O FORUM ALTERNATIVO MUNDIAL DAS ÁGUAS EM MARSELHA - FAME - E O DISCURSO ENGANOSO DAS TRANSNACIONAIS NO FORUM OFICIAL
No dia 12 de março de 2012 teve início o VI FORUM MUNDIAL DAS
ÁGUAS, nas dependências do Parque Chanot, próximo do Velho Porto, na
bela Cidade de Marselha na França, às margens do Mar Mediterrâneo.
Marselha é uma das grandes cidades europeias, com forte
influência árabe e também do norte da África, dada a sua proximidade com
esses Continentes. Um exemplo de boa convivência entre as diversas
culturas, que se misturam entre os marselheses típicos, com suas
músicas, comidas características e a decoração das casas e comércio em
geral.
Antes do início do Forum alternativo participamos de uma Marcha, a
convite da Associação de Mulheres da França, onde nos reunimos com
mulheres e homens, da África (Niger, Mali e Marrocos) e organizadores
do Forum Alternativo das Águas - FAME, inclusive, autoridades e uma
magistrada de Paris, com a finalidade de estabelecermos um diálogo e
conhecer as nascentes do principal Rio que abastece Marseille.
Atravessamos Parques e canais, caminhando ao longo do Rio, até chegarmos
quase ao topo da parte alta da Cidade, num local de campo e árvores,
onde, segundo nos explicou um dos organizadores, durante a 2ª Guerra
mundial, os alemães acamparam para melhor observar a Cidade de Marselha
que pretendiam dominar. Pudemos ver um interessante sistema de gestão da
água potável, que é administrada por um Conselho, tendo como membros os
próprios usuários das águas desse rio e o Poder Público. A distribuição
da água é gratuita e todos cuidam do rio e dos canais, como se fosse o
seu jardim.
O Forum oficial, iniciado na manhã do dia 12 de março, diferentemente
do V Fórum Mundial das Águas de Istambul de 2009, restringiu as
inscrições e participações, às pessoas jurídicas (empresas) ,
“Organizações Sociais” e convidados, sendo vedada a entrada a
pessoas físicas sem convite, mesmo com o pagamento da taxa de inscrição
de seiscentos euros por pessoa. Entendemos que as chamadas “Organizações
Sociais”, passariam provavelmente a constar da lista de participantes
do Fórum e de certa forma, como entidades parceiras poderiam ser usadas
na sua propaganda enganosa. Estas empresas privadas lucram com a água,
mas afirmam que fazem um trabalho social, levando água aos países
pobres. Enquanto a África, a India e a Ásia, entre outros, através de
representantes com suas vestimentas típicas, deram seus testemunhos da
escassez de água em suas regiões, as empresas de água, de forma
subliminar, mostravam que possuem condições de suprir essas
necessidades.
As ditas “Organizações Sociais”, formaram caravanas de jovens,
escolhidos em diversos países. Esses jovens foram treinados e
monitorados por organizadores do Forum Oficial. Tivemos inclusive, a
oportunidade de assistir uma rápida reunião ocorrida no pátio de
entrada do Fórum, onde conversamos com um jovem estudante brasileiro do
nordeste, que nos relatou como foi o critério de seleção e as regras de
participação no evento.
Passamos quase toda a manhã do dia 12, no pátio de entrada do Parque
Chanot, observando o perfil dos participantes do Forum oficial. Em sua
grande maioria, africanos, asiáticos e autoridades de alguns países.
Fácil perceber-se que o evento era apenas para a realização de grandes
negócios, especialmente entre as empresas que exploram o vital recurso
natural – a água e todo o acessório que segue a sua gestão e
distribuição, como é o caso da gestão sanitária nas cidades. Mas, era
necessário dar a aparência de um “evento dos povos”. Assim, muitos dos
“convidados”, especialmente dos países pobres, tiveram a missão de falar
sobre as dificuldades de acesso à água em seus países, justificando
dessa forma, a privatização da água pelas mesmas empresas que organizam o
Forum oficial Mundial das Águas.
Fomos à Marselha, representando o Serviço de Paz e Justiça – SERPAJ,
uma organização social, com representação em mais de vinte países da
América Latina, que tem como Presidente o Prêmio Nobel da Paz de 1980 –
Adolfo Pérez Esquivel, um grande exemplo de lutas pela liberdade, e
pelos direitos humanos dos povos latinoamericanos e os direitos da
Pachamama (Mãe-Terra). Nosso interesse eram os Fóruns Sociais. O
primeiro - ÁGUA, PLANETA E POVOS, organizado pela Fundação
France Liberté, criada por Danielle Mitterand, uma das grandes
batalhadoras pela gestão pública da água e pelos direitos dos povos
indígenas da América Latina, falecida recentemente, em dezembro de
2.011. Esse Fórum realizou-se entre os dias 9 e 10 de março na sede do
Conseil Regional de Marseille, onde as Organizações Sociais latino
americanas, tiveram grande espaço de discussão e iniciaram a articulação
junto a outras entidades européias, africanas e da América do Norte
(EUA e Canadá), para a criação do Tribunal Penal Internacional
Ambiental, com o objetivo de punir os crimes ambientais, como de lesa
humanidade. A campanha para a criação de um Tribunal Internacional
contra os crimes ambientais, foi iniciada por Adolfo Pérez Esquivel,
como presidente da Academia Internacional de Ciências do ambiente de
Veneza.
