É
duvidoso que haja algum brasileiro que tenha conhecido tanto seu país
quanto Aziz Nacib Ab’Saber. Mas é certo que ninguém conheceu mais. Em
sua carreira de geógrafo, o professor Aziz visitou os centros e os
rincões do Brasil, deixando uma inestimável contribuição para firmar a
identidade do território brasileiro, estudando suas feições e
contrastes, físicos e humanos. Embora sua vasta obra continue sendo
referência para as próximas gerações, a morte de Aziz traz um vazio
àquela forma de saber que se faz em campo, conhecendo a realidade das
pessoas, confrontando-a com os modelos e teorias. Não só isso. O Brasil
também perdeu um intelectual de tipo cada vez mais raro, comprometido
com as causas sociais de seu tempo.
Filho de um mascate
libanês com uma brasileira de São Luiz do Paraitinga, Aziz ganhou o
Brasil nos anos 1950. Em suas viagens a campo detalhou a fisionomia da
paisagem brasileira e, ainda sem o auxílio dos modernos instrumentos de
mapeamento, estabeleceu a tipologia do relevo que foi utilizada como a
principal referência para o detalhamento que se tem hoje da
geomorfologia brasileira. O geógrafo também foi o pioneiro na
identificação dos domínios morfoclimáticos brasileiros, incorporando às
suas elaborações estudos climáticos, hidrológicos, pedológicos,
botânicos e fitogeográficos. Apesar do imenso cabedal teórico em
geografia física, jamais abandonou a dimensão humana em seus estudos,
preocupado sempre em elaborar propostas que levassem em conta os
sertanejos, os ribeirinhos, os povos da floresta, os retirantes, os
trabalhadores em geral dentro da agigantada diversidade cultural que
nosso país-continente apresenta.
Conhecer o Brasil e suas
contradições físicas e humanas foi para Aziz uma importante condição
para lutar para transforma-lo. Ainda que se pudesse em algum momento
discordar de suas posições na academia ou na política mais geral, a vida
daquele geógrafo foi marcada pela coerência. Na universidade isso era
visível. Professor emérito da USP, referência do Instituto de Estudos
Avançados e presidente de honra da SBPC, não consta que tenha em algum
momento submergido no mar de bajulações, negociatas e acordos tão comuns
à burocracia acadêmica. Ao contrário: sempre presente nas calouradas e
atividades estudantis, Ab’Saber maldizia os burocratas ao passo que
valorizava as lutas estudantis e a defesa da universidade pública como
espaço da livre produção de conhecimento.
A mesma
coerência fez parte de sua trajetória na política. Já reconhecido como
um dos maiores ambientalistas do país, Aziz Ab’Saber levou o então
oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva a tiracolo para percorrer o
Brasil onde o geógrafo havia encontrado a identidade, as contradições e
seu empenho para a transformação social. As Caravanas da Cidadania
visitaram todos os estados brasileiros e foram uma resposta aos
oligarcas, latifundiários, coronéis e burocratas que tinham colocado
Collor como presidente nacional em 1989, estabelecendo um retrato de um
país que precisava ser mudado, remoldado e invertido para que desse
conta especialmente dos abandonados pelas desigualdades sociais e pela
concentração de renda.
Contudo, quando viu a trajetória
histórica de Lula e do PT aliando-se, submetendo-se, adaptando-se à
velha política para chegar ao poder, Aziz mais uma vez manteve-se
coerente e rompeu com o governo. Foi crítico contumaz da relação
subordinada do governo Lula ao agronegócio e aos usineiros. Esteve ao
lado dos movimentos sociais e dos setores progressistas da sociedade
contra a Transposição do Rio São Francisco e a política das grandes
Barragens. Ultimamente exortava o movimento ambiental a insurgir contra
as alterações no Código Florestal propondo como alternativa um Código da
Biodiversidade.
Não por acaso, em 2010, o geógrafo Aziz
Ab’Saber foi um importante apoiador da candidatura de Plínio de Arruda
Sampaio a presidente pelo PSOL, enchendo de orgulho os ambientalistas e
ecossocialistas do partido e mostrando que a verdadeira construção de um
país equilibrado do ponto de vista ambiental deve estar ligada
diretamente à construção de uma sociedade justa e democrática. Afora
tudo que havia elaborado, com o peso de sua história e de sua obra, seu
apoio ao PSOL nos deixou uma lição atual e inequívoca que o professor
expressou em jornais de grande circulação:
“Digo e repito: nós no Brasil precisamos aprender a contestar os idiotas.”
Vida longa a Aziz Ab’Saber!
Maurício Costa
Geógrafo e Presidente do PSOL da cidade de São Paulo
(artigo publicado na Revista Socialismo e Liberdade da Fundação Lauro Campos - www.socialismo.org.br)
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