José Ribamar Bessa Freire
10/06/2012 - Diário do
Amazonas
Vai assim mesmo, no diminutivo com o qual os amigos
carinhosamente o chamavam: Thomazinho. Quanto mais o tempo passa, mais ele
permanece Thomazinho, vivo no afeto que se encerra em nosso peito juvenil.
Depois da assustadora entrevista do ex-delegado do DOPS, Cláudio Guerra a
Alberto Dines, no dia 5 de junho, no programa Observatório da Imprensa,
Thomazinho ficou mais Thomazinho que nunca na nossa lembrança, em nós que não
queremos, que não podemos esquecê-lo.
Thomaz Antônio da Silva Meirelles Netto, o Thomazinho, nascido em
Parintins, ex-aluno do Colégio Estadual do Amazonas, ex-secretário geral da
União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), é o único amazonense
incluído na lista oficial dos desaparecidos na ditadura militar. Filho de dona
Maria, companheiro da Miriam Malina, com quem teve dois filhos - Larissa e Togo
- ele foi preso no dia 7 de maio de 1974, quando viajava do Rio para São Paulo.
De lá pra cá, nunca mais foi visto.
Agora, quem nos dá notícias dele é o ex-delegado do DOPS, Cláudio
Guerra, atirador de elite, que aprendeu seu ofício com instrutores norte-americanos
e treinou com especialistas em terrorismo e espionagem do serviço secreto de
Israel - o Mossad, conforme declarou a Alberto Dines. Participou ativamente da
repressão, seguindo as palavras de um de seus instrutores que lhe ensinou:
"Existem os que morrem e os que matam, você tem que escolher seu
lado".
Cláudio escolheu. Embora diga que não torturou, admite ser responsável
por mais de 20 mortes: "Tirei vidas, só a misericórdia de Deus para
perdoar". O ex-policial conta que recentemente encontrou Deus, que se
converteu e, por motivação religiosa, para "encontrar a paz de
espírito", se arrependeu de seus pecados. Ele acredita no inferno, aquele
criado por Dante na Divina Comédia. Está com medo, com toda razão, da Justiça
Divina. Por isso, resolveu se confessar. Escreveu o livro "Memória de uma
Guerra Suja", lançado no mês passado, onde conta histórias de assassinatos
e torturas durante a ditadura militar. Na entrevista, ele elucida:
“Hoje mais uma historia triste para esclarecer, é (do) desaparecido
político Thomaz Antônio da Silva Meirelles. Esse fato só veio
à minha memória posterior à edição do livro, não consta do livro essa
história por isso eu estou vindo a público agora para poder
esclarecer".
político Thomaz Antônio da Silva Meirelles. Esse fato só veio
à minha memória posterior à edição do livro, não consta do livro essa
história por isso eu estou vindo a público agora para poder
esclarecer".
"É... eu recebi um chamado do coronel Perdigão, como sempre era ele
que fazia, e fui ao quartel da Barão de Mesquita, entrei no quartel... no
pátio, você entrando pela guarda, você chega num pátio... e onde ali a tropa
faz exercícios físicos, com pranchas abdominais, tem lá, acho que tem isso até
hoje. Até uns anos atrás ainda tinha isso lá... E no fundo ficava o quartel...
o presídio, que é um prédio com dois pavimentos, uma construção com dois
pavimentos, a época existia também uma parte subterrânea não sei se tem
hoje".
"E ali o coronel Perdigão me entregou um corpo que estava num saco
preto, né, e o subalterno dele, era comum, eles nunca dirigiam a mim a palavra
porque existia uma separação entre o meu grupo... o grupo que eu servia e
aquele grupo que estava ali de militares. O coronel fazia uma... pela
disciplina que não tivesse conhecimento um dos outros, pois justamente para
preservar o segredo da operação".
"Ele me entregou esse corpo ali, eu não olhei, via de regra às
vezes eu examinava, mas esse ai eu não examinei, e quando chegou em Campos que
eu abri o saco para poder ver quem era, vi que se tratava de um homem
aparentando ter mais ou menos 40 anos, por ai, ou talvez menos. E muito
machucado, ele estava apenas vestido com um calção, não tinha as unhas das mãos
estavam arrancadas, o rosto bem desfigurado pelas torturas, sinais de
queimaduras...".
"É triste estar falando isso para a família, mas a família precisa
saber a verdade, saber o que aconteceu com o seu ente querido. Não justifica,
não tem desculpa, não quero me eximir de culpa, mas esse esclarecimento eu devo
à família, como eu devo a todas as famílias. Foi erro, foi passado, foi uma
guerra suja como está no livro. Mas hoje eu me penitencio, porque hoje eu sirvo
a Deus, eu quero é o perdão de Deus. E se a sociedade entender que isso é um dever,
não só meu, mas de todos aqueles que erraram... e voltar e falar do que fizeram
de errado é o momento de nós nos... não nos punirmos, mas poder esclarecer e
olhar para Deus e para o homem sabendo que foi errado, para que não se repita
mais”.
A brutalidade da cena no depoimento descritivo e o tom objetivo e
distanciado do policial arrependido agridem nossa humanidade, mesmo que não se
tratasse de Thomazinho, um militante querido que pagou com sua vida o ideal de
mudar o mundo, mesmo que fosse alguém desconhecido, um bandido, um facínora. No
caso, o discurso do policial não só reafirma a heroicidade de Thomazinho, mas
também nos entrega essa "verdade" que estava sendo sonegada.
A pergunta agora é: quem matou Thomazinho, quem foram os
responsáveis por essa cena de horror? Um dia antes da entrevista citada, a
Comissão da Verdade se reuniu, na última segunda-feira, pela terceira vez desde
que foi instalada em maio. Na ocasião, o ministro da Defesa, Celso Amorim,
afirmou que as Forças Armadas irão disponibilizar todas as informações que a
Comissão da Verdade solicitar para apurar as violações aos direitos humanos.
Será?
Cabe, então, requisitar e abrir os arquivos dos centros de informação do
Exército (CIE), da Marinha (CENIMAR) e da Aeronáutica (CISA) que formavam o
sistema de inteligência das Forças Armadas no período da ditadura.
O coronel Perdigão está morto, parece, cabe, no entanto convocar Cláudio
Guerra e quem mais possa fornecer informações sobre os torturadores e
assassinos do Thomazinho.
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