Nossa segunda participação foi no Fórum Social – FAME (FORUM ALTERNATIF
MONDIAL DE L’EAU), realizado no DOCK DES SUDS, região portuária de
Marseille, entre os dias 14 e 17 de março. O FAME é um aglutinador de
militantes do mundo que se contrapõem ao modelo privatizador da água, a
partir do conceito da água como bem comum e sob controle público. O
FAME reuniu muitas Organizações Sociais, como os Engenheiros sem
Fronteiras, estudiosos das causas ambientais, juristas e intelectuais de
todo o mundo, durante quatro dias de intensas discussões e debates dos
mais interessantes de tal forma, que a escolha de participação nesses
debates era difícil, pois, implicava na perda de outro igualmente
importantes. Observou-se que o Forum alternativo teve um significativo
aumento de participantes, comparado ao que se realizou em Istambul em
2009, enquanto o Forum oficial não conseguiu aumentar o número de
participantes.
Ouvimos as verdades não reveladas pela grande mídia internacional,
no que se refere à dominação dos recursos naturais, especialmente da
água, pelas grandes Corporações, o seu modus operandi, para se fizer
passar por “organizações benfeitoras” e assim, sem que as populações
percebam, a água se transforma em mercadoria, como uma commodity a ser
vendida nos mercados mundiais. Vimos alguns documentários impactantes,
como o filme suíço BOTTLED LIFE - uma denúncia da dominação e
mercantilização da água pelas grandes corporações em vários países,
especialmente pela Multinacional NESTLÉ, que através de uma maciça e
repetitiva propaganda, acabam por instituir hábitos extremamente caros e
contrários à preservação ambiental nos países mais pobres do planeta,
como é o caso da água engarrafada e vendida, enganosamente, como água
mineral.
Soubemos da contaminação das águas por mercúrio e arsênico, entre outros minerais pesados, que é praticada pelas Mineradoras que tomaram de assalto a América Latina, a África e outros Continentes,
deixando-lhes a miséria, o envenenamento das águas dos rios e dos
aquíferos, o extermínio das florestas e a degradação da terra, das
outras formas de privatização das águas, como a construção das mega
usinas hidrelétricas e as consequências danosas para o meio ambiente e
para as comunidades de pescadores e pequenos agricultores, sem contar as
violações aos povos transfronteriços, surpreendidos por essas obras
monstruosas, sem consultas prévias e sem o pagamento de indenizações
pelos enormes danos ambientais aos povos ribeirinhos, os quais, em
muitos casos, ficam sem a própria fonte de sobrevivência, como é a
situação dos pescadores e pequenos agricultores, cujas terras são
inundadas.
As empresas e governos causadores dos danos ambientais e das graves consequências à vida e à saúde das comunidades atingidas,
jamais chegam a ser punidos por esses crimes, porque alegam a
incompetência dos Órgãos Judiciais locais para condená-los. Como exemplo
dessa situação, temos o caso da Texaco-Chevron no Equador, onde
contaminou rios e florestas na região da Amazônia equatoriana, sendo
condenada pela mais alta Corte de Justiça do Equador. Essa sentença,
mesmo referendada pela Corte Interamericana de Justiça, não foi cumprida
e a empresa se nega a pagar a multa que lhe foi imposta sob a alegação
de incompetência, uma vez que tem sua sede principal nos Estados Unidos
da América. O Procurador Fiscal de Meio Ambiente da Província de
Tucumán, na Argentina – Antônio Gustavo Gómez, relatou inúmeros casos de
punições a empresas multinacionais que contaminaram águas e florestas
em sua região, cujas decisões não foram cumpridas pela mesma razão.
A América Latina está sitiada por grandes corporações, que
exploram os recursos naturais e por mega-obras de usinas hidrelétricas,
autoestradas transnacionais, realizadas sem a efetiva consulta popular
das populações atingidas, gerando inúmeros conflitos, calados pela
militarização crescente, através das Bases Militares estrangeiras,
instaladas em diversos países da América Latina, as quais servem de
suporte às grandes Corporações internacionais que executam essas grandes
obras e as que exploram minerais, petróleo, terras e a própria água,
quando não a contaminam com metais pesados. A África também sofre, em
maiores proporções, a mesma situação. Essas situações inclusive foram
parte do tema de nossa fala no FAME.
De todos os relatos e debates, emergiu com muita força a campanha pela criação de um Tribunal Penal Internacional Ambiental
para punir os crimes ambientais, ou mesmo, uma Câmara especializada
dentro do Tribunal Penal Internacional já existente. Muitas organizações
europeias, como os Juristas de Berlim, da França e da Itália, poderão
se juntar às Organizações Latino Americanas e de outros Continentes para
somar forças nessa Campanha, que faz parte das conclusões do Forum na
Carta do FAME.
O FORUM ALTERNATIVO terminou na manhã do dia 17 de março e depois
se prolongou com uma enorme manifestação de rua, no centro de
Marseille, transformando-se num belíssimo espetáculo de congraçamento
entre os povos, com a tomada das ruas por mais de 2.000 pessoas,
segundo estimativas da imprensa local, onde se misturavam as músicas de
todos os países e batucadas de inúmeros instrumentos, atraindo os
marselheses e formando grandes blocos carnavalescos, com as bandeiras
das diversas Organizações e representações do Forum Alternativo, mostrando a união e a esperança dos povos na direção de um mundo de paz, solidariedade e justiça.
Ivete Caribé da Rocha e Marianne Spiller
Nenhum comentário:
Postar um comentário