Mais de 30 organizações sociais e ambientais enviaram na
manhã desta terça, 29, uma carta aberta aos senadores, à presidente Dilma
Rousseff e a autoridades do Judiciário e do Executivo, exigindo a anulação da
Medida Provisória (MPV) 558, que diminui as áreas de sete Unidades de
Conservação (Ucs) na Amazônia com o principal intuito de facilitar a construção
de usinas hidrelétricas. Adiada por duas vezes, a votação da MP 558 deve
acontece hoje no Senado Federal.
Além
de relembrar os destinatários de que a alteração e a supressão de área de UCs
não por Medida Provisória é inconstitucional, o documento lista uma série de
outras irregularidades que justificam a reprovação e anulação da MP.
No
início do ano, o Ministério Público Federal em Brasília impetrou no Supremo
Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a
Medida Provisória. Relatora da ação, a ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha
pediu ao governo que se manifestasse sobre as denúncias do MPF (o que já
ocorreu), e determinou urgência na tramitação. Caso a MP seja convertida em lei
à revelia das denúncias de irregularidades, o Ministério Público deve fazer uma
atualização (aditamento) da ADI e recorrer novamente ao Supremo.
Veja abaixo a íntegra do documento:
Carta
Aberta sobre IRREGULARIDADES da Medida Provisória nº 558/12 e do Projeto de LEI
DE conversão Nº 12/12, que reduzem Unidades de Conservação na Amazônia para a
construção de grandes hidrelétricas
Excelentíssimo(a)s
Senadores e Senadoras da República
Excelentíssimos
Juízes do Supremo Tribunal Federal – STF
Com
cópia:
Exma.
Sra. Dilma Rousseff, Presidente da República
Exmo.
Sr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador Geral da República
Exmo.
Sr. Luis Inácio Lucena Adams, Advogado Geral da União
Exma.
Sra. Isabella Teixeira, Ministra do Meio Ambiente
Exmo.
Sr. Roberto Vizentin, Presidente do ICMBio
Exmo.
Sr. Edson Lobão, Ministro de Minas e Energia
Os
representantes da sociedade civil abaixo assinados, comprometidos com a defesa
dos direitos humanos, o fortalecimento da democracia e o desenvolvimento com
responsabilidade socioambiental, vêm manifestar o seu repúdio à Medida
Provisória (MPV) nº 558 – editada pela Presidente Dilma em 06 de janeiro de
2012, convertida pela Câmara em Projeto de Lei de Conversão 12/12 e prestes a
ser aprovado pelo Senado Federal. A MPV nº 558 exclui ilegalmente, sem estudos
técnicos e qualquer consulta às populações afetadas e à sociedade brasileira em
geral, vastas áreas de Unidades de Conservação (UCs) na Amazônia para abrigar
os canteiros e reservatórios de grandes hidrelétricas que, planejadas de forma
autoritária, ameaçam ecossistemas de biodiversidade única, as metas brasileiras
de redução de emissões de gases de efeito estufa e, principalmente, os direitos
humanos e a qualidade de vida de milhares de brasileiros que vivem na região. 1
As
consequências nefastas da Medida Provisória são especialmente graves na bacia
do rio Tapajós, onde foram desafetados 75.630 hectares de cinco unidades
federais de conservação, inclusive 18.700 hectares do Parque Nacional da
Amazônia, para abrir caminho aos reservatórios de duas mega-barragens: São Luiz
do Tapajós e Jatobá.2 Tratam-se de UCs de proteção integral e uso sustentável,
com ecossistemas aquáticos e florestais únicos classificados pelo Ministério do
Meio Ambiente como áreas de prioridade extremamente alta para a conservação da
biodiversidade, ainda pouco conhecidos pela Ciência. A proteção e uso
sustentável dessas áreas são fundamentais para a economia regional, a
reprodução cultural, a sobrevivência e, portanto, o bem-estar das populações
locais, que desenvolvem, dentre outras, atividades produtivas como a pesca, a
agricultura familiar, o extrativismo, o manejo florestal e o turismo ecológico.
Até
o momento, não foram concluídos estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA) e de
viabilidade econômica (EVTE) das hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá.
Tampouco houve qualquer debate público sobre os empreendimentos e a proposta de
redução das cinco Unidades de Conservação.3 Logo, sem saber se os
empreendimentos possuem viabilidade ambiental e econômica, como o Poder Público
pode desafetar antecipadamente unidades de conservação para abrigar os
reservatórios das hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá? Em termos
jurídicos e de senso comum, é colocar a carroça na frente dos bois!
As
mega-usinas de São Luiz e Jatobá integram um conjunto de sete grandes
hidrelétricas previstas para construção nos rios Tapajós e Jamanxim (afluente
do Tapajós) no Estado do Pará, conforme estudo de inventário elaborado pela
Eletronorte com a empreiteira Camargo Correa e a CNEC4, aprovado de forma
unilateral e sem discussão pública pela ANEEL. Esse conjunto de barragens
inclui a UHE Chacorão no rio Tapajós, que alagaria mais de 18.700 hectares do
território indígena do povo Mundurucu, inclusive várias aldeias indígenas, além
de mais de 1.000 hectares do Parque Nacional de Juruena. As outras quatro
grandes barragens previstas no Rio Jamanxim (Cachoeira do Caí, Jamanxim,
Cachoeira dos Patos e Jardim de Ouro) inundariam um total de 103.701 hectares,
dos quais 59.700 ha do Parque Nacional do Jamanxim e de quatro Florestas
Nacionais (Itaituba 1 e 2, Jamanxim e Altamira).
Outro
fato extremamente alarmante da MPV nº. 558 é a exclusão de 2.188 hectares do
Parque Nacional Campos Amazônicos, na fronteira entre os estados de Rondônia e
Amazonas, para abrir caminho ao reservatório da mega-barragem de Tabajara no
Rio Machado, afluente do Rio Madeira. Trata-se de um empreendimento que sequer
consta do Plano Decenal de Energia (PDE) 2020 e não possui estudos de
viabilidade econômica e impacto ambiental. Os riscos socioambientais da usina
de Tabajara incluem consequências desastrosas para grupos indígenas isolados em
situação de alta vulnerabilidade, uma questão simplesmente ignorada nas
discussões sobre o empreendimento e a MPV nº. 558 até o momento.
Também
chamamos atenção para o fato de que não houve qualquer estudo técnico ou debate
público sobre as consequências da desafetação de 77.818 hectares das seis UCs
afetadas pelas usinas de São Luiz do Tapajós, Jatobá e Tabajara, quanto aos
atributos sociais, econômicos e ambientais que justificaram a sua criação5.
Isso contraria frontalmente o artigo 225 da Constituição Federal, que
estabelece que “a alteração e a supressão de áreas protegidas são permitidas
somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção”. A construção da usina de São Luiz
do Tapajós, por exemplo, eliminaria um dos principais atributos do Parque
Nacional da Amazônia, de grande importância para o turismo: as cachoeiras de
São Luiz no Rio Tapajós.
Todo
esse quadro de ilegalidades levou a Procuradoria Geral da República a propor
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4717) com pedido de liminar,
contra a MPV nº 558.6 A ação aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal, já
com parecer da relatora Carmem Lúcia a favor de um julgamento em regime de urgência,
tendo em vista os impactos nefastos que a Medida Provisória pode causar, desde
a sua edição.
A
Comissão Mista designada pela Presidência da Mesa do Congresso Nacional para
examinar os pressupostos constitucionais da MP 558 nunca se reuniu e não houve
qualquer audiência pública sobre a matéria no âmbito da Câmara dos Deputados. O
relator da MPV, deputado Zé Geraldo(PT-PA) não trouxe nenhuma análise crítica
às irregularidades da MPV, inclusive aquelas apontadas na Ação Direta de
Inconstitucionalidade que tramita no Supremo. O relatório cometeu outra
irregularidade ao propor a retirada de 17.751 ha da Floresta Nacional do
Tapajós sob o argumento de urgência para regularizar a situação de áreas
ocupadas na FLONA. Alem disso, incorporou emendas de “contrabando”, como a
perdão de dividas de produtores rurais vinculados ao “Projeto Agro-industrial
Canavieiro Abraham Lincoln” (PACAL) no Estado do Pará. Somado a tudo isso, a
votação do relatório em sessão plenária da Câmara dos Deputados, no dia 15/05,
foi concluída sem discussão efetiva, em um intervalo de tempo não superior a 15
minutos.
Como
não foram observados processos e prazos legais para a tramitação de Medidas
Provisórias,7 restou um prazo extremamente apertado (até 31/05) para a
apreciação e aprovação final do projeto de lei de conversão (PLC no. 12/12) e
sua promulgação pela Presidente Dilma. Nesse sentido, o relatório da Senadora
Vanessa Grazziotin inicia–se registrando “o fato da limitação do Senado Federal
na análise das MPs, visto que o prazo de 120 dias para análise das mesmas é
quase que exclusivamente esgotado pela Câmara dos Deputados, o que inviabiliza
mudanças no texto recebido, muitas vezes essenciais para o aprimoramento da
matéria. Por essa razão, e somente por essa, para que a PLV ora em análise não
perca seus efeitos, que esgotarão no próximo dia 31 de maio, em que me abstenho
de sugerir modificações na mesma”.
Consequentemente,
os senadores não dispõem do tempo necessário para um debate efetivo, inclusive
com a participação de representantes de populações ameaçadas e outros
representantes da sociedade civil, sobre as graves irregularidades da MPV nº.
558 e suas implicações para o patrimônio socioambiental brasileiro e a vida de
gerações presentes e futuras.
Em
suma, a Exposição de Motivos da MPV 5588, assim como os relatórios do Deputado
Zé Geraldo e da Senadora Vanessa Grazziotin, não abordam sérios equívocos da
Medida Provisória, apontados nesta carta e na Ação Direta de
Inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador Geral da República no STF. Ao
invés disso, enfocam em questões menores, como a regularização de posseiros de
longa data nos limites do PARNA da Amazônia, numa área reduzida nas
proximidades da cidade de Itaituba. Esta demanda social é legítima; no entanto,
não há necessidade de Medida Provisória para a sua resolução. O que é mais
grave é a utilização dessa questão específica como justificativa para a Medida
Provisória, com a tendência de desviar atenção das graves irregularidades da MP
558, relativas à desafetação de vastas áreas de unidades de conservação na
Amazônia para a construção de grandes hidrelétricas, sem estudos obrigatórios e
sem qualquer discussão com a sociedade brasileira.
Considerando
as irregularidades de conteúdo e processo de tramitação da MP 558, incompatíveis
desde a sua origem com as expectativas e propósitos de um Estado Democrático de
Direito e de um país que leva a sério o desenvolvimento com responsabilidade
socioambiental, conclamamos os Senadores da República a rejeitar o Projeto de
Lei de Conversão no. 12/12, previsto para votação em plenária nesta
terça-feira, 29/05. Além disso, pleiteamos ao Supremo Tribunal Federal a
apreciação, em regime de urgência, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI
4717) ajuizada pela Procuradoria Geral da República.
Finalizando,
chamamos a atenção das autoridades e da sociedade em geral para o fato de que,
caso o projeto de lei de conversão da MPV nº. 558 seja aprovado no Senado, será
criado um péssimo precedente para investidas futuras contra áreas protegidas na
Amazônia e em outros biomas brasileiros, assim como um desgaste desnecessário
para a imagem do país, justamente às vésperas da realização da Conferência das
Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – Rio+20.
Brasília,
28 de maio de 2012
Associação
Alternativa Terra Azul
Associação
Paraense de Apoio às Comunidades Carentes – APACC
Associação
de Preservação do Meio Ambiente e da Vida, Apremavi – RS
Associação
Nova Aliança – Itaituba – PA
Associação
4 Cantos do Mundo
Associação
São Francisco de Assis – PA
Bianca Jagger Human
Rights Foundation (UK)
Conselho
Indigenista Missionário – CIMI
Comissão
Justiça e Paz, Diocese de Santarém
Comissão
Pró-Índio de São Paulo
Coordenação
das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
Fórum
Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais – FBOMS
Fórum
da Amazônia Oriental – FAOR
Fórum
dos Movimentos Sociais da BR 163
Fundação
Vitória Amazônica
Grupo
de Trabalho Amazônico – GTA
Instituto
Democracia e Sustentabilidade – IDS
Instituto
de Educação Popular de Rondônia – IEPRO
Instituto
do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – IMAZON
Instituto
Humanitas – Pará
Instituto
Madeira Vivo – IMV
Instituto
Socioambiental – ISA
Movimento
de Mulheres do Campo e Cidade de BR 163 e Transamazonica
Movimento
Xingu Vivo para Sempre – MXVPS
Núcleo
de Apoio à População Ribeirinha da Amazônia – NAPRA
Organização
Coletiva dos Pescadores Tradicionais de Jaci-Paraná – PIRÁ
Rio
Internacionais – Brasil
Sociedade
de Defesa dos Direitos Sexuais na Amazônia – Sodireitos
Sociedade
Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
2
Alem da exclusão de 18,700 hectares do Parque Nacional (PARNA) da Amazônia, a
MP 558 desafetou 7.705 ha da Floresta Nacional (FLONA) Itaituba, 28.453 ha da
FLONA Itaituba II, 856 ha da FLONA Crepori e 19.916 ha da Área de Proteção
Ambiental (APA) do Tapajós.
4
Originalmente vinculada à Camargo Correia, a empresa de engenharia CNEC
atualmente faz parte da multinacional australiana Worley Parsons:
http://www.cnec.com.br/
5
Conforme descrito acima, as unidades de conservação afetadas incluem dois
Parques Nacionais (Campos Amazônicos e da Amazônia), três Florestas Nacionais
(de Itaituba 1, de Itaituba 2 e do Crepori) e uma Área de Proteção Ambiental
(do Tapajós).
8
EMI Nº 2 – MMA/MDA/MP/MME de 05/01/2012