TELMA MONTEIRO, POR CORREIO DA CIDADANIA
O
planeta já está passando por um “choque ecológico” que obriga governos e
empresas a pensar numa economia sustentável. Será preciso nivelar e
compatibilizar a relação entre a economia, os ecossistemas e o uso da energia
para evitar o caos ecológico. A proposta de "economia verde" que os
governos pretendem discutir na Rio+20 não passa de outra maquiagem verde, desta
vez mais perversa, da economia como um todo e não só de alguns produtos e
serviços.
Temos
que ter uma proposta de sociedade sustentável que, antes de tudo, deve estar
alinhada ao bem viver da cultura tradicional, à revisão dos hábitos de consumo
de energia, à eficiência energética, aos usos que se fazem da energia e à
consciência do modelo de vida que queremos. Ainda dá tempo, é só querer.
Constatamos
dia a dia os flagrantes da falta de respeito aos princípios da ecologia e da
falta de conscientização da realidade dos impactos provocados pelas mudanças
climáticas. Já passamos da fase da teoria e agora teremos que agir para tornar
a sociedade sustentável, começando por estabelecer uma trégua entre as
dinâmicas trans-setoriais de crescimento da economia e a natureza. Ou
aceleramos a recuperação da natureza, o que é humanamente impossível, ou
desaceleramos e/ou adequamos o crescimento e o uso dos recursos naturais. Só há
uma forma de compatibilizar: a escolha sustentável.
O
planejamento de energia elétrica do governo brasileiro, por exemplo, adotou um
modelo ofertista altamente destruidor do ambiente porque está escorado em
hidrelétricas nos rios amazônicos. O Brasil tem demonstrado um desprezo pelas
alternativas genuinamente limpas que deveriam ser concebidas para gerar energia
de forma descentralizada, tanto na cidade como no campo. Abastecer localmente é
o desafio político para contrapor esse modelo que constrói grandes centrais
hidrelétricas e extensas linhas de transmissão em regiões remotas. Além disso,
precisamos despertar o interesse da sociedade em discutir o uso que se está
fazendo de uma parte substancial da oferta de energia planejada até o horizonte
de 2030.
Temos
que pensar sobre os efeitos reais das alterações provocadas pela construção de
dezenas de hidrelétricas em seqüência, grandes e pequenas, em rios de planície
que são característicos da Bacia Amazônica, com reservatórios que vão liberar
CO2 e metano. As mudanças climáticas e as interferências ambientais já são
responsáveis por aqüíferos semi-exauridos e florestas encolhendo nove milhões
de hectares ao ano. Se acrescentarmos mais hidrelétricas a esse processo,
aumentará a pressão sobre os biomas, em especial a Amazônia brasileira.
Tudo
indica que, a continuar esse processo, continuaremos transferindo passivos
ecológicos para as gerações futuras. É isso que deveríamos discutir na Rio+20.
Projetos hidrelétricos e de mineração consomem os recursos naturais da Amazônia
brasileira, do Cerrado, da Caatinga, do Pantanal e ameaçam a biodiversidade,
como o desastre que acontece hoje na área do reservatório da usina de Santo
Antônio, no rio Madeira (1). Para agravar, o preço final de produtos e serviços
sequer incorpora os reais custos sócio-ambientais que acabam camuflados pela
"indústria" da mitigação e compensação dos impactos, prática usada
para legitimar licenças ambientais de projetos insustentáveis.
O
plano de gerar energia elétrica em rios da bacia amazônica, que o governo
federal brasileiro chama de "potencial" ou "aproveitamento"
hidrelétrico, é um tiro no pé da sociedade que não entende que se trata de
beneficiar grupos privados umbilicalmente ligados ao Estado. O discurso do
apagão induz ao consumo de energia e não à economia de energia e é uma forma de
lavagem cerebral que anula o bom senso da população. As autoridades insistem
que precisamos construir hidrelétricas plataformas, sazonais, a fio d'água, com
grandes, médios e pequenos reservatórios ou ficaremos sem energia, mas não
incentivam a economia ou a redução das perdas técnicas nas linhas de
transmissão. Temos que mudar essa equação.
