sábado, 5 de maio de 2012

Aziz: a coerência de um intelectual que lutou por outro Brasil

Professor Aziz Ab Saber faleceu em 16 de março de 2012

É duvidoso que haja algum brasileiro que tenha conhecido tanto seu país quanto Aziz Nacib Ab’Saber. Mas é certo que ninguém conheceu mais. Em sua carreira de geógrafo, o professor Aziz visitou os centros e os rincões do Brasil, deixando uma inestimável contribuição para firmar a identidade do território brasileiro, estudando suas feições e contrastes, físicos e humanos. Embora sua vasta obra continue sendo referência para as próximas gerações, a morte de Aziz traz um vazio àquela forma de saber que se faz em campo, conhecendo a realidade das pessoas, confrontando-a com os modelos e teorias. Não só isso. O Brasil também perdeu um intelectual de tipo cada vez mais raro, comprometido com as causas sociais de seu tempo.

Filho de um mascate libanês com uma brasileira de São Luiz do Paraitinga, Aziz ganhou o Brasil nos anos 1950. Em suas viagens a campo detalhou a fisionomia da paisagem brasileira e, ainda sem o auxílio dos modernos instrumentos de mapeamento, estabeleceu a tipologia do relevo que foi utilizada como a principal referência para o detalhamento que se tem hoje da geomorfologia brasileira. O geógrafo também foi o pioneiro na identificação dos domínios morfoclimáticos brasileiros, incorporando às suas elaborações estudos climáticos, hidrológicos, pedológicos, botânicos e fitogeográficos. Apesar do imenso cabedal teórico em geografia física, jamais abandonou a dimensão humana em seus estudos, preocupado sempre em elaborar propostas que levassem em conta os sertanejos, os ribeirinhos, os povos da floresta, os retirantes, os trabalhadores em geral dentro da agigantada diversidade cultural que nosso país-continente apresenta.

Conhecer o Brasil e suas contradições físicas e humanas foi para Aziz uma importante condição para lutar para transforma-lo. Ainda que se pudesse em algum momento discordar de suas posições na academia ou na política mais geral, a vida daquele geógrafo foi marcada pela coerência. Na universidade isso era visível. Professor emérito da USP, referência do Instituto de Estudos Avançados e presidente de honra da SBPC, não consta que tenha em algum momento submergido no mar de bajulações, negociatas e acordos tão comuns à burocracia acadêmica. Ao contrário: sempre presente nas calouradas e atividades estudantis, Ab’Saber maldizia os burocratas ao passo que valorizava as lutas estudantis e a defesa da universidade pública como espaço da livre produção de conhecimento.

A mesma coerência fez parte de sua trajetória na política. Já reconhecido como um dos maiores ambientalistas do país, Aziz Ab’Saber levou o então oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva a tiracolo para percorrer o Brasil onde o geógrafo havia encontrado a identidade, as contradições e seu empenho para a transformação social. As Caravanas da Cidadania visitaram todos os estados brasileiros e foram uma resposta aos oligarcas, latifundiários, coronéis e burocratas que tinham colocado Collor como presidente nacional em 1989, estabelecendo um retrato de um país que precisava ser mudado, remoldado e invertido para que desse conta especialmente dos abandonados pelas desigualdades sociais e pela concentração de renda.

Contudo, quando viu a trajetória histórica de Lula e do PT aliando-se, submetendo-se, adaptando-se à velha política para chegar ao poder, Aziz mais uma vez manteve-se coerente e rompeu com o governo. Foi crítico contumaz da relação subordinada do governo Lula ao agronegócio e aos usineiros. Esteve ao lado dos movimentos sociais e dos setores progressistas da sociedade contra a Transposição do Rio São Francisco e a política das grandes Barragens. Ultimamente exortava o movimento ambiental a insurgir contra as alterações no Código Florestal propondo como alternativa um Código da Biodiversidade.

Não por acaso, em 2010, o geógrafo Aziz Ab’Saber  foi um importante apoiador da candidatura de Plínio de Arruda Sampaio a presidente pelo PSOL, enchendo de orgulho os ambientalistas e ecossocialistas do partido e mostrando que a verdadeira construção de um país equilibrado do ponto de vista ambiental deve estar ligada diretamente à construção de uma sociedade justa e democrática. Afora tudo que havia elaborado, com o peso de sua história e de sua obra, seu apoio ao PSOL nos deixou uma lição atual e inequívoca que o professor expressou em jornais de grande circulação:
  
“Digo e repito: nós no Brasil precisamos aprender a contestar os idiotas.”

Vida longa a Aziz Ab’Saber!
 
Maurício Costa
Geógrafo e Presidente do PSOL da cidade de São Paulo
(artigo publicado na Revista Socialismo e Liberdade da Fundação Lauro Campos - www.socialismo.org.br)

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