General francês Paul Aussaresses |
José
Ribamar Bessa Freire
09/09/2012
- Diário do Amazonas
(Enviado de Paris) Acabo de ler o
último livro que o general francês Paul Aussaresses escreveu: Eu não
contei tudo. Últimas revelações a serviço da França (Je n'ai pas tout
dit.Ultimes révélations au service de la France, Editions du Rocher, 2008).
Depois disso, tentei entrevistá-lo, sem sucesso, através de contato com
Jean-Philippe Bertrand, assessor de comunicação da editora. Soube que o general
está com 94 anos, quase cego, e que não mora em Paris, reside na Alsácia. Mas
não dá entrevistas.
Ele deu uma entrevista polêmica ao Le
Monde em novembro de 2000, depois outra, em 2008, à Folha de São Paulo. Tentei
arrancar uma agora para o Diário do Amazonas, consciente de que seria difícil.
Diante da impossibilidade, só me resta compartilhar com o leitor minhas impressões
sobre o livro que li, onde o general conta suas andanças pelo Brasil, suas
atividades como adido cultural da França em Brasília de 1973 a 1975, e suas
muitas passagens por Manaus, onde foi professor de tortura no Centro de
Instrução de Guerra na Selva (CIGS).
Logo no primeiro capítulo, Paul
Aussaresses revela que sempre foi um babaca, desde que nasceu. Quer dizer, ele
não diz que era babaca, é claro, sou eu que estou dizendo pelas coisas que ele
narrou. Ele conta, por exemplo, que na sua infância, em Paris, olhava de sua
janela os soldados desfilando no Campo de Marte e ficava fascinado:
- Eu dizia a mim mesmo: quando eu
crescer, vou ser militar. Minha querida avó, em cuja casa meus pais me deixavam
muitas vezes, me olhava e dizia orgulhosa: "Cadê o generalzinho da
vovó"? Na família, todo mundo dizia que minhas primeiras palavras foram:
"Posição, sentido! Avançar!". Mas eu não amava apenas os desfiles
militares e a música marcial. Era eu um predestinado?
Paul Aussaresses cresceu, se tornou
militar e atuou no Serviço de Documentação Exterior e de Contra-Espionagem
(SDECE). Participou da guerra da Indochina. Ele confessa, na maior cara de pau,
que este órgão do governo francês decidiu montar uma rede para o tráfico de
ópio:
- "Nós comprávamos ópio no Laos
por 14 centavos o grama e revendíamos aos intermediários por 18 francos. Esse
tráfico rendeu muito à República Francesa e dessa forma nós pudemos financiar
atividades de repressão".
Chefe do Batalhão de Paraquedistas
francês, além de combater na Indochina, lutou na Segunda Guerra Mundial e
recebeu a medalha de herói. Foi um dos responsáveis pela sistematização da
tortura durante a guerra da Argélia, instrutor das forças especiais
norteamericanas em Fort Bragg, e se distinguiu nos anos 1970 como professor de
tortura no CIGS, em Manaus, criado pelo marechal Castelo Branco no início da
ditadura militar, em 1964. Teve alunos brasileiros, chilenos, argentinos,
uruguaios e paraguaios, entre outros.
Vale a pena reproduzir aqui alguns
trechos do livro. O jornalista Jean-Charles Deniau, autor da entrevista, que
deu origem ao livro do general, lhe pergunta:
- Você ia com muita frequência a
Manaus?
- Sim, ia todos os meses.
- Sim, ia todos os meses.
- O que você ia fazer lá?
- Manobras com os alunos e estagiários
do CIGS.
- Mas você não ia para o coração da
floresta apenas para realizar manobras...
- Não. Os brasileiros me confiaram
outras tarefas. Meu programa consistia em ensinar aos alunos a guerra
contra-revolucionária. Para ser bem claro: eu ensinava as técnicas da batalha
da Argélia,
- E em relação à tortura, como é que
acontecia?
- A gente ensinava as técnicas,
ensinava como se devia fazer.
- O ensino da tortura era, então,
apenas teórico? Ou havia aulas práticas?
- Havia aulas práticas.
- Na realidade, vocês formavam
torturadores brasileiros que, por sua vez, exportavam a técnica para outros
países da América Latina?
- Sim. Confirma. Exato.
O general francês conta que quando foi
adido militar, o general João Figueiredo era chefe do SNI e com ele construiu
uma sólida amizade, assim como com o delegado Sérgio Fleury. Narra que quando
estava em Manaus foi chamado às pressas à Brasília por Figueiredo, que o levou
ao porão de um prédio onde uma mulher presa, de nome Eva, com quem o francês
havia tido um caso, estava sendo torturada. Ela morreu sob tortura. Segundo
Figueiredo,era uma espiã.
O professor de tortura francês faz uma apologia da violência cometida contra presos indefesos, justificando: "A tortura é eficaz, a maior parte das pessoas não aguenta e fala mesmo. Depois, quase sempre, nós os matávamos. Por acaso isso me trouxe problemas de consciência? Não, essa é que é a verdade: não".
Enfim, o general francês Paul
Aussaresses, no seu livro, demonstra que é - usando a linguagem do
"p" - um grande fipilhopo daputapa.
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