José
Ribamar Bessa Freire
07/10/2012
- Diário do Amazonas
Preciso
acreditar, para não perder a fé na luta política, que a senadora Vanessa
Grazziotin (PCdoB), candidata à prefeitura de Manaus, pelo menos colocou a mão
para trás e fez uma figa escondida, quando ouviu na última quarta feira o pastor
Jônatas Câmara berrar, num culto de descapirotização da Assembleia de Deus
realizado na capital amazonense:
-
Sai, demônio, deste corpo imundo!!!
O
pastor não prega prego sem estopa. E agora ele pregou, com muita estopa, a
favor da criminalização do aborto, xingou os gays - que ele crê estarem
possuídos pelo capiroto - e se pronunciou contra o projeto que torna crime a
homofobia e a discriminação de orientação sexual. Quem registrou o fato foi o
jornal O Globo (05/10), em matéria intitulada "Manaus:
comunista pede apoio a evangélicos da Assembleia de Deus. Candidata participa
de reunião-culto com ataques a gays e ao aborto".
É
que a senadora Vanessa atuou num culto político de descarrego, ao lado do
pastor, e não fez figa, mas ao contrário, enquanto ele condenava a aliança do
capeta com os homossexuais, "a candidata do PCdoB assentia com a
cabeça e aplaudia", conforme conta Fernanda Krakovics, que assina
a matéria.
Não
posso acreditar no que leio. Conheço Vanessa por quem tenho sincera simpatia,
há mais de 35 anos acompanho sua trajetória de luta em favor da diversidade e
contra a discriminação, outro dia mesmo ela defendia a tramitação urgente do
PLC 122/06, agora parada, que torna crime a homofobia. Por isso, procuro algum
indício de que se trata de um equívoco da jornalista, espero um desmentido, mas
a informação final não deixa lugar à esperança:
"Ao
receber o apoio da Assembleia de Deus, no início da campanha, Vanessa assinou
uma carta afirmando que é contra o aborto e que não votará a favor de artigos
que contrariam a igreja no projeto de criminalização da homofobia".
Ou
seja, se a carta existe - e a carta existe - a senadora Vanessa Grazziotin, negando
os princípios que constituem sua história de vida, virou casaca em troca do voto
dos evangélicos que, de acordo com o Censo 2010, constituem 35,5% da população
de Manaus. A sessão de descarrego era para descarregar os votos nela. O pastor
festeja o fato de não existir qualquer prova do compromisso da candidata com o
Projeto de Lei Complementar que criminaliza a homofobia. Dirige-se a ela:
- Estou enojado com essa porcaria desse PLC 122.
Diziam que você era o demônio, mas não apareceu nenhum vídeo contra você.
O
pastor tenta, desta forma, com a anuência da senadora, apagar o passado de luta
dela, que constitui um incômodo, um obstáculo para o voto dos evangélicos. A
questão que se impõe é saber até que ponto tal operação se justifica
eticamente, ou seja, se é válido fazer qualquer tipo de aliança para ganhar
votos. Quando Vanessa declara que é contra a descriminalização do aborto, ela
está falando no que acredita e, neste caso, virou casaca, ou está apenas
enrolando o pastor? A quem está enganando: aos evangélicos? A nós? Ou a ela
mesma, à sua biografia?
Quando
você finge concordar com teses homofóbicas por razões eleitoreiras, quem ganha
com isso? A candidata ou os obscurantistas? Esses últimos já podem celebrar a
vitória, antes mesmo da abertura das urnas. Suas teses foram vitoriosas. O
outro lado depôs as armas e virou casaca.
E
aí? Como ficam as pessoas que admiram a história de Vanessa e que se sentem
derrotadas com essa virada de casaca? No meu caso, tenho publicado nos últimos
trinta anos na imprensa amazonense mais de vinte artigos apoiando a senadora,
desde quando era vereadora. Alguns amigos meus, que já decidiram que vão votar
no Serafim ou no Arthur, estão me cobrando isso e eu não sei o que dizer.
Cordialidade entre adversários históricos, tudo bem, mas promiscuidade?
Não
existe a lei da Ficha Limpa? Pois é! O Supremo Tribunal Federal declarou
constitucional, em fevereiro de 2012, essa lei que surgiu da iniciativa popular
e impede a candidatura de políticos com condenação judicial. Ela já está em vigor,
nesta eleição, em que 140 milhões de eleitores vão escolher prefeitos e
vereadores de mais de 5.500 municípios. Devia haver, não uma lei, mas um
princípio ético, que barrasse a candidatura dos vira-casaca.
P.S. - Sobre os candidatos,
incluindo Sabino Podrão, ver crônicas anteriores:
01. Quem deu o coice na Vanessa?
- http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=423;
02. Os dois filhos de arigós:
Arthur e Felix - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=564;
03. Manaus, poder e memória -
http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=60;
04. Novela eleitoral: o favorito-
http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=63;
05. Adeus a um prefeito singular:
Serafim Correa - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=38;
06. O Dia do julgamento de
Sabino Podrão - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=238
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