidamente, graças ao seu temperamento dinâmico.
Sempre gostei do teor dos seus escritos voltados para a política
nacional e as lutas dos trabalhadores. Mas não escondia minhas insatisfações
quanto aos excessos das adjetivações. Toda sua decepção e insatisfação com as
traições dos que deveriam defender os interesses populares, ele as fazia
extravasar com múltiplos adjetivos, muitos dos quais excessivamente ofensivos.
Não era revoltado. Era indignado e agia conforme sua indignação. Abusando de
nossa recente amizade, ousei sugerir que ele se ativesse ao debate político,
deixando de lado as adjetivações desnecessárias, pois estas poderiam soar como
desqualificação de pessoas ou do debate político. Diz antigo ditado que “o uso
do cachimbo faz a boca torta”. Raymundo entendia e acatava as observações, mas,
vira e mexe, retomava seus escritos furiosos, numa luta incansável consigo
mesmo.
Como todo ser humano honesto, foi progressivamente evoluindo, e o
desnecessário foi sendo descartado em seus artigos, que passaram a ser de
leitura mais agradável, tendo aceitação maior.
Com o tempo, tivemos a felicidade de conhecer sua companheira Tita
Ferreira, que também teve a gentileza de nos visitar em casa. Nesse dia, depois
de um animado papo, Raymundo e Tita lançaram a ideia de fazer uma gravação com
o “casal militante”, como ambos nos apelidaram. Daí, para surpresa nossa,
editaram um DVD ao qual deram o título de “A História por quem a faz”.
Aprendi a admirar e respeitar seu firme compromisso com a justiça
social e suas ações visando contribuir para o esclarecimento, sobretudo de
trabalhadores do campo, sua área de atuação, oferecendo seus conhecimentos e
contribuindo para sua organização. Como todo ser humano consciente do seu
protagonismo na história, Raymundo tinha planos generosos de apoio aos que se
mantêm firmes e perseverantes nas lutas populares. Era agradável ouvi-lo falar
com grande entusiasmo sobre seus trabalhos, assim como dos projetos do casal em
andamento, especialmente na área da pecuária.
Mas, infelizmente, “nem tudo são flores”. Raymundo se foi. “Em que
planeta andarás?”, pergunta Paulo Barroso, em seu poema “República do coração
indomado”, escrito no mesmo dia 23, em sua homenagem. Paulo foi muito feliz com
o título desta linda poesia, pois Raymundo, felizmente, sempre foi um coração
indomado, não aceitando medidas e atitudes autoritárias, nem mentiras e
bravatas de políticos se dizentes de “esquerda”. Por isso mesmo, sofreu
perseguições e ameaças. Mas manteve-se perseverante e fiel aos seus princípios.
Sentiremos sua falta, Raymundo, e a saudade já bate às portas do
nosso coração e da nossa mente. Você deixa um espaço vazio, que não se poderá
preencher!
Nossa solidariedade à querida Tita, emocionalmente abalada com a
partida inesperada, generosa companheira dos últimos anos da vida do Raymundo.
Nossa solidariedade se estende à sua mãe e a todos os seus familiares.
Nesta modesta homenagem ao companheiro Raymundo, pedimos licença
para acrescentar um refrão da música dedicada a Santo Dias da Silva, quando do
seu assassinato pela polícia da ditadura militar: “Santo, a luta vai continuar.
Por seus filhos, vai continuar...”.
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral
Operária da Arquidiocese de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário