Por José Coutinho Júnior - do Rio de Janeiro
Correio do Brasil
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Uma usina de açúcar em Campos dos Goytacazes servia como palácio dos horrores durante a ditadura militar |
“O local foi aprovado. O forno da usina era enorme. Ideal para transformar em cinzas qualquer vestígio humano. A usina
passou, em contrapartida, a receber benefícios dos militares pelos bons
serviços prestados. Era um período de dificuldade econômica e os
usineiros da região estavam pendurados em dívidas. Mas o pessoal da
Cambahyba, não. Eles tinham acesso fácil a financiamentos e outros
benefícios que o Estado poderia prestar.” (Cláudio Guerra, ex-delegado
do DOPS)
“A título de sugestão, optando pela retirada forçada, deve-se agir
sem aviso prévio, compartimentada, mais cedo possível, despejando-se
imediatamente, com o mínimo de diálogo, todos aqueles que estiverem nas
construções, bem como os seus pertences, prendendo se necessário e na
seqüência, destruir as casas.” (Adriano Dias Teixeira Amorim do Vale –
Delegado Federal – Dezembro de 2005)
Em 1997, a área no município de Campos dos Goytacazes (RJ) onde as
usinas de açúcar Cambahyba, Santa Maria, Carapebus e Quissamã se
localizam, composta por sete fazendas que totalizam 3500 hectares, foi
considerada improdutiva. Mas o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra), com exceção de uma área de 550 hectares – que
deu origem ao assentamento Via Lopes -, até hoje não foi capaz de
realizar as desapropriações em toda a área, pois o Poder Judiciário
acatou liminares dos proprietários.
Para Fernando Moura, da coordenação do MST, “essa morosidade revela o
poder dos fazendeiros. Vale lembrar que as áreas têm dívidas grandes
com a União, além do fato de ter sido encontrado trabalhadores em
condições análogas à escravidão na região”.
Violência interminável
Um fato até então desconhecido sobre a usina de Cambahyba chocou a
sociedade brasileira. A usina foi palco, no período da Ditadura Militar,
de um crime bárbaro. O ex-delegado do Departamento de Ordem Política e
Social (DOPS), Cláudio Guerra, conta no livro Memórias de uma Guerra
Suja que a usina de Cambahyba foi usada pelos militares para incinerar
corpos de militantes de esquerda que haviam sido mortos devido às
torturas praticadas pelo regime em órgãos como o próprio DOPS. Guerra
conta que ele mesmo incinerou dez corpos, dentre os quais estavam os de
David Capistrano, João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão
Filho, dirigentes históricos do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
“Em determinado momento da guerra contra os adversários do regime
passamos a discutir o que fazer com os corpos dos eliminados na luta
clandestina. Estávamos no final de 1973. Precisávamos ter um plano.
Embora a imprensa estivesse sob censura, havia resistência interna e no
exterior contra os atos clandestinos, a tortura e as mortes”, relata
Guerra.
A solução encontrada foi utilizar os fornos da usina e queimar os
corpos, de forma a não deixar vestígios. A usina, à época, era
propriedade do ex-vice-governador do estado do Rio, Heli Ribeiro, que
topou o acordo, pois ele “faria o que fosse preciso para evitar que o
comunismo tomasse o poder no Brasil”. Além disso, o regime militar
oferecia armas a Heli para que ele combatesse os sem terra da região.
Passados décadas desse trágico episódio, a violência na região de
Cambahyba continua. Em 2006, o acampamento Oziel Alves, que abrigava 150
famílias sem terra há mais de seis anos, foi destruído em uma operação
pelas polícias militar e federal, com aval da Justiça do Estado e
acompanhados do dono usina, Cristóvão Lisandro.
Não houve diálogo nem negociação com a população, que além de habitar
a área, produzia hortifrutigranjeiros e gado de leite: as pessoas foram
retiradas à força de seus lares, sem poder salvar seus pertences. As
estradas próximas ao acampamento foram trancadas, o que impediu que a
imprensa pudesse cobrir os fatos quando a operação começou – ela só teve
acesso ao acampamento cinco horas após o início da operação policial -,
e os policiais entraram nas casas sem apresentar ordem judicial,
destruindo pertences dos moradores.
Os Sem Terra que tentaram negociar foram presos, agredidos física e
moralmente, e só saíram da delegacia após assinarem declaração de que
portavam “armas brancas”, que eram na verdade as ferramentas de trabalho
dos produtores. Após a revista nas casas pelos policiais, elas foram
derrubadas por máquinas, deixando os moradores sem qualquer amparo.
Desapropriação
Francisco conta que, desde outubro do ano passado, a decisão de
desapropriar as áreas está na 2ª Vara de Justiça do Estado. O MST
pretende pressionar para que a decisão seja favorável à Reforma Agrária.
Segundo Francisco, após saber do passado trágico da usina, diz que “a
violência da Ditadura e do latifúndio tem uma relação grande. Agora, a
luta se intensifica, para tornar esta terra produtiva com a Reforma
Agrária e denunciar a postura de um Judiciário que favorece os
proprietários”.
José Coutinho Júnior é jornalista.
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