José
Ribamar Bessa Freire
17/06/2012
- Diário do Amazonas
Naquela época, o vestibular passava pela Ponta
Pelada, em Manaus. Era inevitável. Qualquer amazonense que desejasse cursar uma
universidade tinha que cruzar, antes, os portões do aeroporto de nome
pornográfico e embarcar em um avião para ir estudar "lá fora".
Aconteceu com várias gerações, incluindo a minha. A sangria só começou a ser
estancada em 1962, quando, finalmente, nasceu a Universidade do Amazonas, hoje
UFAM.
Meninos, eu vi essa criança nascer e, ainda que
como mero espectador e simples leitor de jornais locais, testemunhei o parto
laborioso que lhe deu origem. Lembro ainda a figura do parteiro, o senador
Arthur Virgilio Filho, um político decente e atuante que deixou muitas
saudades. Por isso, por ter vivido no momento em que a universidade foi parida,
meio século atrás, posso falar de cátedra, embora a cátedra já tenha sido
extinta.
Anunciam que a UFAM está completando, agora,
cinquenta primaveras, como uma dama de beleza outonal. Ops! Ouvi bem?
Primavera? Outono? No Amazonas essas duas estações jamais deram o ar de sua
graça. Por que não falar de beleza estival e de cinquenta invernos bem vividos?
Afinal, parece que a universidade nasceu justamente para nos instigar a criar
uma linguagem própria, amazônica, em vez de ficar copiando imagens de
Chateaubriand ou de Victor Hugo.
Foi com esse espírito de uma universidade crítica,
capaz de pensar as questões que afligem a região, que a atual reitora Márcia
Perales presidiu as comemorações de aniversário, em cerimônia realizada no
auditório da reitoria. Compareceram ex-reitores, o ex-prefeito de Manaus
Serafim Corrêa e o ex-senador Arthur Virgilio Neto, representando a família na
homenagem feita ao seu pai, o autor do projeto de criação da UFAM.
Hoje, a Universidade é um importante centro de
reflexão sobre as questões amazônicas. Durante a cerimônia, a reitora chamou a
atenção para o fato de que a instituição abriga diferentes correntes de
pensamento, estimulando o debate democrático e o embate de opiniões, que fazem
parte do cotidiano acadêmico. Além disso, forma profissionais nas mais
diferentes áreas do saber e do fazer. Ninguém mais precisa embarcar num avião
para cursar a universidade.
A UFAM abriga atualmente 35 mil pessoas, entre
professores, funcionários e alunos, e está presente em cinco municípios do
interior do Amazonas, segundo o vice-reitor, professor Hedinaldo Lima. “Os
principais quadros, os gestores, os pesquisadores que atuam hoje no Amazonas
foram formados pela universidade federal", lembrou o deputado
Marcelo Ramos (PSB) presente às comemorações, quando foram homenageados os
professores Carlos Augusto Borborema, da Faculdade de Medicina, e Luiz Irapuan
Pinheiro do Instituto de Ciência Exatas, entre outros.
Borborema e Irapuan marcaram a vida da instituição
e são patrimônios da Universidade. Irapuan esteve tão presente na cozinha da
UFAM, que na época em que eu participava da diretoria da Associação de Docentes
(ADUA), alguém adaptou a música do Toquinho e Vinicius "Tarde em
Itapoã", que ficou assim:
- Passa reitor, Irapuan / Entra reitor,
Irapuan...oi...
Quem também merece ser homenageado pela instituição
é o professor de História, Aloysio Nogueira de Mello, o nosso querido
"Sapão", que completa 70 anos nesta quarta feira, 20 de junho. Sua
vida foi toda ela dedicada à sala de aula, à formação de alunos e à militância
política e sindical. Tive o privilégio de conviver com ele no Departamento de
História, no Sindicato dos Professores, na APPM, na ADUA, na ANDES e no PT.
Aliás, meu amigo Aloysio, um combatente histórico,
não vai gostar nada da forma como vou terminar esse texto. É que, juntos,
fizemos tantas greves, e eu vou, agora fazer uma declaração contrária, apesar
do movimento atingir quase todas as instituições federais do país, entre elas a
UFAM.
Se a greve fosse em qualquer universidade
particular, juro que teria minha entusiasmada adesão. Considero esse um bom
combate. É um risco que vale a pena correr: ter o salário cortado, ser
demitido, por estar na luta contra os tubarões do ensino. Mas numa universidade
pública, onde nosso patrão é o contribuinte, acho que a greve é, politicamente,
um desastre, embora as reivindicações sejam mais do que justas.
A força de pressão da universidade reside
justamente na capacidade de mobilizar, no caso da UFAM, os 35 mil integrantes
da instituição. E a greve desmobiliza, mandando todo mundo pra casa. As
assembleias ficam esvaziadas. Diminui o potencial de pressão. É preciso
inventar novas formas de luta, porque esse modelo viciado de greves periódicas
nas universidades públicas me parece que está esgotado e falido.
No momento em que a UFAM completa suas - vá lá -
cinquenta primaveras, espero estar equivocado, torcendo para que o impasse seja
resolvido e todas as universidades federais possam voltar às suas atividades de
ensino, pesquisa e extensão em condições mais favoráveis.
Perfeito registro da história recente de nosso Amazonas. Um abraço, professor!
ResponderExcluirProfessor relento de novo sua excepcional e histórica crônica, sou obrigado a concordar com o senhor: greve contra o próprio contribuinte é burrice.
ResponderExcluirDurante os anos anos em que fiquei na Universidade, os professores promoveram cinco greves e sempre reivindicando as mesmas coisas: melhores condições de ensino, melhores salários (isso acho justo) e bláblá, mas continuam a fazer a mesma coisa e esquecendo que o ensino tem ser inclusivo para se tornar mais atrativo aos alunos universitários. Sua lucidez me impressiona! E merece destaque também, o professor Aloysio Nogueira de Mello, tão esquecido nos movimentos atuais. Um abraço, mestre! Um pouco de história também é cultura!