José
Ribamar Bessa Freire
23/09/2012
- Diário do Amazonas
(Enviado de Paris) O sociólogo francês Philippe Bataille, que é membro
do Comitê de Ética Clínica do Hospital Cochin, em Paris, passou vários anos
observando o sofrimento e a agonia de doentes terminais nos chamados Centros de
Cuidados Paliativos. Presenciou cenas chocantes. Conviveu com parentes de moribundos,
com médicos, enfermeiros, psicólogos, policiais e advogados, a quem
entrevistou. O resultado foi um livro, lançado na semana passada, na França,
intitulado: À la vie, à la mort. Euthanasie: le grand malentendu. (À
vida, à morte. Eutanásia: a grande confusão).
Comecei
a ler o livro motivado pela entrevista feita por Cécile Prieur com o
sociólogo e publicada, na última quinta-feira, no jornal Le Monde.
Mesmo antes de terminar a leitura, me aventuro a apresentar aqui algumas
questões discutidas pelo autor sobre a eutanásia e a ajuda médica prestada aos
que estão morrendo - um debate que se aprofunda nos países da Europa.
O
presidente da França, François Hollande, reconhece o direito do doente de
acabar com a própria vida e quer mudar a legislação para tornar isso
possível. Embora a lei francesa atual contenha uma brecha que permite o
paciente deixar ordens antecipadas a respeito de sua própria morte, os médicos
se recusam a atender a vontade daqueles que querem escolher o momento de ir
embora desta vida. Ninguém pode sequer morrer em paz. O Estado mete sempre
o bedelho.
Philippe
Bataille cita o caso do seu colega sociólogo, François Ascher, que antes da
fase terminal de sua doença, deixou por escrito, com todas as letras, que
queria morrer em casa, sedado, mas os médicos, alegando que "o paciente
queria se suicidar", não atenderam seu pedido:
-
"A suspeita pesa sempre sobre aquele que deseja abreviar a agonia de
um moribundo ou pretende acabar com uma vida vegetativa inconsciente" -
escreve o autor.
Ele
condena o que denomina de "paliativismo" - uma forma
ideologicamente exacerbada de cuidados paliativos, cujo princípio é de que
ninguém pode usar recursos médicos para apressar a morte de um paciente, que
deve acontecer naturalmente e não pode nem dever ser fruto da vontade ou da
intenção do doente. O sociólogo discorda:
-
Ora, existem pacientes incuráveis que não desejam morrer de "morte
natural". Eles estão fatigados e estressados depois de um longo tratamento
geralmente esgotante e pedem para acabar com a agonia, porque chegaram aos
limites de suas forças. No entanto, esse pedido, que requer um gesto ativo dos
médicos, é sistematicamente bloqueado pelo "paliativismo".
Em
seu livro, Phillipe Bataille critica essa visão que se tem do doente, que é visto
como uma criança, um bebê, incapaz de decidir por ele mesmo porque estaria numa
situação de vulnerabilidade. Dessa forma, o paciente é desqualificado e
culpabilizado de querer apressar a morte, quando, na realidade, a crueldade
reside justamente no fato de não deixar partir quem está sofrendo. No caso em
que a agonia se prolonga por longo período, o médico que nega ajuda para
abreviar os dias de vida do paciente é que deve ser acusado de maus tratos -
escreve o autor.
Na
entrevista, quando perguntado sobre qual é sua proposta, Phillipe Bataille
declarou: "Acho que é absolutamente necessário escutar o doente,
levar em conta sua palavra, seu desejo, ouvir o que ele tem a dizer sobre o seu
próprio fim. Os médicos que condenam a eutanásia costumam fazer uma caricatura
do pedido de ajuda ativa para morrer, como se isso fosse algo criminoso. Quem é
melhor médico: aquele que não pode impedir que a doença mate o paciente ou
aquele que, ao contrário, o acompanha a ter uma morte digna, com um gesto
ativo, no momento em que esse pedido é feito?
Essa
questão, bastante polêmica, envolveu debate entre os diferentes partidos
politicos. Marine Le Pen, da organização de direita Front National, se opõe
vigorosamente a uma legislação que permita atender o desejo de um paciente
terminal, da mesma forma que manifesta intolerância contra imigrantes, contra
judeus e muçulmanos.
O
autor do livro, que pensa de forma diferente, vem discutindo com seus
alunos de doutorado no seminário "Sociologia do sujeito vulnerável",
na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, onde orienta teses e coordena
um grupo de pesquisa. Há alguns anos ele publicou um livro abordando o mesmo
tema, intitulado: O câncer e a vida: os doentes diante da doença.
P.S. Ilustração do parceirinho Fernando
Assaz Atroz
Nenhum comentário:
Postar um comentário