Na madrugada da última quarta feira, 20,
indígenas xikrin da Terra Indígena Trincheira Bacajá, localizada às margens do
rio Bacajá (afluente do Xingu), ocuparam a ensecadeira do canteiro de obras de
Pimental, paralisando os trabalhos dos operários. Após a ação inicial, se
juntaram ao grupo os juruna e arara, cujas aldeias Paquiçamba e Arara da Volta
Grande, estão no trecho do Xingu que secará com a construção da hidrelétrica, e
outros grupos, como os arawete, assurini e parakana estão se juntando à
ocupação nesta segunda (25). A previsão é que a manifestação tenha representantes
de todas as 34 aldeias do Médio Xingu.
De acordo com os indígenas, a ação, que reúne
cerca de 150 guerreiros, protesta contra a falta de cumprimento das
condicionantes pela empresa Norte Energia, a demora na implantação do Plano
Básico Ambiental – componente indígena (PBA), que deveria estabelecer e
efetivar os programas de compensação e mitigação dos impactos já sentidos na
região pelos indígenas; a demora na entrega aos Xikrin dos Estudos
Complementares do Rio Bacajá, que por ora apenas foram apresentados nas
aldeias, e que permitiria um melhor dimensionamento dos impactos neste rio e
para os Xikrin, e garantia da definição de programas de compensação e mitigação
destes impactos, em especial pela seca que prevêm que seu rio sofrerá com a construção
do empreendimento; o desconhecimento do PBA pelos indígenas, do qual se pede
mais e melhores apresentações para todos entenderem; a demora em definir a
situação fundiária das Terras Indígenas Terra Wangã, Paquiçamba , Juruna do Km.
17 e da Cachoeira Seca; a não autorização da construção de mais estradas como
alternativa ao transporte fluvial atualmente utilizado pelos indígenas e que
será dificultado pela transposição da barragem e pela seca (vazão reduzida) do
leito do rio; a falta do investimento necessário e anterior à obra em
infraestrutura nas aldeias impactadas, como por exemplo para garantir a
captação de água potável nas aldeias da Volta Grande do Xingu, nas quais a água
do rio, até então consumida pela população, já está barrenta e insalubre devido
à construção, e a indefinição no sistema de transposição da barragem – as
ensecadeiras, que cortam o rio de ponta a ponta, devem impossibilitar a livre
navegação do Xingu – e o temor de que eles fiquem isolados de Altamira, cidade
onde estão os principais serviços que lhes atendem (de saúde, educação,
escritórios da FUNAI).
Clique aqui para ver Quadro de Condicionantesindígenas de Belo Monte
De acordo com Mukuka Xikrin, em entrevista
concedida no sábado, a intenção da ocupação é paralisar a obra de Belo Monte.
“Eles não estão conseguindo cumprir o que prometeram dentro das aldeias,
principalmente as condicionantes, tudo está ficando pra trás. A gente está
vendo que a destruição da natureza e do rio está muito grande, e a gente não
vai deixar mais eles fazerem a obra andar”. Segundo Mukuka, o grupo pretende
ocupar o canteiro de obras do Pimental.
“As caçambas, os tratores e os carros estão todos presos la”, explica o líder
xikrin, e faz um apelo: “estamos precisando da imprensa aqui pra divulgar pro mundo
inteiro o que está acontecendo. O governo fala que a gente ta de boa, mas não,
a situação aqui está muito ruim, a gente, que vai ser impactado, não tem
garantia de direito nenhum. E a gente está pedindo pra Justiça mandar parar a
obra de Belo Monte”. Ainda segundo Mukuka, os indígenas exigem a presença do
ministro Edison Lobão (Minas e Energia), do presidente da Funai e do presidente
da Norte Energia. “Enquanto eles não chegarem, nós vamos ficar lá”.
Justiça nega
reintegração de posse
De acordo com informações do Ministério
Público Federal, a juíza federal Priscila Pinto de Azevedo negou, no último
sábado, o pedido de reintegração de posse da Norte Energia. A empresa havia
solicitado o uso de força policial para a retirada dos indígenas do canteiro de
obras, mas, de acordo com a juíza, o caso exige antes de tudo uma avaliação das
causas sociais que levaram à ocupação, sendo que a manutenção da integridade
física e da vida é, no caso, mais importante do que a questão possessória. Em
sua decisão, além de negar a intervenção da polícia, Azevedo definiu que a
empresa deve encontrar uma saída negociada, com participação da Funai.
“Parem com
isso”
Logo após a ocupação da ensecadeira, as
lideranças xikrin se reuniram para elaborar um curto mas contundente manifesto
sobre o seu posicionamento.
Manifesto dos Xikrin do Bacajá
“Parem com isso, deixem o rio correr. Deixem
que nossos barcos andem pelo rio. Parem com isso, deixem o rio correr para as
crianças banharem e beberem de sua água. Se fizerem a barragem o rio vai ficar
ruim, a água não vai mais ser boa. O rio vai ficar seco, por onde vamos
navegar?
Deixem o rio correr para a gente ir para o
mato caçar para nossos filhos e netos comerem, para que no rio que corre bem a
gente pesque, saia cedo para pescar para nossas crianças comerem.
Nossos Estudos mal foram completados e vocês
estão falando da barragem, não gostamos disso. O PBA nem saiu e vocês já estão
começando a fazer a barragem, não gostamos disso. Nós queremos que a barragem
de Belo Monte pare de vez!”
Texto produzido pelos homens reunidos na
aldeia do Bacajá, Terra Indígena Trincheira-Bacajá, com assessoria na tradução
da antropóloga Clarice Cohn.
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