Foto: CASSA UFAM |
É tênue demais a linha que separa a sanidade da loucura. No balcão
o olhar da atendente denota medo, frieza e até arrogância. Naquele local de
tanta beleza e história as pessoas procuram desesperadas um calmante para suas
agruras, para o seu desconforto, para as suas moléstias nem sempre físicas. Fui
ao hospital resolver um problema e fiquei a observar o tratamento destinado aos
doentes e seus parentes. Bem cedo já havia tido uma confusão com imprensa e
tudo que certamente tentava mostrar à sociedade as mazelas do ambulatório
situado no hospício que está sendo desativado no dia 16 próximo. Dizem que
continua no antigo casarão do século XIX, o atendimento a casos graves e a
permanência dos doentes residentes. Até, quem sabe, morrer o último doente e aí
então zera tudo. Ou continua bem longe dali.
E me pergunto do alto da minha banda que considero sã. Para onde
vão essas pessoas tão abandonadas, tão esquecidas, tão necessitadas de
políticas públicas? A impressão que tenho é que essas pessoas estão sendo pulverizadas,
tiradas da cena da copa do mundo e o atendimento, segundo se ouve por aí será
nas policlínicas distribuídas em alguns bairros. Como sei o que é atendimento
público nas unidades de saúde e policlínicas, já imagino o patamar de dificuldades
e sofrimento que espera essas criaturas. Uma testemunha de uma dessas
policlínicas avisa que o atendimento é “péssimo” e eu acredito nisso porque
também fui testemunha de uma delas, que
inaugurada há pouco tempo é tão ineficiente em relação ao atendimento de
certos profissionais. Não funciona e isso é fácil de constatar.
Meu coração ficou muito apertado de ver as condições precárias e a
falta de tudo para um atendimento digno naquele lugar. A higiene é ruim e
acredito que faz tempo aqueles corredores e salas não são lavados. Me encostei
próximo aos banheiros e o cheiro não era dos mais agradáveis. No chão água ou
mijo, sei lá. Muita gente, insatisfeita com o atendimento no balcão,
queria passar na porta onde o guarda
tentava dar um pouco de consolo respondendo com bons modos a seres tão
desesperadamente aflitos na busca de um médico ou de remédios ou mesmo de uma
palavra de conforto.
Porque nossos governantes não usam da transparência e explicam de
uma vez o que estão pretendendo fazer ali. Porque mais um hospital (o outro a
Santa Casa de Misericórdia que infelizmente está longe da área futebolística)
está sendo aos poucos desativado? Qual a verdadeira intenção que move essa
atitude das autoridades? E pode perguntar que ninguém responde. Nem os frondosos
taperebazeiros que enfeitam toda a área
do hospital e aquelas lindas frutinhas alaranjadas que caem pra valer na
grama numa determinada época, foram
capazes de tocar o coração de nossos políticos quanto mais aquelas pessoas que
se não eram loucas, ficam, com tanto descaso. Os quase 30 mil pacientes que
procuraram tratamento no Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, este ano, estão
completamente abandonados e perdidos neste mundo de corrupção e horror.
Quem se acha melhor que eles não atire a primeira pedra.
(*) É escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFAM.
Contundente análise e sutil crítica. Adorei!
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