Por Jornalismo Carlos Costa - Do alto de um barranco no Varre-Vento, avistava-se ao longe, na curva do rio como os ribeirinhos chamavam, aquele mundaréu de capim sendo levado pelas águas do Rio Solimões. O capim descia rápido porque a correnteza era muito forte. Mas
eu, do alto de minha observação, tinha que arrastar capim para ser
rebocado por um cambito preso por uma grande e pesada corda produzida
com fibras de juta da cidade de Manacapuru, resultado de longos e
abnegados discursos do deputado Jamil Seffair em defesa dessa cultura na
tribuna da Assembléia Legislativa. Mas isso não vem ao caso.
O
importante é dizer que com meus poucos menos de 30 quilos de peso às
costas, tinha que entrar em uma pequena canoa, remar até o capim, jogar
o cambito, enganchá-lo na popa da canoa com a corda e rebocá-lo até o
local onde o gado de meu pai aguardava ansioso para comer, presos dentro
de uma maromba, espécie de curral construído sob as águas em cima de
tábuas e cercado com madeira para que o sustento de leite da família não
fosse por água à baixo. Era gostoso sentir o vento batendo em meu
rosto, chapéu na cabeça e a canoa deslizando suavemente pelas águas
barrentas do rio até encontrar-se com meu objetivo: o capim deslizando
suavemente!
Dentro
de mim, pulsava uma alegria imensa ao ver o capim descendo o Rio
Solimões e meu coração batia forte quando entrava na pequena canoa,
jogava o cambito e remava de volta à margem puxando-o para alimentar o
gado de meu pai, remando contra a correnteza do rio, brisa no rosto,
rebocando mato amarrado na canoa. O silêncio e a solidão eram
inspiradores, mas só hoje percebi a importância dessas coisas simples e
rotineiras que fazia em todas as cheias do rio.
Mas
não sabia eu que a cheia também havia chegado à capital e que os jovens
soldados do Exército, Defesa Civil e órgãos sociais, se debatiam a
atender socialmente aos milhares de moradores das margens dos igarapés
que cortavam as ruas. Infelizmente, devido ao “progresso”, poucos
igarapés ainda existem em Manaus e teimam em se manter vivos, mesmo que
seja só para o deleite futuro de quase ninguém.
Hoje,
vejo com tristeza as toneladas e mais toneladas de lixo que são
retirados diariamente do leito dos rios e igarapés, jogado pelas pessoas
sem consciência ecológica ou respeito pelas águas. Mas as pessoas que
residem em áreas de riscos, ou por falta de opção de moradia ou por pura
teimosia de dizer que “resido no centro da cidade”, resistem à mudança
de casa.
Naquela
época, pensava somente em pastorar o capim descendo devido o fenômeno
das terras caídas que arrancavam tudo o que encontravam pela frente, e
suavemente deslizavam pelas águas do Solimões, como se fosse um tapete
de capim balançando ao vento e se dobrando ao tempo!
Fosse
hoje, o trabalho de puxar capim na cheia dos rios seria proibido pelos
órgãos que “defendem” menores e adolescentes e o gado morreria de fome.
Talvez o considerassem trabalho escravo puxar capim para alimentar as
vacas de meu pai. Mas não era. Não passava de uma necessidade: ou
puxava-se o capim para alimentar o gado e produzir o leite ou se morria
de fome.
Gostava
de olhar as águas que desciam rápido, destruindo barrancos, arrancando
matos e árvores inteiras, prejudicando a navegação de cabotagem ao dia e
à noite. Mas era lindo de se ver!
Hoje,
talvez, seja por isso que gosto de olhar quadros de pintores regionais
que retratam essas minhas lembranças que, quanto maior o tempo, mais me
recuso a esquecê-las. Lembrar é viver duas vezes!
Lindo, fantástico. Está ai uma realidade que desconhecia. Que coisa impressionante. Fez-me sentir nostalgia de uma realidade que não vivi.
ResponderExcluirsera se era canarana? Equal é a diferenca vc passar o dia inteiro debaixo de uma mesa de uma secretaria jogando papel no ceisto de lixo ou alimentando o gado que esta com fome?
ResponderExcluirSenhor "Anônimo", nunca fui funcionário público, nunca joguei fiquei jogando papel no cesto de lixo, mas pegava capim com cambito e alimentava o gado de meu pai. Um abraço
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