Geneviève
Azam e Michael Löwy, sítio Rebelión, 25-09-2011.Geneviève Azam é economista, é
do Conselho Científico da Attac. Michael Löwy é sociólogo brasileiro radicado
na França.
Mesmo
quando os elementos da origem da atual crise ecológica e social se encontravam
presentes na Conferência do Rio, em 1992, a consciência de um mundo finito e
parcialmente destruído – por causa do caráter irreversível de alguns fenômenos
(clima, biodiversidade, esgotamento dos recursos) – era ainda relativamente
marginal e circunscrita a círculos de especialistas ou captada por estes
círculos.
Neste
contexto, a Conferência do Rio reafirmou a sustentatibilidade como meio do
“desenvolvimento sustentável”. A ambiguidade deste conceito faz referência às
tensões que já se faziam presentes na Rio 92: trata-se de garantir a
permanência de um modelo por demais esgotado ou antes garantir a
perdurabilidade das sociedades e de seus ecossistemas frente à persistência de
um desenvolvimento depredador dos recursos naturais e humanos? Está demonstrado
que o “desenvolvimento” é globalmente inviável: a perdurabilidade das
sociedades é incompatível com as políticas preconizadas em uníssono pelo Banco
Mundial e o FMI, pela OMC, e mais globalmente com um modelo de sociedade
centrado na rentabilidade a curto prazo e na expropriação em massa dos bens
comuns.
Paradoxalmente,
a globalização econômica, pelo livre comércio generalizado, prometendo
prosperidade e crescimento através da inclusão no mercado mundial, colocou de
manifesto a finitude do planeta e aprofundou sustentavelmente as desigualdades
sociais.
Para
o capitalismo global, os desastres sociais ou naturais, a mudança climática ou
o colapso da biodiversidade, representam novas oportunidades, novos mercados,
possibilidades para uma economia verde. É assim que aparecem os mercados de
direitos de contaminar, os mercados da biodiversidade ou inclusive a promoção
de agrocombustíveis e projetos de geoengenharia – e uma última tentativa de dar
vida a um sistema que conduz diretamente ao abismo.
Durante
muito tempo se pensou que as questões ambientais diziam respeito aos países
ricos e às classes privilegiadas: a instrumentalização da oposição entre “os
pobres que devem se desenvolver” e os ecologistas se debilitou pela expressão
de uma ecologia popular, ou “ecologia dos pobres”, em que as populações em
risco de perder seu meio de vida exercem a defesa dos ecossistemas e dos
recursos.
1 - Balanço da Declaração da Rio-92 e as
três Convenções
–
A Convenção Sobre a Mudança Climática (sigla em inglês: UNFCCC) que derivou no
Protocolo de Kyoto, em 1997. É o primeiro tratado internacional que teve como
objetivo a redução das emissões de gás de efeito estufa; funda-se, de acordo
com a convenção, na ideia da responsabilidade comum, mas compartilhada, ou
seja, na ideia de uma responsabilidade diferenciada entre países
industrializados e países do Sul. A gestão do carbono, sobretudo no que se
refere a florestas, permite que, em nome da luta contra o desmatamento e dos
ingressos para distribuir “entre os pobres que precisam se desenvolver”, se
incluam florestas e solos no financiamento do carbono. Os países
industrializados que não querem reconhecer sua responsabilidade histórica
colocam em risco o Protocolo de Kyoto; embora os mercados de carbono possam
continuar funcionando dentro do quadro da Convenção, com algumas modificações
de ordem institucional.
–
A Convenção Sobre a Diversidade Biológica (CDB) propunha-se “a conservação da
diversidade biológica, o uso sustentável de seus elementos e a distribuição
justa e equitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos
genéticos, em particular graças a um acesso satisfatório aos recursos genéticos
e a uma transferência adequada das técnicas pertinentes…” (CDB, 1992, art. 1).
Tratava-se de conservar a biodiversidade através de implementação, supostamente
equitativa, dos “recursos genéticos”. A mercantilização dos seres vivos, que
ganhou impulso a partir dos acordos ADPIC da OMC, foi obtida em troca de duas
concessões: a) o reconhecimento da soberania nacional sobre os “recursos
biológicos” (art. 15) para satisfazer os Estados do Sul, desejosos de que sua
biodiversidade não siga sendo considerada como um patrimônio mundial onde bebem
as empresas sem dar nada em troca, e b) a participação nos frutos das
“inovações” obtidas dos “recursos” com as comunidades locais (art. 8j e art.
15), compromisso que foi assumido com os movimentos indígenas, mas cujas regras
de participação nos benefícios apenas foram definidas em Nagoya em 2010, e que
ainda hoje não são efetivas nem satisfatórias. A ideia era que os “recursos
biológicos” destinados à criação de riqueza pudessem ser patenteados, riqueza
que depois seria (marginalmente) redistribuída entre as populações locais e a
preservação. Este paradigma não funcionou, nem sequer a partir da perspectiva
do mercado e também não desacelerou o processo da extinção de espécies em
curso.
–
A Convenção Sobre a Luta Contra a Desertificação, acordo inutilmente
“esquecido”. Em conclusão, em nome da conservação ou da restauração do
equilíbrio ecológico, durante o período posterior à declaração do Rio houve uma
intensificação sem precedentes da privatização dos bens naturais comuns. A
crise ecológica se aprofundou em todas as suas dimensões, enquanto as
desigualdades sociais se intensificaram no interior das sociedades e entre
sociedades diferentes.
2. Os desafios da Rio+20
A
Conferência Rio+20 situa-se sob o signo da “economia verde”, isto é, de uma
“gestão sustentável” da natureza e da Terra, com uma visão da natureza
entendida como capital, que deve ser administrado de maneira eficaz e que deve
frutificar. Esta reunião tem a missão de aprofundar e de levar à realidade
aquilo que começou a se gestar em 1992.
Na
lógica neoliberal, a “gestão sustentável da natureza” supõe estabelecer
previamente novos direitos de propriedade sobre os bens naturais, já que
considera que a gestão em comum é ineficiente. Faz-se referência especialmente
a três áreas: a biodiversidade, o clima, os recursos minerais e fósseis e em
geral tudo o que diz respeito ao extrativismo. As duas primeiras se relacionam
estreitamente: os modelos que a biodiversidade leva a cabo inspiram-se nos
modelos de “gestão sustentável” do clima.
Esta
“gestão sustentável” da natureza constitui um novo campo de expansão para o
capitalismo e as finanças mundiais. Os “serviços ecossistêmicos” estão se
convertendo em novas mercadorias globais tão lucrativas (e comercializadas
também de maneira tão injusta) quanto o foram os produtos na época colonial, há
um século. Do ponto de vista ecológico, esta gestão já fracassou e, por outro
lado, aumenta a fragilidade das sociedades e o processo de produção de
desigualdades e de exclusão.
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