O
crescimento a qualquer custo só tem aumentado as emissões de Gases de Efeito
Estufa (GEEs). O risco de extinção de espécies de fauna e flora, da
produtividade agrícola, da disponibilidade de água potável tem sido objeto de
preocupação de cientistas e pesquisadores do mundo inteiro. Atualmente existe
no Brasil um esforço orquestrado para desacreditar os cientistas (2),
atribuindo-lhes exagero nas previsões das mudanças climáticas ou refutando o
fato de que os humanos contribuem para emissão de CO2. Parece não interessar
aos governos e às grandes empresas globalizadas criar a consciência do
aquecimento global e das alterações no clima, porque isso põe em risco a
estabilidade das economias e do poder.
Só
que é impossível esquecer o furacão Katrina, nos Estados Unidos, que matou
centenas de pessoas, destruiu cidades e causou impactos nas redes de
transmissão e distribuição de energia elétrica. Ou o estado de Santa Catarina,
na região sul do Brasil, que tem sofrido eventos extremos mais freqüentes e
violentos. Ou o cataclismo na região serrana do Rio de Janeiro que corrobora
aquilo que os cientistas têm apontado: que a ocupação desordenada, mais um
sintoma de economia insustentável e que tem o aval das autoridades, aliada às
alterações do clima em áreas de fragilidade ambiental, pode ser fatal.
Também
não dá para ignorar que a Amazônia brasileira vem sendo devastada por
intervenções humanas em nome do crescimento insustentável: exploração
madeireira dita "sustentável", barramentos hidrelétricos, construção
de eclusas para viabilizar hidrovias e portos fluviais industriais, monocultura
e pastagem extensiva na esteira do desmatamento e ocupação. Aumentou o número
de indústrias eletrointensivas que estão se instalando na Amazônia, próximas
aos grandes projetos hidrelétricos.
Em
setembro de 2011, o Ministério de Minas e Energia (MME) divulgou o estudo
Erosão e progradação do litoral Brasileiro (Ministério do Meio Ambiente, 2011 –
(3)) que aponta 17 estados do litoral brasileiro que enfrentam o avanço do mar
causado principalmente pelas interferências do homem, como a mudança do curso
dos rios e construções à beira-mar. As regiões Norte e Nordeste são as mais
afetadas, mostra o estudo. O Pará é considerado um dos estados mais
preocupantes, “um dos fenômenos mais impressionantes entre os processos
costeiros, que acabou transformando-se em um problema emergencial”. Os riscos
em decorrência dessas mudanças implicam em altos custos econômicos e sociais. E
é no Pará que estão construindo a usina de Belo Monte, a usina Teles Pires,
pretendem licitar mais cinco hidrelétricas na Bacia do rio Tapajós em nome do
crescimento.
Esse
estudo sobre os impactos causados pela mudança do curso dos rios é uma prova de
que as contradições se sucedem dentro do próprio governo. O rumo escolhido leva
ao desastre apesar da disponibilidade de tantos estudos valiosos de
pesquisadores, cientistas, ONGs que provam que é um erro seguir o mesmo modelo
econômico dos países ricos. Temos que absorver tecnologias e aprender com as
experiências que possam contribuir para criarmos uma sociedade sustentável e
não copiar modelos fracassados de desenvolvimento só porque é a nossa vez.
Notas:
1) Hidrelétrica Santo
Antônio: Resgates de fauna e suas verdades ocultas
2) Onde está o aquecimento
global? http://revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9859/onde-esta-o-aquecimento-global?-
.
3) Estudo mostra que
avanço e recuo do mar mudam litoral brasileiro e ameaçam cidades, disponível em
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/09/12/estudo-mostra-que-avanco-e-recuo-do-mar-mudam-litoral-brasileiro-e-ameacam-cidades.jhtm
, acessado em 12/09/2011.
Telma Monteiro é ativista
sócio-ambiental e pesquisadora na área de energia e infra-estrutura na
Amazônia.
Twitter: https://twitter.com/TelmaMonteiro
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